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Ádamo Antonioni

Jornalista, professor de Filosofia. Doutorando em Educação (UFPR). Autor do livro: “Odeio, logo, compartilho: o discurso de ódio nas redes sociais e na política”.

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Carta aberta à vice-procuradora-geral da República Lindôra Araújo

Senhora vice-procuradora da República, por favor, deixe a Idade Média em seu devido lugar

Lindôra Araújo (Foto: Reprodução)
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Prezada vice-PGR Lindôra Araújo, 

Soube através da imprensa que a senhora tem elevado o tom na defesa do atual presidente da República, Jair Bolsonaro (PL). No final de julho do corrente ano, a senhora chegou a pedir o arquivamento de 7 das 10 apurações preliminares abertas após a conclusão dos trabalhos da CPI da Covid no Senado. O relatório final da comissão acusou Bolsonaro de ter cometido nove crimes. Repito, nove crimes. Dentre eles, o crime de prevaricação, crime contra a humanidade e o crime de charlatanismo. Para o espanto de todos nós, brasileiros e brasileiras, a PGR alega que não há indícios de práticas irregulares. 

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Me chamou muito a atenção o argumento utilizado para pedir a suspensão das investigações sobre charlatanismo. Segundo o Código Penal, charlatanismo é o crime que pune quem divulga, propaga, ou anuncia a cura de uma doença de um modo não autorizado pela ciência. O presidente tornou-se praticamente um “garoto propaganda” da cloroquina e hidroxicloroquina. Sempre as divulgava em suas lives, estimulava seus apoiadores a tomarem, enquanto a esquerda tomaria tubaína, chegou, até mesmo, a exibir com ostentação o medicamento às emas do Palácio do Planalto em julho de 2020, num período da pandemia em que mais de mil pessoas estavam morrendo diariamente no Brasil. Vale lembrar que desde maio daquele ano, a OMS já havia comunicado que o medicamento era ineficaz ao tratamento do coronavírus.  

Segundo o argumento da senhora, o presidente Bolsonaro “tinha plena convicção e confiança na eficácia” destes medicamentos mencionados acima, e que, portanto, “o agente que age sinceramente acreditando nos recursos de tratamento poderá até ser tido como inculto, mas não charlatão”. 

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Se partirmos da premissa de que seu argumento é válido, Sra. Lindôra, isto é, que o presidente agiu por falta de instrução (que é isso que a palavra “inculto” significa) ao basear toda a política de saúde pública em “convicções” pessoais, podemos concluir que qualquer pessoa que tenha alguma convicção pode agir livremente, sem ser responsabilizada pelos seus atos. 

As convicções matam, Sra. Lindôra.  

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Foi com base nas convicções, como recorda o filósofo Nietzsche, que se queimaram nas fogueiras judeus, “hereges” e bons livros. Foi com base nas convicções que se exterminaram civilizações como as do Peru, México e, podemos acrescentar a população indígena do Brasil. “Não foi a luta das opiniões que tornou a história tão violenta, mas a luta da fé nas opiniões, isto é, nas convicções”, concluiu o autor de Humano, Demasiado Humano.  

A partir deste pensamento de Nietzsche, podemos compreender sem muita dificuldade, que o que causou a morte de mais de 180 mil pessoas pela covid-19 no país (considerando os dados até dezembro de 2020, antes do início da vacinação), não foi a simples “opinião” divergente de Bolsonaro em detrimento da esmagadora maioria da comunidade científica, mas sua fé cega, sua convicção mesquinha, insistente e irresponsável. O presidente optou por manter uma opinião convicta vil, sádica e mórbida para sustentar toda sua política de saúde pública. Necropolítica, a bem da verdade. Faltou a ele sensibilidade e humanidade para fundamentar suas convicções, assim como falta à senhora conhecimento histórico e filosófico.  

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As convicções, novamente citando Nietzsche, “são inimigas da verdade mais perigosas que as mentiras”. A tentativa de sobrepor convicções pessoais ao pensamento científico revela estreiteza de ideias e pobreza de espírito, que só mesmo num contexto político de ascensão da extrema-direita tacanha, retrógrada e obscurantista que podemos testemunhar práticas inquisitoriais que agravaram drasticamente uma pandemia, acompanhadas de argumentos medievos para justificar tamanha desumanidade. Sendo que 400 mil mortes poderiam ter sido evitadas, de acordo com pesquisa baseada na Ciência conduzida pelo epidemiologista Pedro Hallal.  

Senhora vice-procuradora da República, por favor, deixe a Idade Média em seu devido lugar. 

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Grato pela compreensão, 

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