Desvalorização da vida e lucro: a uberização do trabalho em tempos de pandemia
Se a tecnologia é veloz para roubar e desapropriar o trabalhador, o mesmo não acontece quando precisa estar a serviço do cidadão
Quando a historiadora Virgínia Fontes destacou em seu artigo de 2017 que a uberização do trabalho resultaria em um capitalismo ainda mais predatório, com crescentes formas de extermínio e violência, talvez nem sequer vislumbrasse que uma pandemia iria acelerar ainda mais os resultados catastróficos de sua previsão hipotética. Nas ruas brasileiras, mesmo em tempos de normalidade sanitária, era notório que a precarização tinha explodido como resultado das reformas ultraneoliberais que desregularam a níveis alarmantes o trabalho e o mercado nacional.
A situação, que já era grave, tornou-se insustentável e as vítimas da selvageria lucrativa escolhem agora entre pagar as contas e o alimento, ou adoecer acometidos por um vírus muitas vezes letal. O governo de Jair Bolsonaro nenhuma condolência presta às famílias brasileiras, diferente da destreza que demonstra para alimentar sua máquina de Fake News. A complexa rede de informações falsas do governo financiada por meios escusos é tão ou mais eficiente que os aplicativos que exploram seus trabalhadores numa desapropriação avassaladora.
Mas se a tecnologia é veloz para roubar e desapropriar o trabalhador, o mesmo não acontece quando precisa estar a serviço do cidadão. Diuturnamente brasileiros se amotinam nas agências lotéricas e da Caixa Econômica em busca de um auxílio que ao menos lhes garanta o café da manhã e o almoço. A burocracia de Brasília, em plena era da informação, conseguiu se superar no quesito ineficiência para criar um aplicativo totalmente obsoleto e disfuncional.
O governo sabe bem que quanto mais o auxílio demora a chegar, mais trabalhadores uberizados estarão nas ruas, sendo explorados pelos “chefes algoritmos” se expondo a contaminação do coronavírus, contaminando suas famílias, levando à falência os hospitais e tragicamente sobrecarregando os serviços funerários. O genocídio escancarado patrocinado por alguns empresários e por uma administração federal inescrupulosa eleva outra vez o grau de desapropriação do trabalhador, que dessa vez pagará a conta com a própria vida.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

