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    Carlos Alberto Mattos

    Crítico, curador e pesquisador de cinema. Publica também no blog carmattos

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    Cabul, a vida entre uma explosão e outra

    Ao mesmo tempo que dimensiona a tragédia do Afeganistão a nível da vivência individual, o documentário "Cabul, Cidade no Vento" expõe exemplos extraordinários de vitalidade e sobrevivência

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    Segundo dados da ONU, no ano de 2018, quando foi gravado este documentário, o Afeganistão teve o maior número de civis mortos na última década: 3804, sendo 927 crianças. Mas o filme de estreia de Aboozar Amini não mostra nenhum cadáver, nenhuma situação de pavor e apenas o ruído de uma única explosão a certa distância. O documentário Cabul, Cidade no Vento (Kabul, City in the Wind) está interessado na vida que medra entre uma bomba e outra.

    E o faz mostrando vinhetas do cotidiano de Abbas Tanay, motorista de ônibus metido numa trapalhada, e as crianças Afshin e Benjamin Amiri, filhos de um soldado que precisam se virar sozinhos. Abbas comprou seu ônibus particular a prestações e, impossibilitado de pagar, provocou um defeito no motor do qual agora não consegue se livrar. O veículo está caindo aos pedaços, e Abbas tenta administrar sua dívida do jeito que pode, entre pedidos de empréstimo, dependência de drogas e inveja da mulher que tem uma pequena renda garantida.

    Afshin e Benjamin, por seu turno, rondam pelas ribanceiras de uma periferia poeirenta no verão e nevada no inverno. O maior arrasta o menor com um misto de cuidado e brutalidade. Atirar pedras ao léu parece ser a diversão predileta para crianças que vivem sob a ameaça constante de um inimigo que ainda não compreendem (o Talibã e o Estado Islâmico, então escondidos nas montanhas). 

    O fato de não mostrar a violência diretamente não diminui a atmosfera de medo e morte que afeta adultos e crianças. As notícias de explosões e ataques suicidas eram praticamente diárias. Os dois meninos são levados pelo pai para visitar os túmulos de vítimas de um atentado. Com cerca de três e sete anos, respectivamente, Benjamin e Afshin monologam e cantarolam obsessivamente sobre os perigos da guerra, com seus mortos e feridos. Amadurecidos prematuramente, seus sonhos são de morte e perdas.

    Aqui e ali, Aboozar Amini troca a observação das ações por depoimentos frontais dos personagens, quando eles condensam suas preocupações com uma gravidade impressionante. Ao mesmo tempo que dimensiona a tragédia do Afeganistão nesse nível da vivência individual, Cabul, Cidade no Vento expõe exemplos extraordinários de vitalidade e sobrevivência. Com a volta do Talibã em agosto último, os ventos de Cabul certamente não são mais os mesmos.

    >> Cabul, Cidade no Vento está na plataforma Filmicca.

    * Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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