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Rogério Skylab

Músico e compositor

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Destinerrância

A máquina ou o meio passam a ser estruturas a partir de fins propostos

Maquinaria (Foto: Maquinaria)
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Um importante texto de Jean-Luc Nancy, presente no livro “Arquivida - do senciente e do sentido”, é sobre a destruição. Dividido em seis tópicos, o primeiro tenta provar a relação de entrepertencimento entre construção e desconstrução, tendo, como pano de fundo, a técnica, seja como suplemento à natureza, seja a partir de suas próprias expectativas. O fato é que a diferença propriamente dita entre ambas é que a primeira, a construção, seguiria a lógica dos fins e dos meios, enquanto a segunda, a desconstrução, a lógica dos fins sem fins e dos meios enquanto fins temporários. Mas em ambas a finalidade não estará eliminada, isto é, o sentido será preconcebido e tomado como modelo de uma Inteligência supostamente boa. O que Nancy chama de destinerrância, termo oriundo de Derrida, em contraposição à técnica como suplemento ou autossignificante, é a não preconcepção do sentido – este sendo efeito da existência e do estar junto.

A técnica como suplemento é quando a natureza não garante certos fins – por exemplo, a natureza oferece abrigo mas não a casa. De qualquer maneira, a técnica se alia aos fins e meios da natureza, ganhando desta os seus recursos operatórios (a pedra cortante, o fogo...). O que cumpre ser dito, enquanto suplemento, é que a técnica tem seu lugar na natureza, pois se a natureza cumpre em si mesma seus fins, a técnica é então um fim da natureza – aliás, é da natureza que nasce o animal apto para a técnica.

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A outra perspectiva diz respeito ao desenvolvimento da técnica, quando esta não responde apenas às insuficiências naturais. Neste caso, suas máquinas, ao invés de serem agenciamento de materiais e forças da natureza, são agenciamento de matérias como o silício, elaborando lógicas estruturadas. De qualquer maneira, a máquina ou o meio passam a ser estruturas a partir de fins propostos, tendo em vista o dado inicial e produzindo o poder da computação inicial. O meio deixa de orientar o desenvolvimento da técnica, como sucedia em seu início, e há uma espécie de troca de papéis: a invenção técnica (os meios) passa a ser a estruturação dos fins, a estruturação da indefinida construção de um complexo de fins, enquanto o fim repropaga essas construções. É justamente a técnica enquanto artes: prazeres dos fins em si – ao mesmo tempo referência de toda relação com fins e competência de questionar a finalidade.

II- A multiplicação de fins e as substituições destes em sua equivalência, não deixam de se relacionar com o niilismo enquanto destruição de fins (de valores, de ideais e de sentidos) – afinal, por meio da técnica, a natureza de onde ela surgiu revela que é desprovida de fim. Mas esta ausência, por parte da natureza, poderia se ligar também a uma relação com o reino da gratuidade, sem necessidade de uma bondade divina. Caberia diferenciar a ausência do sentido sob essas duas perspectivas: da técnica e do ser. No primeiro caso, dentro da identificação natureza e técnica, a natureza cresceria a partir de si mesma; porém, o desabrochar se confunde com o crescimento indefinido, sem floração ou fruto (se este for entendido, no caso do capitalismo, como a rentabilidade do investimento, será na forma pura da valorização de si e da troca, sem referência fora de si mesma). O aumento sem fim (proliferação de fins e sentidos apresentados pela técnica), no caso do capitalismo, seria expresso por um crescimento infinito que, Marx acreditou, atingiria um estado em que seus frutos estariam disponíveis para todos (seria a reivindicação dos direitos da natureza – floração independente de qualquer medida de equivalência).

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III- O que Nancy vai saudar é o aparecimento não desse estágio de frutificação que Marx esperava, mas o que vai ser chamado de segunda natureza: ao retroceder sobre a natureza de onde a técnica vem, esta macula as duas coordenações anteriores (edificação e construção; fundação e substrução – esta entendida como unitotalidade do em si, dirigindo-se basicamente a si), convidando à strução (é quando a justaposição entre os elementos não faz sentido e o agrupamento é desordenado). Mas a partir daí será possível a instrução, que é o processo propriamente dito da desconstrução ou destruição – por exemplo, a destruição heideggeriana da ontologia. Na questão da desconstrução, o que está em jogo é a abertura de uma relação fora de si, em torno da qual se pratica uma partilha (constituição ontológica do existente). De qualquer maneira, há uma composição, uma junção, mesmo que sem finalidade construtora, numa perspectiva estrutural, isto é, fora da lógica de fins e meios. O fato da construção e da desconstrução se entrepertencerem é uma virtude dessa última, que não é propriamente uma demolição, um destino trágico, uma ruína da ordem, mas o seu alhures, ligada a uma instrução de construção, abandonando a perspectiva do criador (primeira natureza) e do engenheiro (técnica). Esse abandono é o que instaura uma inteligência técnica: Deus compreendido no distanciamento e na não presença. Essa inteligência pressupõe sua própria produção e seus limites – diante da pulverização dos fins, a técnica irrompe como dimensão antropológica, cosmológica e ontológica (no projeto anterior, intelligent design, construcional, Deus como idealizador e arquiteto do mundo, a técnica torna-se o objetivo de um fim, e, portanto, pertencente a uma ordem subordinada). Qual o projeto e design implementado nessa errância, sob a proliferação de finalidades inesgotáveis? 

É por meio da destinerrância que se reconhece o sentido da existência: ir, atravessar, produzir experiência, livre de qualquer sentido preconcebido. Caberá à política democrática a garantia desse espaço, sem que se introduza como figura de sentido.  

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