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Carlos Carvalho

Doutor em Linguística Aplicada e professor na Universidade Estadual do Ceará - UECE.

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Como o Brasil deu no que deu

"Para chegarmos até aqui e tentar entender como o Brasil deu no que deu, é preciso mapear todo o trajeto do preconceito e do descaso da nossa indigna nação"

Manifestações do 7 de setembro pedem impeachment de Bolsonaro (Foto: Brasil 247)
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A terra devastada, de T.S.Eliot, é um dos poemas mais importantes da literatura universal. Data do ano de 1922. Logo, em 2022 completa cem anos de idade.  Um dos seus versos mais emblemáticos é aquele que abre o poema e diz “abril é o mais cruel dos meses...”. Claro que há toda uma contextualização histórico-cultural que explica o referido verso, bem como o poema como um todo. Contudo, não é este o fio que desenrolaremos no artigo de hoje.

Mas eis que lembramos Eliot, quando caminhamos pelas vias tortas de um abril quase tão cruel quanto aquele observado pelo autor de Os homens ocos, de 1925. Pelas ruas, campos, construções e bares, aqui e acolá é costume ouvirmos a pergunta “o que fizeram com Brasil?”, que não raro, se transmuta em “o que fizeram com nosso país?”, “Como chegamos a este ponto?” e “Como o Brasil deu no que deu?”. 

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Tais perguntas são carregadas de uma ingenuidade que surpreende apenas os incautos, desavisados e habitantes de universos paralelos; abandonados à própria sorte tal qual a Sibila de Cumas, do Satyricon, de Petrônio que, suspensa dentro de uma ampola, respondia “Quero morrer”, quando as crianças lhe perguntavam: “Sibila, o que queres?”. Por precaução, este colunista sugere não responder perguntas de crianças sobre o Brasil atual.

Pois bem. Para chegarmos até aqui e tentar entender como o Brasil deu no que deu, é preciso mapear todo o trajeto do preconceito e do descaso da nossa indigna nação para com seu povo. Falamos aqui, é claro, do povo humilde e pobre, que por séculos tem sido invisibilizado e deixado à margem de qualquer projeto minimamente decente de governo, tendo sido usado apenas como mão de obra barata e massa de manobra, sempre apto a carregar nas costas os donos do poder.

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Aos pobres, decidem eles, uma tigela de feijão com arroz e um pedaço de toucinho basta. Seus filhos não precisam ler nem escrever. Logo, não precisam pensar. Precisam mesmo é ter braço forte, barriga vazia, e disposição para trabalhar, por exemplo, na construção de casas e apartamentos que jamais poderão comprar. Se essas pessoas utilizam transporte público lotado, desconfortável e sujo? Quem se importa? Afinal, são pobres e quase todos pretos. E então um belo dia do mês mais cruel (no Brasil, todo mês é o mais cruel, assim como cada ano também), descobrimos que existem neonazistas no país mais negro da América Latina. E pior, também existem negros racistas e latinos xenófobos e pessoas antivacinas e pobres de direita, bonecos de ventríloquo, parlamentares assediadores e pedófilos. A lista é interminável. 

O Brasil de hoje, a terra desolada que assombraria até mesmo T.S. Eliot, é o resultado da miséria que se implantou nesse país como projeto de sucessivos governantes. É também resultante dos processos de destruição das escolas e universidades públicas em favor das privadas e do sucateamento da saúde pública em benefício das grandes corporações, aquelas mesmas que muito pouco ou quase nada fizeram no combate à pandemia de Covid-19. Algumas delas, inclusive, forjaram a idéia da morte como sinônimo de alta (há relatos de que alguns semanticistas infartaram). E o que aconteceu? A assinatura de termos de ajuste de conduta (TAC). Que meigo! E todos foram felizes para sempre. Exceto aqueles que foram mortos e as famílias dilaceradas. 

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O Brasil deu no que deu, quando se normalizou que professores e professoras deveriam receber, para sempre, um salário de miséria; enquanto políticos e militares de alta patente sambam na cara da sociedade e tramam contra o povo na calada da noite, ostentando seus salários indecentes, seus auxílios imorais, a mesa farta e tudo “aquilo” durinho. O Brasil deu no que deu, quando a população normalizou que política é profissão, assim como quando abriu mão de fiscalizar seus servidores. 

O Brasil deu no que deu, quando as Instituições aceitaram que um sujeito eleito democraticamente aviltasse todos os dias a Constituição Federal, sem que nenhuma sanção lhe fosse aplicada. O Brasil deu no que deu porque somos coniventes com o absurdo, com o inaceitável. Nosso silêncio e nossa inação são, parafraseando Eliot, raízes que se arraigam, ramos que se esgalham nessa imundice pedregosa.

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