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Rui Abreu

Diretor-executivo na área da publicidade. Foi autarca eleito pelo Bloco de Esquerda em Oeiras, Lisboa na década de 2000. Teve uma passagem pela Noruega onde colaborou com a associação sindical Fellesforbundet

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Brasil precisa de mais esquerda

Parece-me óbvio que Lula será presidente e que mais candidaturas à esquerda não perigariam sua eleição

(Foto: LUIS MACEDO - AGÊNCIA CÂMARA)
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O ano de 2022 surge como um ano decisivo na política brasileira. Após seis anos de golpe continuado que retirou Dilma da presidência, as eleições no final do ano projetam a volta do Partido dos Trabalhadores ao palácio do planalto através de Lula. Afastado ilegalmente pelo ex-juiz Sérgio Moro em 2018, o ex-presidente é um fenômeno de popularidade e parece atrair todos os campos e agentes políticos, tornando-o no elemento absorvente da política brasileira (pelo menos nesta fase de pré-campanha). Esta amplitude de atração traz desafios, quer à esquerda, quer ao Brasil.

1 - Frente ampla e a neutralização da esquerda

A erosão de mais de quatro décadas de neoliberalismo tem levado vastas camadas da população à exclusão dos processos de decisão econômica e política. Numa sociedade que produz uma riqueza ímpar na história humana, o desemprego estrutural aumenta, assim como a precariedade, baixos salários e a pobreza. Torna-se natural que em economias tão desiguais as populações sintam falta de confiança no sistema político. Na Europa e América do Norte cerca de metade da população opta por não votar, e das pessoas que votam acentua-se a preferência dos partidos/movimentos neofascistas que, com seu discurso aparentemente antissistema, conquistam esse espaço de desconfiança.

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É neste quadro de ultraliberalização econômica e de ressurgimento da extrema-direita que reaparecem as teses de frentes/alianças amplas. Na sua origem estava a necessidade de frear a economia desigual, hoje revestem a necessidade de derrotar os/as candidatos/as neofascistas a todo o custo.

Várias experiências têm-se desenhado e executado no mundo. Surgiram primeiro as alianças anti austeridade como em Portugal e na Grécia. No caso português formou-se a geringonça em Portugal (acordo de incidência parlamentar que juntou Partido Socialista, Partido Comunista Português e Bloco de Esquerda), no caso grego houve a eleição do Syriza, partido antissistema que prometia inverter a política ultraliberal e que acabou por fazer vários acordos de governação com a direção neoliberal da União Europeia e cedeu espaço aos partidos liberais gregos perante a ameaça crescente da Aurora Dourada, partido de extrema-direita. 

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Já na Espanha, o Podemos (partido recém-criado de esquerda) entrou no governo do Partido Socialista Operário Espanhol. Recordemos que tanto o PS (português) como o PSOE (espanhol) têm sido partidos de orientação neoliberal desde a década de 1990, servindo de plataforma legisladora e governativa no caminho neoliberal seguido pela UE.

O resultado foi a absorção dos partidos de esquerda tidos como anti sistema no quadro institucional partidário, a consolidação das políticas neoliberais com maiorias cada vez mais absolutas nos congressos e parlamentos (na eleição portuguesa de 30 de Janeiro de 2022 o parlamento ficou com uma representação neoliberal de mais de 95%, a maior da história portuguesa), a defesa de agendas neoliberais por partidos de esquerda, a queda vertiginosa dos partidos de esquerda, o aumento da desconfiança no sistema (leia-se eleitoralmente como abstenção) e, a consumação do receio tão propagado pela esquerda e que justifica todo o tipo de aliança, o crescimento meteórico da extrema direita.

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No Brasil, com a ajuda de um golpe continuado, essa desconfiança no sistema político (empolada pela operação lava jato) levou à eleição do neofascista Jair Bolsonaro.

É verdadeira a urgência de afastar Jair Bolsonaro e a sua política destrutiva do poder, mas é preciso avaliar que a sua destruição além de civilizacional é também económica. E tem vasto apoio da classe dominante do Brasil. A política seguida por Paulo Guedes tem apoio de cerca de 80% do Congresso Nacional e essa vasta maioria não parece comprometida nas projeções eleitorais de Outubro de 2022.

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2 - Entre a esquerda e a continuação do golpe

Para os mais distraídos, o golpe de 2016 não passaria de uma luta entre siglas/legendas partidárias, em que judiciário e mídia corporativa são arrastados para a disputa política num sistema já muito apodrecido nas suas fundações. O apodrecimento sistémico é verdadeiro, já os objetivos do golpe eram e são bem mais profundos.

Mais que retirar A ou B do poder, o golpe pretendeu/e mudar o modelo de desenvolvimento do Brasil. O modelo petista de desenvolvimento assente na industrialização, o aumento do trabalho de valor acrescentado e a consequente consolidação do consumo interno não se adequava aos interesses do capital rentista quer nacional quer internacional. Para piorar, o imperialismo norte americano tenta recolocar na sua total esfera de influência toda a américa. Reposicionamento tão necessário aos interesses imperiais americanos nesta fase de disputa pela supremacia económica global com a China.

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Assim temos o modelo de Bolsonaro-Guedes como o garante de desindustrialização, o avanço do agro-extrativismo, as privatizações de setores estratégicos, a predominância do capital financeiro na economia e o aumento exponencial da desigualdade como resultado procurado e atingido por este modelo.

Como a ex presidente Dilma referiu, o golpe não era contra ela, o golpe era e é contra o povo brasileiro. E não foi feito só pela lava jato ou pela extrema-direita. O golpe segue em curso nas casas legislativas, governos e tribunais por todo o país. O ataque que começou com a reforma trabalhista continua a todo o vapor, com reformas e projetos estaduais e federais que continuam o caminho precarizador do trabalho, privatizações e proteção ao grande capital.

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Grande parte dos agentes políticos que promovem o golpe diariamente apresentam-se agora como solução governativa num possível governo Lula, percebendo que só apoiando o candidato do PT a nível nacional aumentam suas chances de eleição/reeleição nas suas disputas estaduais de Outubro próximo. 

À exceção dos partidos de esquerda, que foram contra o golpe quase desde o início, todos os outros podem até estar chocados com o desempenho de Bolsonaro, em particular na gestão da pandemia, mas apressam-se a apresentar e aprovar projetos e medidas que golpeiam diariamente as condições de vida do povo brasileiro. 

Afinal, os potenciais aliados liberais de Lula são contra o carrasco, mas são a favor da pena.

3 - Brasil precisa de mais esquerda e Lula também

Lula tem esclarecido que nunca teve pretensão de fazer um governo revolucionário e que procurará apoios em setores liberais que garantam não só a sua eleição, mas também a tomada de posse e consequente governação. O medo de mais uma manobra que permita a continuidade do golpe é grande e justificada.

Embora 2016 demonstrasse que ou Dilma se entregava aos interesses corruptos e neoliberias dos partidos conhecidos como "Centrão" ou só uma grande movimentação popular poderia ter evitado o golpe; Lula parece não querer cortar com a tradição de confluência com setores mais liberais, alimentando uma lógica anti golpe com essas alianças.

Parece difícil que sejam alianças com agentes diários do golpe continuado que vá cessar o golpe, mas entendo a estratégia. Por saber Lula nesse caminho, é necessário que surjam outras vozes que garantam ideias e pautas de esquerda, que consiga devolver ao debate político o seu sentido de desenvolvimento econômico e de classe.

Parece-me óbvio que Lula será presidente e que mais candidaturas à esquerda não perigariam sua eleição, mas facilitariam a discussão política com propostas além do neoliberalismo. Ainda ajudariam a eleger bancadas de esquerda mais significativas no congresso e ajudariam Lula a governar na prossecução dos seus objetivos de melhoria de condições de vida do povo brasileiro, sem estar tão dependente da negociação com a parte neoliberal do congresso. Facilitaria ainda a convocação dos movimentos sociais para a participação na política e influência na governação.

Atendendo a que uma candidatura altercapitalista não colocaria em risco a eleição de Lula, a pré-candidatura do deputado Glauber Braga, pela sua coerência e clareza no enfrentamento à política neoliberal e aos agentes do golpe continuado, apresenta-se como a melhor alternativa para tentar distender a discussão política mais à esquerda. Faria bem a Lula e ao Brasil. 

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