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Washington Araújo

Jornalista, escritor, professor da UnB, tem 17 livros sobre mídia e direitos humanos. Autor do blog de jornalismo e cultura Cidadaodomundo.org

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Dia da infâmia

(Foto: Reuters/Adriano Machado)
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A que ponto chegamos! Era apenas mais um dos turistas brasileiros instalado em um ótimo hotel, o Bustamanti, no bairro da Providência, em Santiago do Chile, quando fui alertado por telefone que terroristas avançavam sobre o Congresso Nacional. Já fiquei tenso. Onde meu remédio para pressão? Ah, sim, aqui em cima do frigobar. 

Estava todo consciente que aqueles edifícios, belíssimos palácios, nascidos da genialidade de Oscar Niemeyer estariam completamente desamparados e indefesos ante a selvageria, o terrorismo e a estupidez humana expressas em delírio bovino. Todos os palácios feitos com a tímida transparência dos vidros. Janelas não eram janelas, mas sim, amplos espaços envidraçados. Portas não eram de madeira nem de aço ou cobre, eram extensas lâminas de blindex. Divisórias usando vidro, quais humanos aquários, frágeis ante golpes de barras de aço contra elas arremessadas. Impotentes diante de lançamentos de bolas de gude, só que de aço. Vulneráveis e inaptos a golpes de mesas e cadeiras sobre essas estrutu arremessadas. 

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“Oscar, seus projetos foram feitos de árduo trabalho ou contou apenas com vastas porções de utopias?”, havia lhe perguntado naquele agosto de 2008 em que lhe visitei em missão oficial em seu amplo (e sisudo) apartamento da Avenida Atlântica no Rio de Janeiro. “Foi tudo mezzo mezzo, tudo meio a meio!” me responde enquanto tirava uma baforada de um puro há muito aceso entre os dedos. Naquele ano já tinha fechado 101 anos de vida. Esses pensamentos me chegavam como clarões sempre que espoucavam vidros estilhaçando-se nos edifícios do Planalto, do Senado, da Câmara, do Supremo. 

Rebobinei o tempo. Estávamos em 1957 e o arquiteto cinquentão puxava as linhas, criava as famosas curvas de forma tal que até o papel parecia se recusar a retê-las. Naqueles anos JK, como o ousado arquiteto poderia imaginar que, menos de 70 anos depois marchariam sobre suas obras hordas de bárbaros, delinquentes, terroristas e absolutos mentecaptos, deixando atrás de si ruínas e mais ruínas? Enquanto me vinham tais pensamentos novas mensagens chegavam. Era o caos no próprio coração da democracia — nas casas do Executivo, do Legislativo e do Judiciário. 

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Só tive dois empregos em minha vida de, vamos lá, 63 anos de idade: 18 anos no Banco do Nordeste seguidos por outros 21 anos no Senado Federal. Fato é que cada um desses espaços vandalizados, cada salão nobre profanado, cada tapeçaria rasgada, cada vidraçaria estralhaçada e cada obra de arte assassinada fizeram fundos estragos em mim. Não são apenas os humanos que possuem alma. Não, muito longe disso. Os espaços simbólicos de ideais tão eternos quanto aqueles na França renascida em 1789 que pugnavam por liberdade, igualdade e fraternidade, passaram a trazer consigo o Espírito de um tempo, de uma era, de um avanço civilizatório. 

Cancelei passeio a Isla Negra para ficar em meu apartamento. Meus olhos se recusavam a acreditar no que clamava por justiça a pulsar ali na pequena tela do iPhone. Agora, uma semana depois desse 8 de janeiro de 2023, data que será recordado por gerações ainda não nascidas como o Dia da Infâmia, longo necrológio ainda se desenvolve, mórbido Inventário das Sombras precisa ser concluído custe o que custar, e que civis (inocentes úteis, criminosos, financiadores e disseminadores de desinformação) e militares (de baixas e de altas patentes) sejam punidos no rigor mais intenso contido em cada letra da lei. Como professor universitário de Sociologia e de Ética Pública, dentre outras disciplinas, não me cairia bem ficar em cima do muro. Quem cala ante as vilanias e infâmias, consente-as.

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