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Jailton Andrade

Jailton Andrade é advogado, músico, dirigente sindical e do movimento negro e criador do Debate Petroleiro

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Estado mínimo na Bahia é projeto de Direitos Humanos

Contratos temporários e parcerias público-privadas são padrão de governança

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É lamentável a decisão da Secretaria de Justiça e Direitos Humanos da Bahia de contratar trabalhadores para o PROCON por meio do REDA e, ainda que não seja a única ou primeira secretaria de governo a fazer isso, mas o fato de ser uma secretaria de justiça e principalmente de direitos humanos, causa uma profunda decepção porque prejudica trabalhadores, consumidores e servidores públicos. Negros no final das contas.

O Regime Especial de Direito Administrativo (REDA) é um dos trabalhos mais precarizado depois dos informais. O REDA se transformou, há anos, num deserto antijurídico que circunda o oásis da Constituição. O que deveria ser uma contratação emergencial e excepcional, é na Bahia, a única forma de contratação de pessoal para a prestação do serviço público.

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É com base no anúncio de vagas para o PROCON-BA feito pela SJDH que eu vou mostrar o tamanho da fuleragem neste tipo de contratação.

A precarização do serviço público vem de longa data, mas tem se agravado nos últimos governos. Quem inventou o Regime Especial de Direito Administrativo foi o governo de Antônio Carlos Magalhães em 1992 pela Lei nº 6.403. Em 1994, o governador tampão Antônio Imbassahy sancionava a lei que criava o Estatuto dos Servidores Públicos (Lei 6677/94). Esse Estatuto reunia toda a matéria sobre o tema, inclusive a Lei 6403/1992, de ACM e que criara o REDA.

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No Estatuto mantinha-se, tal qual a lei de 1992, a possibilidade de contratação temporária de excepcional interesse público em 6 casos específicos:

⦁ surto epidêmico,

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⦁ recenseamento ou pesquisa inadiável e imprescindível,

⦁ Calamidade pública,

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⦁ Para substituir professor,

⦁ realizar serviços tipicamente transitórios ou

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⦁ outras urgências definidas em lei.

O prazo máximo de contratação por REDA era de 12 meses, permitido prorrogar por 6 meses e a autoridade contratante poderia sofrer sanção civil, administrativa e penal se houvesse desvio de função ou recontratação.

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Em 2001 o governador César Borges sancionou a Lei Nº 7.992 que alterava esse Estatuto aumentando o prazo de contrato para 24 meses prorrogáveis por igual período, retirava a possibilidade de responsabilizar o secretário no caso de recontratação e incluía mais duas possibilidades de REDA: garantir o regular funcionamento das escolas enquanto não houvesse concurso público e nos casos de substituição por licença premio, maternidade e médica dos professores. Criava-se o REDA ferista.

Foi em 2002, por meio da Lei nº 8.352, que Otto Alencar proibiu que professores REDA tivessem progressão salarial.

Em 2003, Paulo Souto autorizou a inclusão de mais uma possibilidade de REDA: atender as funções públicas de interesse social, através de exercício supervisionado, na condição de treinandos de nível técnico ou superior (Lei 8889/2003), mas a lei nunca definiu o que é “função pública de interesse social”. Foi também por meio dessa lei que Paulo Solto criou o REDA intermitente onde o mesmo contrato poderia ser subdividido em etapas compatíveis com a necessidade do serviço a ser executado. No Brasil o trabalho intermitente só existiria 14 anos depois, na reforma trabalhista de Temer.

Em 2019 o governador Rui Costa sanciona lei para permitir a prorrogação de todos os contratos temporários em vigor por mais 2 anos e mete um jabutizão que altera novamente o prazo máximo do REDA no Estatuto do Servidor. Agora passa a ser de 3 anos prorrogáveis por mais 3 anos.

Se em 1994 o trabalhador REDA poderia ficar no contrato por 18 meses, a partir de 2019 o contrato precário pode permanecer até 72 meses. É como se na Bahia as calamidades públicas e os surtos epidêmicos, por exemplo, passassem a necessitar de um serviço emergencial por um tempo 4 vezes maior.

Como já tava esculhambado mesmo, em 2021 o Rui Costa prorroga novamente os contratos REDA por mais 2 anos, até 31 dezembro de 2023 permitindo que serviços excepcionais durassem até 8 anos.

Foram tantas emendas no estatuto do servidor, que o REDA passou de extraordinário para ordinário (nos 2 sentidos da palavra).

Para o trabalhador, o REDA é precarização porque essas atividades típicas de estado deveriam ser exercidas pelo funcionalismo público, cuja estabilidade garante a autonomia nas decisões. E eu não estou falando de capacidade profissional, estou falando do tipo de vínculo com o estado. O que eu estou dizendo é que esses trabalhadores deveriam ser servidores públicos.

E a Bahia sabe bem como esses trabalhadores e trabalhadoras sofrem com REDA. Se os trabalhadores, por exemplo, não forem para a Lavagem do Bonfim acompanhar seu secretário, correm o risco de serem exonerados. Se o trabalhador não fizer campanha eleitoral para o candidato do secretário ou se ele tomar uma decisão, ainda que justa, mas contrária aos interesses da administração, pode ser perseguido. Ou seja, para o REDA (como se chama o trabalhador com esse vínculo) cada dia é uma agonia. Se ele seguir a cartilha do governo pode ficar até 8 anos, senão pode ser demitido a qualquer momento. Aliás tem professor REDA com mais de 20 anos no estado e discriminado nos proventos e benefícios em relação ao professor efetivo.

Que humanidade é essa?

Mas além do trabalhador, o REDA afeta também o consumidor, cuja defesa é direito fundamental seu. Tá lá na Constituição Federal. E é o estado que tem que garantir esse direito, que faz por meio dos PROCON`s .

Para o consumidor que necessita de uma proteção contra a ganancia do empresariado, a falta de autonomia e de estabilidade do funcionário REDA afeta a própria proteção. Imagine que um determinado deputado tenha uma rede de postos de combustíveis que adultera os produtos. Se o funcionário do PROCON for servidor público estável ele poderá agir conforme a lei e aplicar as sanções que o caso requerer sem ser punido por isso, mas se for um trabalhador REDA você acha que ele vai ter peito pra interditar o posto do deputado, por exemplo?

Não, não vai. E o consumidor que se vire com seu carro engasgando.

Agora o que é que o servidor aposentado tem a ver com isso?

Veja. O servidor público contribui obrigatoriamente para um RPPS que é o Fundo de previdência dos servidores para que, quando ele estiver aposentado tenha um benefício mensal. O que o servidor da ativa paga hoje à previdência é utilizado para custear o servidor aposentado, da mesma forma que, quando ele estiver aposentado no futuro, outro servidor na ativa faça o custeio e assim sucessivamente.

Mas no REDA não é assim. Apesar dele obrigatoriamente contribuir com a previdência, essa contribuição vai para outro bolo, o do RGPS, e é de lá que ele receberá seu benefício de aposentadoria (se conseguir se aposentar). Até aí tudo bem.

O problema é que, se o estado reduz o numero de servidores ativos, substituindo por trabalhadores REDA, a contribuição para o fundo de previdência do servidor diminui. Mas o numero de aposentados que precisam desse dinheiro não diminui. Isso provoca um desequilíbrio na conta e vai afetar os futuros aposentados. Não foi a toa que o governo da Bahia aumentou a alíquota de contribuição do servidor em 2018 de 12% para 14%, uma minirreforma previdenciária dentro da reforma administrativa proposta por Rui Costa, antes mesmo da reforma da previdência de Bolsonaro, iniciando aqui a política de estado mínimo que depois seria nacionalizada com o governo golpista.

Em 2020 o servidor baiano aposentado, que já pagava parte da própria aposentadoria passou a pagar mais por uma decisão do estado de reduzir seu efetivo.

Isso é Justiça?

No fim, o que se observa nas sucessivas gestões governamentais na Bahia é uma redução proposital do setor público, não só pela febre do REDA mas pelas PPP`s que substituem o funcionalismo público pelas empresas privadas drenando recursos públicos, afetando a isenção, a qualidade e gentrificando os serviços públicos.

Como colocar na mesma frase REDA e Justiça?

Como compatibilizar estado mínimo e direitos humanos?

A Secretaria de Justiça e Direitos Humanos deveria inaugurar uma nova política na Bahia, a restaurativa. Restaurar a dignidade de milhares de trabalhadores que estão hoje em regime precário e proibidos de ganharem o mesmo que o servidor para a mesma função e transformando-os em Servidores Públicos, que é o que eles realmente são.

Restaurar a dignidade de consumidores que não podem reclamar do posto de gasolina do deputado porque o fiscal do PROCON é REDA.

Restaurar a dignidade dos servidores da ativa que pagam mais para a previdência por por culpa exclusiva do estado em sua decisão de auto redução.

Restaurar a dignidade dos servidores aposentados que correm o risco de contribuir para a própria aposentadoria devido ao déficit do fundo de previdência.

Em resumo, a SJDH deveria, ao invés de cantar REDA como vantagem, restaurar a dignidade dos negros baianos que são os trabalhadores do REDA, os consumidores e os servidores públicos da Bahia.

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