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Maria Luiza Falcão Silva

PhD pela Heriot-Watt University, Escócia, Professora Aposentada da Universidade de Brasília e integra o Grupo Brasil-China de Economia das Mudanças do Clima (GBCMC) do Neasia/UnB. É autora de Modern Exchange Rate Regimes, Stabilisation Programmes and Co-ordination of Macroeconomic Policies, Ashgate, England.

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Economia global em transe: dólar forte empurra o mundo ladeira abaixo

(Foto: Valter Campanato/Agência Brasil)
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Há forte concordância entre a maioria dos analistas econômicos sobre o que desencadeou as múltiplas crises que assolam a humanidade, nessa segunda década do século XXI: a pandemia da Covid-19 e a Guerra no Leste Europeu entre a Ucrânia, os países da Otan e os Estados Unidos, de um lado, e a Rússia, apoiada pela China, do outro. Subiram os preços de combustíveis, fertilizantes e alimentos. As sanções internacionais à Rússia, restringiram as vendas dos enormes estoques de petróleo e gás natural em um esforço para pressionar o presidente Vladimir V. Putin. O impacto resultante na oferta global fez com que os preços da energia disparassem, mas o teimoso líder russo não cedeu. Países enfrentam baixo crescimento e inflação. As crises contagiam. Ninguém escapa numa economia globalizada. 

Os estragos multiplicam-se e se manifestam sob a forma de desemprego; fome; inseguranças alimentar, energética e climática e quedas em mercados acionários. O dólar mais forte do que nunca empurra todos ladeira abaixo. Os Estados Unidos, liderados pelo presidente Biden, rompem barreiras antes consideradas inusitadas e buscam parcerias com países como a Venezuela e a Arábia Saudita ( países com as maiores reservas de petróleo do planeta), antes inimigos por razão de serem governados por regimes totalitários e desrespeitosos com os direitos humanos, deixando claro para todos a hipocrisia do discurso e seu real interesse: acesso ao petróleo, cujo elevado preço alimenta a inflação e compromete os planos da Casa Branca. Como se defender de todos esses percalços é a grande questão para o mundo globalizado e enfermo. Todos parecem atarantados.

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Não há acordo dos formuladores de políticas econômicas, mundo a fora, sobre como enfrentar esse tumulto de proporções catastróficas e, de certa forma, atípico. As antigas ferramentas de política econômica neoliberais, hegemônicas desde os anos 1990, após o “Consenso de Washington”, parecem, de repente, totalmente inadequadas. 

Excelente artigo de Carlos Russel, Joe Rennisone & Jason Karain, publicado no New York Times, em 16 de julho de 2022, sob o título “O dólar está extremamente forte, empurrando o mundo para baixo” sugere um mundo em transe. (1)

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O valor do dólar americano é o mais forte em vinte anos, desvalorizando moedas e perturbando as perspectivas de crescimento para a economia global, já que altera tudo, desde o custo de férias no exterior até a lucratividade de empresas multinacionais que operam fora do território americano. De repente o dólar e o euro apresentam paridade de um para um, coisa que nunca havia acontecido desde o início do século XXI. Isso estimula o turismo de férias de verão dos norte-americanos que querem viajar pelo continente europeu, mas que se defrontam, também, com aumentos nos preços das passagens aéreas e restaurantes, resultado da elevação dos preços dos combustíveis e dos alimentos que dispararam, em decorrência da guerra no Leste Europeu. A inflação se globalizou. É preciso fazer conta na ponta do lápis para ver se compensa.

A queda do euro para a paridade de um para um é simbólica. Sugere que a guerra na Ucrânia coloca problemas econômicos para a Europa que são muito mais extremos do que para os Estados Unidos, que dependem menos da compra de petróleo e gás do exterior. Até quando vão se submeter às consequências das exigências de sanções à Rússia ditadas pelos norte-americanos? O inverno volta a se aproximar, falta de aquecimento preocupa. A economia americana só pensa em abastecer a Ucrânia com armamentos militares. A economia de guerra só favorece aos Estados Unidos.

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Dentre os dinheiros que mais se depreciaram em relação ao dólar se destacam, em ordem crescente, as moedas do México, Canadá , China, Coreia do Sul, Zona do Euro, Inglaterra e Japão, dentre outras. 

O rublo foi uma das moedas com melhor desempenho em relação ao dólar este ano. Os altos preços do petróleo e do gás e os controles de capitais impostos pela Rússia, para manter o dinheiro dentro do país, explicam essa situação. (2) A Europa sofre bem mais do que a própria Rússia. A Ucrânia- a arena de luta dos Estados Unidos contra a Rússia e a China – sofre as consequências mais trágicas da guerra. 

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O Brasil, num primeiro momento, foi menos afetado por ser produtor de petróleo e exportador de commodities e alimentos. A produção agropecuária continua pujante, mas não está livre de ser impactada. Carente de fertilizantes produzidos na Rússia e Belarus, pode vir a diminuir as quantidades produzidas, em futuro próximo. As exportações crescem, mas a pobreza se agrava. São mais de 33 milhões de brasileiros e brasileiras passando fome. Beneficiam-se os produtores de commodities e os rentistas, com taxas de juros na casa de dois dígitos para atrair dólares para o país e evitar que a inflação aumente. Sofre a economia real produtora de bens não ligados ao agronegócio e à mineração exportadora pelo enfrentamento de crédito caro. Com juros altos, um dos maiores do mundo, maiores investimentos em renda fixa provocam quedas sucessivas nos mercados de ações e de investimentos no setor produtivo de bens não comercializáveis, de consumo doméstico. Impactados pela inflação global e seus efeitos nas economias domésticas, os juros aumentam no mundo inteiro. O maior canal de transmissão vem da economia norte-americana.

A inflação nos Estados Unidos corre em torno de 8.1% ao ano com efeitos desestabilizantes, dos mais diversos, na economia global. De que forma: os bancos centrais de todo o mundo tentam controlar a inflação aumentando as taxas de juros, o Federal Reserve (FED, na sigla em inglês), banco central norte-americano, está se movendo mais rapidamente e intensamente do que na maioria dos países. Como resultado, as taxas de juros são agora marcadamente maiores nos Estados Unidos do que em muitas outras grandes economias, atraindo investidores do mundo inteiro em busca de retornos mais altos, num ambiente permeado por incertezas múltiplas. Aumenta a procura nos EUA até mesmo por investimentos conservadores, como títulos do Tesouro, facilitando o trabalho de enxugamento de dinheiro na economia norte-americana, condição necessária para minorar a elevação dos preços. É fato que a pandemia e a guerra no Leste Europeu impactaram a oferta de inúmeras mercadorias, interrompendo cadeias produtivas globais de suprimento de matérias primas, de bem intermediários e de alimentos, contudo são fortes as pressões  de demanda,motivadas por grandes programas de transferências de renda que dinamizaram a economia norte-americana. A conjuntura, hoje, é totalmente diversa da  que prevalecia em abril de 2020, quando, com cinco meses da pandemia da Covid-19, o país estava com desemprego de 14,7%, o mais alto em mais de 70 anos, motivando as transferências de renda do governo de Donald Trump de US$ 3 trilhões, sob pressão do Congresso, mas que felizmente não deu a Trump a vitória  da reeleição. Eleito Joe Biden, os democratas voltaram ao poder.

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Já no governo de Biden, em março de 2021, houve mais um pacote de estímulos de US$ 1,9 trilhão, para medidas de auxílio contra a crise. O economista Larry Summers previu que o novo plano de Biden “desencadearia pressões inflacionárias de um tipo que não se via em uma geração”, o que de fato aconteceu. A produção foi estimulada pelas altas transferências e aumento da demanda agregada e as taxas de desemprego rapidamente caíram para algo em torno de 4%. Assim, em plena pandemia, a economia americana foi aquecida de tal maneira que, no início de 2022, estava em pleno emprego. A taxa de juros estava muito perto de zero e os preços em disparada. Foi dado início à política de combate à inflação via aumento dos juros.

O combate à inflação via altas da taxa básica de juros nos Estados Unidos, iniciada em maio de 2022, teve efeitos quase imediatos. O dinheiro retorna rapidamente para os EUA, e o dólar se aprecia em relação a outras moedas porque se torna mais escasso no resto do mundo. Na ânsia de atrair dólares para não depreciar ainda mais suas moedas, países como o Brasil aumentam, ainda mais, suas taxas básicas de juros, penalizando o crescimento econômico, por oferecer crédito caro, e sem debelar a inflação, porque alimentada, nesses casos, mais por componentes de custos do que de demanda. O desemprego e a fome, como no Brasil, assolam os países pobres e as economias emergentes vítimas da conjuntura internacional. 

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Os Estados Unidos parecem desfrutar de melhor condição que os demais. Contudo, para diminuir o ritmo de crescimento dos preços precisam importar produtos que hoje não estão facilmente disponíveis na economia global. Por exemplo: os Estados Unidos importam de Taiwan 90% de semicondutores - matéria-prima para a produção de chips usados nos mais diversos aparelhos eletrônicos, como smartphones, videogames, TVs, computadores, veículos principalmente os elétricos. É por esta razão que ‘Taiwan tanto interessa aos Estados Unidos’ e lá se foi Biden para Taiwan. A indústria de semicondutores não se desenvolve rapidamente. O avanço do home office e da educação à distância com os lockdowns ocasionados pela pandemia impulsionou a venda de aparelhos que usam chips e a produção de semicondutores foi, então, direcionada a esses mercados, gerando escassez da matéria prima nesses e em outros. A produção não acompanhou a demanda. As vendas de veículos elétricos nos Estados Unidos estão crescendo rapidamente, embora a Europa e a China continuem muito à frente. Vai levar algum tempo para equilibrar a indústria de semicondutores, emperrando a produção de muitos produtos. Agora todos se deram conta de que é muito arriscado deixar nas mãos de tão poucos fornecedores. 

A economia americana além de elevar os juros, combate a inflação importando produtos da China. A China é o país que mais exporta no mundo, mercadorias de alta e baixa tecnologia, mas mais baratos em relação aos congêneres produzidos em países como os Estados Unidos com quem mantém um superávit comercial de mais de 250 bilhões de dólares. As importações com a China fazem cair o custo de vida dos cidadãos norte-americanos. Os Estados Unidos importam da China uma ampla gama de produtos, entre os quais se destacam maquinário elétrico, aparelhos elétricos e eletrônicos, móveis, jogos e artigos esportivo. Somam-se televisores, celulares, computadores, equipamentos de telecomunicações e acessórios digitais. Uma das medidas para diminuir os preços no país foi eliminar o imposto de importação para um conjunto grande de mercadorias. Prevaleceu o pragmatismo-oportunista. Sem os impostos os produtos chegarão ao mercado com preços menores, indo de encontro ao discurso do presidente Biden de combater as “práticas comerciais inovadoras da República Popular da China” às quais os líderes norte-americanos chamam de ‘predatórias’ em escala internacional. 

E o que acontece agora na China? O gigante asiático, que disputa com os Estados Unidos o papel de locomotiva a puxar para frente a economia global, acaba de informar que sua economia, a segunda maior do planeta, cresceu apenas 0,4% no segundo trimestre de 2022, em comparação com o mesmo período de 2021, muito aquém do necessário para deslocar com mais velocidade o trem da economia mundial. O movimento da economia chinesa, tímido em relação a desempenhos anteriores, reflete os lockdownsde sua coerente política de perseguir a meta de Covid-zero, mas ameaça as perspectivas de crescimento de inúmeros países que comercializam fortemente com a China, incluindo os Estados Unidos, países europeus, Brasil, países da América Latina dentre outras dezenas de países, reforçando a percepção de que a economia global perdeu um motor vital.

As duas maiores potências mundiais fraquejam e derrubam as demais economias. Os Estados Unidos pela inflação elevada como nunca, e a China pela ameaça sanitária. Embora por causas diferentes, os resultados são interligados: o gigante asiático reduz o seu crescimento e com isso afeta o mundo que depende dos produtos de alta tecnologia e das receitas com seu comércio,  de outro, os Estados Unidos que, pela dificuldade de ter um soft landing da inflação, pode entrar em  recessão empurrando o mundo ladeira abaixo. Moral da história: o risco global de um estagflação só aumenta com as crises das economias norte-americana e chinesa.

Notas:

(1) https://www.nytimes.com/interactive/2022/07/16/business/strong-dollar.html

(2) https://www.brasil247.com/blog/a-guerra-os-retrocessos-e-a-cegueira-de-joe-biden

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