Carta aberta ao governador do Ceará

Parabéns! Governador Elmano Freitas. O anúncio feito por vossa excelência no último dia 31 de agosto, enche de orgulho não só os cearenses, mas todos os brasileiros amantes da liberdade que reivindicam a completa justiça histórica face aos crimes da ditadura militar.

Nada mais estranho, mais contraditório, que a manutenção do mausoléu de um ditador no Palácio da Abolição. O Palácio da Abolição é lugar para ostentar o mausoléu dos abolicionistas, do Dragão do Mar: Francisco José do Nascimento, o Chico da Matilde. Este, sim, foi o herói da Abolição no Ceará, e por que não dizer, no Brasil. Afinal foi o Ceará a primeira província a decretar a abolição da escravidão negra, a partir da luta de seus negros e a solidariedade e apoio de seu povo. Com as greves de suas jangadas impedindo o embarque de escravos, obtiveram o apoio da sociedade cearense levando o governo provincial a decretar a abolição quatro anos antes da chamada Lei Áurea. O Dragão do Mar com sua jangada chegou até a capital do império como incentivo à luta abolicionista.

A história é assim, governador: o povo luta, conquista os benefícios da liberdade e da democracia, mas nem sempre, quase nunca, usufrui efetivamente de seus resultados. Os “heróis” da pátria muitas vezes são os carrascos. Assim, restabelecer a verdade histórica é medida mais que necessária para que ditadura, nunca mais! 

Quem foi o senhor Castelo Branco? O primeiro general a ocupar a presidência da república no ciclo militar iniciado a 1º de abril de 1964. E foi o principal conspirador para derrubar o governo constitucional do presidente João Goulart e implantar um governo a serviço do império do Norte, como disse um outro cearense de carreira política na Bahia, o também general Juracy Magalhães, que foi ministro do Exterior do primeiro governo ditatorial-militar: “O que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil”. Sob Castelo Branco milhares de brasileiros foram presos, torturados, até navios foram transformados em prisões dada a grande quantidade dos detidos; outros milhares demandaram o exílio enquanto as listas dos cassados se sucediam com centenas de nomes. Sindicatos e entidades estudantis foram fechados e logo mais os próprios partidos, sendo estabelecido um verdadeiro regime de partido único, pois tínhamos o partido do “sim” e o do “sim, senhor!”. Eleições para os cargos majoritários foram abolidas. A Constituição, conspurcada e depois imposta uma “emenda constitucional”; o próprio Supremo Tribunal Federal sofreu intervenção com a cassação de alguns de seus membros. O homem responsável por tudo isso não pode ter seus restos mortais num panteão que simboliza a liberdade!

De minha parte, governador, sinto-me duplamente honrado. Primeiro porque passei em Fortaleza a 28 de março de 1964, quando era vice-presidente da União Brasileira dos Estudantes Secundários, para participar de um congresso no Piauí. Lá, aos 19 anos, sofri minha primeira prisão política, submetido a um IPM (Inquérito Policial Militar) conduzido por uma major enviado de Fortaleza. Era pleno governo militar de Castelo Branco. Segundo, por ter sido um dos brasileiros que fundaram, em 1980, o Partido dos Trabalhadores. É o partido que tem a maior responsabilidade em repor a verdade histórica, completar a justiça de transição, apurar todos os crimes da ditadura militar, e limpar o país de homenagens a todos os traidores da liberdade e da pátria e repor nossos verdadeiros heróis em sua devida posição de honra.