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Tânia Maria de Oliveira

Secretária-Executiva Adjunta Secretaria-Geral da Presidência da República

87 artigos

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Carnaval e política

Os desvios no desfile das escolas de samba, se existem, e pode ser que existam, não pode se traduzir na afirmação de pessoas que se pretendem sérias de que uma escola foi campeã por ser "aliada da Globo"

Tuiuti (Foto: Tânia Maria de Oliveira)
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Os historiadores situam o surgimento das escolas de samba nas primeiras décadas do século passado, após uma evolução e fusão das grandes sociedades carnavalescas, compostas pela elite, e dos cordões carnavalescos e ranchos, que vinham das camadas populares.

A afinidade com um grupo chamado escola de samba adquire a dimensão de um indivíduo singularmente identificado com um coletivo cultural, sem que isso o afaste de suas possibilidades críticas. Assim sendo, tratar desses temas exige uma didática que devemos usar ao falarmos de questões do campo ético-político. Cada escola tem sua origem e, em todas elas encontraremos pontos dignos de notas e críticas.

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Uma escola na avenida é, para os espectadores, o vislumbre do magnífico espetáculo, a diversão, o entretenimento. Atrás disso há o trabalho de centenas de mulheres e homens, realizado meses antes até aquele momento, que passa por concepção, planejamento e execução, e que envolve profissionais de várias áreas do conhecimento e artesãos, pessoas em regra ligadas às suas comunidades onde a escola se sedia. O resultado é a busca da perfeição da técnica, da beleza e da harmonia na avenida.

Como toda representação cultural, o carnaval, genericamente falando, e as escolas de samba especificamente, não estão fora das contradições sociais. Evocam paixão e antipatia.

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O carnaval de 2018 pode ser descrito como aquele em que parte das escolas de samba no Rio de Janeiro levou a situação política brasileira para a avenida, fazendo uma leitura do momento atual do país. O desfile mais emblemático foi o da Paraíso do Tuiuti, um enredo muito ousado e corajoso, que falou das condições de trabalho atuais, em analogia com uma escravidão moderna, e apontando diretamente os que entende responsáveis pelo estado de coisas: o atual governo e os movimentos de classe média que levaram à deposição da presidenta eleita do Brasil em 2016. Fez um desfile incrível e causou constrangimento ao passar nos camarotes e aos comentaristas.

A Beija-Flor de Nilópolis usou a metáfora do monstro Frankstein para falar dos problemas da desigualdade e da corrupção. Adotou uma fórmula muito mais diluída e tradicional na temática, não apontando diretamente responsáveis senão políticos em geral e, dessa forma, repetindo o discurso dito oficial sobre o tema.

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Desde os dias dos desfiles, no domingo e na segunda-feira, as redes sociais foram inundadas do debate Beija-Flor versus Tuiuti, o que se acirrou muito após as duas escolas terminarem a disputa em primeiro e segundo lugar, respectivamente. O policiamento e a valoração sobre o que foi mostrado e visto ganhou contornos exagerados no sentido negativo, e fora das polêmicas sobre carnaval.

Querendo ou não, evocaram as duas escolas no carnaval, simbolicamente, a disputa social sobre a narrativa da conjuntura político-social brasileira e, neste sentido, atraíram as paixões para um debate que, percebendo ou não, desandou para um maniqueísmo que colocou os dois coletivos em lados antagônicos da sociedade, para muito além da apresentação que fizeram na avenida. Nesse caminho, textos foram produzidos nos blogs e nas redes, de forma impulsiva e aparentemente pouco refletida, por recém-revelados especialistas em carnaval, não fazendo a leitura crítica dos enredos, o que seria saudável e importante, mas em trocas de agressões e acusações que vão de divulgação de fatos dos dirigentes, corrupção no resultado a alinhamento com a Rede Globo.

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Como é próprio do maniqueísmo, o debate ficou contaminado, e perdeu-se de vista todas as possibilidades virtuosas que as contradições do carnaval apresentado nas escolas de samba pode nos trazer. Ao mesmo tempo, ao distribuir rótulos, ignorou-se o que há por trás do coletivo social que se chama de comunidade, e que é a pedra angular de larga parte das agremiações, como é o caso da cidade de Nilópolis, de onde vem a Beija-Flor e onde, paradoxalmente ao discurso que a ataca de uma suposta orientação à direita, a presidenta Dilma foi eleita em 2014 com 61,34% dos votos, uma das maiores diferenças com o segundo colocado no estado do Rio e no país.

Lidar com a paixão que as manifestações culturais nos ofertam já é, em si mesmo, difícil, haja vista o que ocorre com as torcidas no futebol. A racionalidade ganha pouco espaço. Quando o debate se mistura com a política, pressupõe um desafio de mantermos a serenidade ética, sob pena de se perder a dimensão da coerência do que está posto, e afundar no que é abstrato e nas afirmações que sequer podem ser seriamente consideradas.

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Os desvios no desfile das escolas de samba, se existem, e pode ser que existam, não pode se traduzir na afirmação de pessoas que se pretendem sérias de que uma escola foi campeã por ser "aliada da Globo". Se assim fosse teriam que responder a questões objetivas simples como o fato de que são 36 jurados para os quesitos. A Globo paga os 36 profissionais? Se a resposta é sim, pode-se provar ou se trata de convicção? De que outra forma seria esse desvio? Afinal os jurados assistem ao desfile em loco, não pela TV. Logo, não importa como é transmitido e como a emissora privilegia imagens de umas e outras não.

E o que houve com o apoio da Globo no ano passado quando a Beija-Flor ficou em 6º lugar ou em 2016 quando ficou em 5º?

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Os comentários se apresentam desorientados de qualquer racionalidade e, mesmo assim, assumem uma postura irredutível e descuidada com a realidade. O "não gostar" de uma escola neste carnaval pareceu afastar a porção mais generosa da dimensão humana de cada indivíduo crítico, ao olhar para um coletivo social enxergando apenas o que lhe convém. E os apontamentos sobre os equívocos no desenvolvimento do enredo da escola, de um samba com uma letra estupendamente linda, que poderiam ser evidenciadores da possibilidade de uma abordagem diversa, se perdeu na superficial interseção das diferenças com a outra escola, e uma intolerância injustificada.

Não é pouco pensar que essa cisão de bem-mal que foi imposto de fora pra dentro às escolas, situando a Beija-Flor no segundo plano, e amplamente alimentada nos blogs de esquerda - que chegaram a dizer que houve "golpe" no carnaval - é reveladora de preconceitos camuflados e ignorância, que mistura debates sobre jogo do bicho, ações e comportamento dos mandas-chuvas da escola com carnaval, e que tem o potencial de criar animosidade com a comunidade de Nilópolis e retroalimentar um discurso segregacionista, forjando ressentimentos.

Sai no domingo e na segunda-feira nas duas escolas com igual empolgação. E estar na avenida em vários anos, com todas as críticas que tenho aos valores de ingresso e fantasias, é uma reafirmação do meu amor pelo samba, que como diria Wilson das Neves, "aprendi a bater ao compasso do meu coração". Nunca poderia falar da Mangueira sem lembrar de Cartola, amar menos a Vila também por causa de Noel e Martinho, e deixar de torcer pela Portela do mestre Monarco e Paulinho. Todos me trazem significações que amar o samba requer respeitar.

A escolha da escola do coração, aquela que te faz rir e chorar, pode se dar de forma aleatória ou ter um "enredo".

Conheço a Beija-Flor desde criança; sinto uma explosão de alegria quando piso aquela quadra; me vejo parte de algo que não sou no cotidiano, abraçada e acolhida por pessoas simples, humildes, trabalhadoras, que se irmanam comigo nesse amor ao samba, que trabalham meses a fio para se transformarem em contemporâneos pierrots e colombinas no grande salão da Marquês da Sapucaí. Pessoas como a Dona Creuza, que votou na Dilma e no Lula, que não aplaude a Lava Jato, que não opina no enredo da escola, mas que ama a escola como uma mãe a um filho, com todas as suas idiossincrasias. É a pessoas como ela que devemos o respeito de pensar nossa crítica com responsabilidade, rejeitar essa tendência de inclinação autoritária de verdades pré-concebidas e acusações sem provas, que, aliás, já passamos do tempo de aprender que não podem ser parte das práticas de esquerda.

Em depoimento pessoal, minha orgulhosa e sincera homenagem à Paraíso do Tuiuti, cujo samba cantei com toda a força dos meus pulmões, mesmo sem ter a beleza da voz da Grazzy, negra linda que encara o mundo machista dos intérpretes de escolas de samba, e cuja comissão de frente é assinada pelo meu querido Patrick Carvalho, amigo talentosíssimo, merecedor de todas as glórias. Vocês fizeram história.

Meu amor e meu desagravo à minha escola querida e toda sua gente nilopolitana pelos desatinos ditos e pela conquista de mais um título. Beijos e flores.

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