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Matheus Vieira

Estudante de Filosofia na UFPB

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De um jeito ou de outro, no Brasil será pior do que na Itália

O Presidente, que em nenhum momento esconde os seus interesses, começou a criticar, de maneira oficial, as medidas preventivas decretadas pelos Estados, solicitando uma volta a normalidade. Bolsonaro, mais uma vez, deixou claro que o interesse empresarial brasileiro estava acima da própria vida dos cidadãos brasileiros

(Foto: Isac Nobrega - PR)
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Em menos de um mês o governo italiano viu a sua preocupação mudar. Antes, o seu principal problema era como estimular a economia em meio a pandemia, agora o seu principal problema é achar um lugar para enterrar os seus mortos. E nós temos todos os motivos para enxergar um cenário ainda pior no Brasil”

Há aproximadamente um mês a maior parte das cidades italianas entraram em isolamento social. Colégios foram fechados, bares não abriram, o comércio não funcionou e apenas os trabalhadores que exercem funções consideradas essenciais puderam continuar saindo de casa para exercer a sua função. O isolamento, no entanto, durou aproximadamente dois dias - pelo menos naquele momento. O primeiro ministro italiano, Giuseppe Conte, considerou que tais medidas iriam prejudicar de maneira considerável a economia, além de ter afirmado que esses procedimentos causavam caos e propagavam o pânico em meio a população. Diante da postura e da pressão do primeiro ministro, portanto, as medidas acabaram sendo revogadas. Na região da Lombardia, por exemplo, aos bares foram reabertos logo após a revogação do isolamento social. 

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No final de fevereiro, o país registrava 17 mortes, 650 infectados e 45 curados. Giuseppe Conte não enxergava nesses “inexpressivos” números alguma forma de perigo às relações sociais, econômicas e culturais dos italianos. Muito pelo contrário, como 45 pacientes haviam sido curados o governo olhava com certo otimismo o número de tratamentos bem sucedidos na Itália. Estes quadro quantitativo foi capaz de construir uma narrativa propagandística tão eficaz que até mesmo o ministro das Relações Exteriores italianas, Luigi de Maio, afirmou que a maioria das escolas estavam abertas e que os investidores e turistas podiam ir tranquilamente ao país europeu, afinal, até mesmo as crianças estavam saindo para irem às aulas. A política do Estado italiano foi, pelo menos nesse primeiro momento, a de desestimular o isolamento social, ao passo que incentivava os seus cidadão a irem ao trabalho para que a economia do país não fosse prejudicada. 

Porém, a propaganda otimista duraria pouco. Apenas quatro dias depois de informar que a política do governo italiano seria a de estimular o crescimento econômico em detrimento do isolamento social, o Premier Giuseppe Conte viu os casos aumentarem de maneira drástica, indo de 17 óbitos no dia 28 de fevereiro a 72 óbitos já no dia 3 de março. Menos de dez dias após a revogação do isolamento dos cidadãos a quarentena total foi decretada. Mas essa decisão veio tarde demais e, infelizmente, temos a confirmação de que em menos de um mês a Itália passou de 72 vítimas fatais para 7.503 mortos - números atualizados pelo Ministério da Saúde da Itália em 25 de março de 2020. Em menos de um mês o governo italiano viu a sua preocupação mudar. Antes, o seu principal problema era como estimular a economia em meio a pandemia, agora o seu principal problema é achar um lugar para enterrar os seus mortos.

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Essa experiência traumática traz consigo um conjunto de aprendizados. Um dos mais importantes é que o isolamento social se mostrou como o modo mais eficaz de conter o avanço do novo coronavírus. Não adotá-lo poderia custar caro. O colapso em que hoje se encontra o sistema de saúde italiano não nos deixa dúvidas: o número de mortos é só a ponta do iceberg. Como a maior parte dos casos graves exigem tratamento intensivo na UTI, os hospitais estão sobrecarregados e em alguns deles pacientes com mais de 80 anos já não recebem tratamento e são deixados para morrer. Nesse mesmo contexto, vítimas de outras doenças acabam morrendo por não terem a oportunidade de serem tratadas devido a superlotação de infectados pelo COVID-19 - estas vítimas não são contabilizadas nas estatísticas. A Itália que há um mês atrás acabou com o isolamento social para que a população não entrasse em pânico e a economia não fosse afetada hoje se encontra, nas próprias palavras do Premier Giuseppe Conte, numa situação tão catastrófica quanto a de 1945, quando o país foi desolado pela derrota na Segunda Guerra Mundial. 

Ao enxergarem a trágica situação italiana, países como França, Alemanha, Argentina, Rússia, assim como a esmagadora maioria dos países (salve algumas exceções como México e agora o Brasil) adotaram a medida de isolamento social sem pensar duas vezes. O Reino Unido que se mostrou bastante cético no início da pandemia agora já implementou a medida e apenas serviços essenciais continuam funcionando. Até mesmo Donald Trump reiterou a importância do isolamento na noite desta quarta-feira, dia 25 de março de 2020. No Brasil, os governadores foram rápidos. Logo diante dos primeiros casos e da falta de exames suficientes pelo menos 25 dos 27 governadores adotaram o isolamento social como método de prevenção. 

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Mas logo se tornara evidente o descompasso entre as políticas que os Estados brasileiros adotaram e a postura do governo federal diante da pandemia. Antes mesmo que os governadores pudessem adotar as medidas de isolamento recomendadas pela OMS (Organização Mundial da Saúde) o discurso do Presidente era o de negar a gravidade do surto eminente. Em todas as suas falas Jair Bolsonaro manteve o tom crítico a todos aqueles que eram a favor do isolamento social. O exemplo da Itália parecia não influenciar a postura presidencial. 

A postura do Presidente era apenas uma: tratar a pandemia do COVID-19 como inexistente. No dia 15 de março, por exemplo, Bolsonaro compareceu a uma manifestação que ele mesmo havia convocado cujo objetivo era enfraquecer o Congresso Nacional. Caso não bastasse o absurdo de um Presidente convocar e comparecer a uma manifestação com cunho golpista e autoritário, ele o fez num contexto em que o país se preparava para diminuir o contato social devido a proliferação do COVID-19. A justificativa que ele deu foi a de que não iria deixar de ir numa manifestação por conta de uma “gripezinha” e que o novo coronavírus não passava de uma histeria coletiva. Desde o dia 15 de março até o presente momento foram tantas atitudes absurdas cometidas pelo Presidente da República que é impossível contextualizá-las em um só texto. O mais importante, aqui, é a compreensão de que em nenhum momento Jair Bolsonaro demonstrou alguma pretensão de utilizar medidas de isolamento social como forma de prevenção. 

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O Governo Federal sempre agiu no sentido contrário da política de prevenção recomendada pela OMS e seguida pelos Estados brasileiros. Enquanto os governadores paralisaram o transporte público, suspenderam as aulas presenciais e decretaram a interrupção da atividade comercial para evitar a disseminação do vírus, o Presidente Jair Bolsonaro veio a público, no dia 17 de março, criticar as referentes medidas afirmando que “o vírus havia trazido histeria” e que os governadores estavam tomando “medidas que iriam prejudicar a economia”. O que estava acontecendo era evidente: enquanto os governadores adotavam medidas de prevenção (mesmo que com fins eleitoreiros), Jair Bolsonaro tentava manter o seu capital político diante do empresariado brasileiro. 

Ao perceber que as medidas de isolamento social estavam gerando perda de lucro, o lobby empresarial pressionou, direta e indiretamente, o Governo Federal para que o Estado brasileiro adotasse outra postura diante da pandemia. O Presidente, que em nenhum momento esconde os seus interesses, começou a criticar, de maneira oficial, as medidas preventivas decretadas pelos Estados, solicitando uma volta a normalidade. Bolsonaro, mais uma vez, deixou claro que o interesse empresarial brasileiro estava acima da própria vida dos cidadãos brasileiros. 

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Um nítido exemplo das relações de interesse entre o Estado e o empresariado brasileiro aconteceu há poucos dias quando dois empresários representantes da ideologia bolsonarista se pronunciaram. O primeiro foi Luciano Hang, dono da Havan. Em vídeo ele defendeu que os funcionários voltassem ao trabalho e caso não houvesse possibilidades disso acontecer então que eles deveriam ter os seus salários cortados. Por último, ele ainda ameaçou 20 mil funcionários de demissão. Já Alexandre Guerra, sócio e herdeiro do Giraffas, em tom de ameaça afirmou que em vídeo publicado na internet que “ao invés de ter medo desse vírus, você deveria ter medo de perder o seu emprego”. Na mesma semana Bolsonaro já havia decretado uma Medida Provisória que, dentre os seus vários pontos, um ganhou mais destaque por permitir que o trabalhador ficasse até quatro meses sem receber salários. Após forte pressão popular esse trecho foi retirado, o que não muda a pretensão de precarizar ainda mais as relações de trabalho. 

Explicitando ainda mais os interesses que a sua postura representa, o Presidente veio a público em rede nacional na noite da última terça-feira, dia 24 de março, para colocar um término na política de isolamento social defendida pelos governadores. Bolsonaro começou atacando a imprensa (voltando a dizer que a pandemia era apenas uma “gripezinha”) e praticamente decretou que os Estados reabrissem o comércio, as escolas e que o transporte público voltasse a operar normalmente. Num dos mais desprezíveis discursos presidenciais da história do nosso país, o Presidente defendeu o retorno à normalidade, expressando claramente toda a sua preocupação com a economia. As “poucas” mortes que o surto do novo coronavírus irá causar não justificam, para Bolsonaro, o isolamento social. 

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A postura inicial do governo italiano e a postura atual do Governo Federal brasileiro são praticamente idênticas. Há menos de um mês o Primeiro Ministro italiano - contrariando as políticas de prevenção adotadas pelos Estados - decretou o fim do isolamento social com a justificativa de que a economia não poderia ser prejudicada. Hoje a economia italiana está completamente defasada e o número de mortos por dia não esboça sinal algum de uma queda significativa. Bolsonaro, no entanto, parece não levar em consideração os milhares de mortos amontoados na Itália, como ele sadicamente deixou a entender no seu último discurso. 

Mas o cenário pode ser ainda mais catastrófico. Segundo o doutor em microbiologia Atila Maralino, caso uma medida de isolamento social não seja adotada nesse momento da curva de contágio, o número de mortos no Brasil pode chegar a casa dos milhões. Ele explica que a taxa de mortalidade do vírus varia na porcentagem dos dois aos cinco porcento. Em um país de dimensões continentais como o Brasil, com cerca de 209 milhões de pessoas, a taxa de mortalidade do vírus seria muito maior do que em países como a Itália, cuja população não passa dos 60 milhões. 

Não podemos ser otimistas diante da catástrofe imanente. O problema está claro. Caso a nossa relação de trabalho continue sendo mediada pelos interesses dos grandes empresários, caso o sistema em que essa relação aconteça continue sendo produzida dentro da lógica da produção capitalista, seja na Itália ou no Brasil, o mesmo resultado será produzido: o sacrifício da vida dos trabalhadores em prol da manutenção das contradições das relações de trabalho no modo de produção capitalista. Assim como há poucas semanas a Itália mandou para a morte sua população em virtude dos interesses empresariais, do mesmo modo Bolsonaro também o fará. As pesquisas, dados, números e gráficos não farão diferença na política do Estado brasileiro. A única mudança ocorrerá quando os empresariado brasileiro perceber que cadáveres não possuem força de trabalho. 

Até lá, não ir ao trabalho para preservar nossa saúde e das pessoas que amamos, considerar fazer as greves como formas legítimas de luta mesmo nesse momento delicado e reivindicar do Estado não apenas uma renda mínima, mas sim uma real repartição da riqueza que produzimos com o suor do nosso trabalho, é o mínimo inegociável que deveremos exigir. E caso o Estado atual não seja capaz de nos oferecer este mínimo inegociável, então que pensemos, almejemos e façamos um outro Estado que seja capaz de nos oferecer. 

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