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André Del Negri

Constitucionalista, professor da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS).

50 artigos

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Duas palavrinhas sobre os 100 anos de sigilo no caso Pazuello

Decisões guiadas por critérios subjetivos na escolha dos graus de sigilo é uma emboscada que nunca levou a bom resultado, mas, sim, ao percurso mais sinistro. No geral, ao longo dos milênios, mentes aclimatadas na lógica interna corporis (intramuros), cerrada por um discurso não falseável, jamais suportariam fiscalização aberta a todos (todos mesmo!)

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Num ato decisório questionável, o Exército impôs sigilo ao processo disciplinar que resultou na absolvição do general, da ativa, Eduardo Pazuello (ex-ministro da Saúde). Sua base está no fato – e, sim, fatos existem – de que o general compareceu a um ato político; ou melhor, subiu num palanque onde o presidente da República discursava com teor político (aqui). E o ato rendeu. E se não bastasse isso, na fila, por certo, a decisão do Exército de manter sigilo por 100 anos ao processo disciplinar que resultou na absolvição do general.

Vê-se logo que o caso requer demarcação. O que vale, aqui, como se sabe, é que se a decisão foi tomada pelo Exército, o assunto nos interessa como cidadãos. E analisar o caso, hoje, é, sobretudo, enfrentar contorcionismos interpretativos. Pior, mesmo, é arrostar questões de fundo como “discricionariedade” e “conveniência”, assim como pretensões de fundamentação adornadas em “juízo de certeza”. 

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Por sinal, a auctoritas é sempre a desveladora indutiva a “camuflar” os porquês do ato decisório. O problema é saber quem define a razão de Estado e quem conduz (e como fundamenta o ato decisório). Eis por que alguns pedidos foram encaminhados ao Exército, de modo a provocar esclarecimentos. Em um desses pedidos, com base na Lei de Acesso à Informação (Lei n. 12.527, de 2011), sendo formulado pelo jornal O Globo, para que fosse dada transparência à defesa por escrito de Pazuello, o comando do Exército decidiu indeferir o pedido de fornecimento dos documentos. Caberia especular por quê.

Aqui se acrescente: o Exército tem código disciplinar. Retenha-se, então, que diante do caso, a que já se fez menção, um procedimento administrativo foi instaurado. De tal espaço decisório saiu a absolvição. E o tema fez sobressair a Lei de Acesso à Informação. 

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É realmente ideal que a cognição ampla possa conviver com a democracia. Já escrevíamos sobre o Segredo de Estado no Brasil, trabalho publicado em 2016, e a respeito de Discricionariedade e Autoritarismo, em 2019, para assinalar que a “escolha” do grau de sigilo fora dos parâmetros do conhecimento objetivo é reles argumentação moral; é “achismo”; é pura razão solipsista (sujeito que se baseia em si).

Ora, a Lei de Acesso à Informação acolhe em sua sistematização (art. 27) três graus de sigilo (5 anos, 15 e 25 anos). Seria de se usar os carimbos de “reservado”, “secretoˮ e “ultrassecretoˮ. Cabe, porém, um detalhe: na Lei de Acesso à Informação, de 2011, veio o art. 31, inciso I, falando num prazo máximo de 100 (cem) anos, relativos a informações pessoais (prazo muito superior à expectativa de vida do brasileiro). 

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Enfim, esse tempo de 100 anos de sigilo, segundo o Exército, fez-se presente por ocasião de o processo administrativo conter “informações pessoais” que diriam respeito a Pazuello. Bem, como se vê, o ponto é o tratamento de “questão pessoal”, virada de chave interpretativa que oportunizou a classificação de 100 anos, provimento decisório já anunciado, querendo você ou não. 

Sintomático, portanto, que se tenha um grau ultrassecreto de sigilo sobre um documento que poderia ser apresentado com trechos de forma “borrada”, um procedimento notadamente simples, caso exista “informações pessoais” do general. Daí defendermos a publicidade como hipótese mais consistente. A ideia de publicidade parece a mais aplicável (além de muito mais testável).

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Até onde a vista alcança, duas palavrinhas irão permitir a demonstração da importância de debatermos este assunto. Vem ao primeiro que governos considerados democráticos avançam quando há fiscalização aberta, aos olhos de todos, no contexto do devido processo legal. Afinal, como vamos controlar abusos e questionar desvios? Vem ao segundo, que o sigilo de documentos oficiais de Estado é admissível, desde que haja critérios objetivos na lógica do racionalismo crítico. E aí se observe: quais os critérios usados por agentes públicos para classificar uma informação como sigilosa pelos próximos 100 anos? Por que não 15 anos? Por que não 5 anos? Por que não a publicidade? Repergunto, em outras palavras: qual é o “DNA” dessa decisão administrativa? Quais os riscos de um “criptogoverno”? 

Bem, penso que chega, não? Depois disso, só falta desenhar. Decisões guiadas por critérios subjetivos na escolha dos graus de sigilo é uma emboscada que nunca levou a bom resultado, mas, sim, ao percurso mais sinistro. No geral, ao longo dos milênios, mentes aclimatadas na lógica interna corporis (intramuros), cerrada por um discurso não falseável, jamais suportariam fiscalização aberta a todos (todos mesmo!). 

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