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Ádamo Antonioni

Jornalista, professor de Filosofia. Doutorando em Educação (UFPR). Autor do livro: “Odeio, logo, compartilho: o discurso de ódio nas redes sociais e na política”.

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Imprensa e quarto poder: sobre os ataques fascistas às jornalistas mulheres

O método de desumanização contra adversários políticos, de calúnia, difamação e destruição de reputações, permanece o mesmo daquele fascismo do século passado

Vera Magalhães e Douglas Garcia (Foto: Reprodução | Alesp)
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A imprensa é o quarto poder da sociedade. E é revestido desta “verdade” que jornalistas e demais profissionais da imprensa assumem o papel de fiscalizador dos outros três poderes que formam o Estado Democrático: o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, como formulou o filósofo Montesquieu em seu livro “O espírito das Leis”. O jornalismo, então, seria uma espécie de guardião dos abusos advindos destes três poderes, além de ser a voz do cidadão comum, elaborando e construindo a opinião pública. 

Segundo Nelson Traquina, em seu livro Teorias do Jornalismo vol. I, esta ideia de que a imprensa seria o quarto poder nasceu no início do século XIX, com a consolidação das democracias liberais, influenciado pelo pensamento utilitarista inglês. Neste contexto, os jornalistas eram vistos com muita desconfiança, taxados de escritores medíocres e agitadores sociais. Os ataques partiam, geralmente, da classe política. Para conquistar legitimidade, o jornalismo precisou se afastar dos demais poderes, adotou práticas jornalísticas que reafirmassem sua independência, expressando as reclamações dos cidadãos e atuando como protetor do povo contra o despotismo. 

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A atividade do jornalista, embora se pareça distinta, se aproxima muito com o papel de um filósofo. Talvez porque ambos trabalhem com o pensamento, o discurso e a argumentação. E é justamente certo tipo de pensamento filosófico, uma maneira de se fazer filosofia, que vai influenciar nas práticas jornalísticas que sustentam a grande imprensa nos dias de hoje. Um pensamento que, lá em 2018, achou que seria capaz de fiscalizar e controlar os abusos do poder que presenciamos atualmente.   

Numa conferência de 1978, o filósofo Michel Foucault analisou estes diferentes papéis que os filósofos desempenharam ao longo da história Ocidental, atentando-se para as relações com o poder que eles mantiveram. Segundo Foucault, uma das principais funções do filósofo era o de se opor à tirania, assumir uma postura antidespótica, controlar o poder, afinal, caso se excedesse, poderia gerar perigos à população. Este papel antidespótico do filósofo está presente em toda a tradição filosófica, e encontra raízes no pensamento helênico, do filósofo legislador como Sólon, passando pelo filósofo pedagogo como Platão à filosofia do “deboche” como costumavam fazer os cínicos. 

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Voltando a 2018, enquanto filósofas como Marcia Tiburi, já alertavam para a “ameaça generalizada” com a ascensão do fascismo que empurrava o país para uma situação de “civilização ou barbárie”, a grande imprensa seguiu seu rito decadente, isto é, se limitar à função de quarto poder, crendo ser o suficiente para barrar, para enfrentar e fiscalizar os excessos e arroubos autoritários que a extrema-direita vem perpetrando nos últimos três anos e meio. Aliás, desde quando um político dedicou seu voto a um torturador misógino, durante o processo de impeachment contra a ex-presidente Dilma Rousseff, em 2016, ali, já havia motivos suficientes para não subestimar, para não acreditar que fazer jornalismo com a velha fórmula do quarto poder, não poderia dar conta do cenário que se apresentou logo em seguida, um cenário de violência, de ódio e medo, que persegue, agride, ataca, sobretudo, jornalistas mulheres.  

Mulheres que atuam na grande imprensa como Patrícia Campos Mello, Miriam Leitão e mais recentemente, Vera Magalhães, tem sido vítimas desta mistura de “misoginia e anti-intelectualismo”, nas palavras de Tiburi, que tratam qualquer pessoa que pense diferente como inimiga e que deve, portanto, ser achincalhada, constrangida e, até mesmo, aniquilada. Mas antes destas jornalistas, outras mulheres já haviam sido vítimas deste modus operandi fascista de violência política de gênero, Maria do Rosário, a própria Marcia Tiburi que foi obrigada a deixar o Brasil depois de tantas ameaças e Manuela D’Ávila, que teve que retirar sua candidatura ao senado no Rio Grande do Sul, também por conta das ameaças que sofreu. 

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Foucault chama o fascismo de “doença do poder”, e que, apesar de manter pontos singulares em cada momento histórico em que se manifesta, ele não tem originalidade, pois, se utiliza e amplifica mecanismos já latentes no tecido social, além disso, o fascismo usa da mesma racionalidade política que estrutura nossa sociedade liberal, burguesa, capitalista e, importante frisar, uma sociedade machista, racista e economicamente desigual. A singularidade do fascismo do século XXI é a utilização das redes sociais, transformadas em milícias digitais, mas o método de desumanização contra adversários políticos, de calúnia, difamação e destruição de reputações, permanece o mesmo daquele fascismo do século passado.  

Ainda segundo Foucault, talvez haja outro papel para se pensar a filosofia, uma maneira de pensá-la como contrapoder, isto é, a “tarefa de analisar, elucidar, tornar visível, e, portanto, intensificar as lutas que se desenrolam em torno do poder, as estratégias dos adversários no interior das relações de poder, as táticas utilizadas, os focos de resistência”, Foucault. Da mesma forma, talvez seja possível pensar o papel do jornalismo para além de um mero quarto poder, um jornalismo capaz de analisar as relações de poder, que alivie as sobrecargas do moralismo conservador e da agenda econômica liberal, um modelo de jornalismo que vejo distante de acontecer na grande imprensa e mais próximo das mídias alternativas das plataformas digitais. 

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É preciso repensar o papel do jornalismo, repensar certas práticas que cultivamos como “verdades”, mas que fazem parte de mudanças históricas arbitrárias, transformadas em habituais, naturais e inquestionáveis nas redações dos jornais. Isso não significa abandonar a fiscalização do poder, mas indagar nossa própria impotência diante dele, aliás, nossa prepotência em subestimar os abusos do poder que presenciamos atônitos agora. 

São os focos de resistência que assumiram aqueles, ou melhor, aquelas, no enfrentamento ao fascismo que ditam os rumos da nossa condição, não condição de jornalistas, profissão esta que abraçamos pelo fascínio do novo, mas nossa condição humana.  

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Referências: 

Charles de Montesquieu. “O Espírito das Leis”.  

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Marcia Tiburi, “Como derrotar o turbo-tecno-macho-nazifascismo ou seja lá o nome que se queira dar ao mal que devemos superar”.  

Michel Foucault. “Ditos e Escritos V”: Ética, sexualidade, política. 

Nelson Traquina. “Teorias do Jornalismo”, porque as notícias são como são, vol. I. 

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