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Juarez Cirino dos Santos

Advogado criminal, professor de Direito Penal e Criminologia da UFPR e autor de vários livros

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Jair Bolsonaro – participação em associação criminosa e domínio do fato por comando de aparelho de poder

Jair Bolsonaro deve responder pelos crimes dos apoiadores políticos acampados em área militar

Jair Bolsonaro (Foto: Alan Santos/Presidência da República)
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Este artigo examina as hipóteses de participação em associação criminosa de massas acampadas em área de unidade militar para incitação ao golpe de Estado e de domínio do fato por comando de aparelho de poder organizado na ação de invasão e destruição dos prédios dos poderes públicos, com objetivo de desestabilizar as instituições e provocar ruptura do Estado Democrático de Direito, imputáveis ao ex-Presidente Jair Bolsonaro.   

1. O acampamento no QG do Exército. Centenas de pessoas apoiadoras de Jair Bolsonaro, acampadas no espaço físico frontal ao QG do Exército brasileiro em Brasília, com palavras de ordem transmitidas em discursos, faixas, cartazes e aparelhos sonoros, conclamaram as Forças Armadas durante mais de dois meses à prática do crime de golpe de Estado, mediante intervenção militar no Governo brasileiro, mas as Forças Armadas não tentaram executar nenhum golpe de estado. Assim, restaram os crimes de associação criminosa e de incitação ao crime objeto dos pedidos de golpe de Estado, que podem ser imputados a todos os manifestantes do acampamento.

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1.1. A convergência de manifestantes no acampamento do QG do Exército para instigar os militares ao golpe de Estado não é explicável apenas por impulsos pessoais autônomos de indivíduos isolados: a associação criminosa dos manifestantes constitui ação coletiva organizada por comandos das forças políticas derrotadas nas eleições, com utilização de plataformas de redes sociais virtuais e compartilhamento sistemático de mensagens, com a finalidade declarada de desestabilizar o funcionamento das instituições e destruir a frágil estrutura do Estado Democrático de Direito. Nesse contexto, não é difícil identificar o beneficiário das ações golpistas: o ex-Presidente derrotado, que alimentou a ideia de golpe de Estado durante todo o mandato, defendeu a ditadura militar de 64 e se recusou a reconhecer o resultado das eleições e entregar a faixa presidencial ao Presidente eleito. Jair Bolsonaro parece ter sido o maior interessado na reivindicação de um golpe de Estado, por ter estimulado esse comportamento em discursos, declarações e gestos simbólicos durante todo o mandato e por ter omitido o dever jurídico de desestimular a associação criminosa ou de dissolver o acampamento ilegal de apoiadores.

1.2. Perguntas sobre beneficiário ou interessado no programa da associação criminosa podem esclarecer a autoria ou participação em fatos criminosos, como mostram manuais de investigação criminal. A relação de causalidade entre as ações realizadas e/ou ações omitidas pelo ex-Presidente Bolsonaro e a associação criminosa de apoiadores acampada no QG do Exército parece clara. Afinal, se o resultado é imputável a quem lhe deu causa, então a relação de causalidade entre o fato e as ações e/ou omissões acima descritas define o ex-Presidente Jair Bolsonaro como autor intelectual da associação criminosa acampada no QG do Exército. 

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2. A invasão e destruição dos prédios dos poderes da República. A associação criminosa dos manifestantes, sob a coordenação intelectual e liderança política do ex-Presidente, permaneceu em atividade protegida até a extinção do mandato em 31 de dezembro/2022; no dia seguinte, o ex-Ministro da Justiça Anderson Torres ocupa a Secretaria de Segurança Pública do Governo Ibaneis Rocha, responsável pela prevenção e repressão da criminalidade no Distrito Federal, incluindo a segurança oficial da Praça dos Três Poderes. A associação criminosa, antes protegida por Anderson Torres como Ministro da Justiça de Bolsonaro, continua protegida por Anderson Torres no cargo de Secretário de Segurança Pública do DF. Logo, estavam restabelecidas as condições políticas para a grande ação criminosa programada, de ocupação e destruição dos espaços físicos dos poderes públicos para desestabilizar as instituições e provocar a ruptura do Estado Democrático de Direito, na expectativa de esperada intervenção militar, como anunciado pela mídia.

2.1. Assim, no dia 08 de janeiro, mais ou menos às 13h., a associação criminosa de centenas de bolsonaristas, movidos por evidente sentimento de segurança, começa a invasão dos prédios públicos do Congresso Nacional, do Palácio do Planalto e do Supremo Tribunal Federal, como mostraram imagens ao vivo de TVs e de celulares dos invasores, sem nenhum obstáculo da polícia militar. A invasão dos prédios dos poderes públicos configurou o mais grave e selvagem ataque às instituições republicanas brasileiras, com depredação geral do patrimônio público, destruição de instalações elétricas, de aparelhos eletrônicos, de obras de arte, de objetos de valor histórico e de documentos oficiais em extensão gigantesca – tudo promovido com direta participação ou omissão do Governo e do Secretário de Segurança do Distrito Federal –, com o objetivo de ruptura do Estado Democrático de Direito e de indução de uma intervenção militar no Governo democrático do País. 

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2.2. A responsabilidade penal por coautoria ou participação dos integrantes da associação criminosa pelos crimes (i) de abolição violenta do Estado Democrático de Direito definido no art. 359-L e (ii) de golpe de Estado definido no art. 359-M, ambos do Código Penal, está demonstrada por imagens e sons além de qualquer dúvida razoável – por isso, é desnecessária a descrição detalhada das ações realizadas, até porque uma imagem vale mais do que mil palavras.  Aqui, interessa demonstrar a existência de relação de causalidade material e psíquica entre ações e omissões do ex-Presidente Bolsonaro e as ações de ocupação e destruição física das instalações dos Poderes Públicos e de ruptura violenta do Estado Democrático de Direito. 

Primeiro, está demonstrada a relação de causalidade entre as ações delituosas da associação criminosa e ações e omissões do ex-Presidente Bolsonaro, por estímulo à associação criminosa em discursos e declarações no exercício do mandato, ou por omissão do dever jurídico de desestimular a associação criminosa durante o exercício do mandato. E o mais importante: o poder real do ex-Presidente Bolsonaro sobre os manifestantes acampados em área militar para reivindicar golpe de Estado das Forças Armadas, não é reduzido no estado de mobilização da associação criminosa para as ações de ocupação e destruição do espaço físico dos Poderes do Estado – ao contrário, esse poder real é ainda maior, como se verá. 

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Segundo, a frustração do golpe militar reivindicado determinou a decisão de nova ação criminal, com programação intelectual e organização política atribuível em última instância ao ex-Presidente Bolsonaro, para criar um fato novo capaz de engendrar uma intervenção militar sobre o Governo Lula: invadir os prédios dos poderes da República, destruir as instalações físicas e os sistemas eletroeletrônicos de funcionamento dos poderes, produzindo um caos institucional capaz de desestabilizar as funções constitucionais dos poderes públicos poderia originar o golpe militar esperado pela associação criminosa. Mais uma vez, existe relação de causalidade entre as ações de ocupação e destruição do espaço físico dos poderes do Estado e ações ou omissões imputáveis ao ex-Presidente Bolsonaro.

Terceiro, a questão decisiva do poder político como relação de força capaz de produzir domínio do fato pelo controle da vontade dos instrumentos, mediante comando de aparelhos de poder organizado do Estado exercido pelo Governador Ibaneis Rocha  e pelo Secretário de Segurança Anderson Torres,  ambos sob influência política do ex-Presidente Bolsonaro – e todos autores intelectuais mediatos do fato, que dominaram as ações de invasão e de destruição dos espaços físicos dos poderes da República, em face de eventual fungibilidade dos executores diretos, comprometida com o projeto político do ex-Presidente Bolsonaro, mas substituível por outros manifestantes na hipótese de recusa de cumprir o programa criminoso. Enfim, é útil lembrar: pela moderna concepção de autoria mediata por domínio da vontade do instrumento, a punição dos executores diretos do fato fundamenta a punição dos autores mediatos, que dominam a realização do fato pelo comando de aparelhos de poder organizado do Estado.

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3. Conclusão. O ex-Presidente Jair Bolsonaro (a) deve responder pelos crimes dos apoiadores políticos acampados em área militar, por participação na associação criminosa mediante instigação psíquica aos fatos puníveis, além de cumplicidade material por omissão nos mesmos fatos puníveis e, com maior razão, (b) deve responder pelos crimes praticados pela associação criminosa no processo de invasão e destruição violenta dos espaços físicos de funcionamento dos poderes do Estado, pelo domínio da vontade dos autores diretos, mediante comando de aparelho de poder organizado do Estado, para desestabilizar as instituições e provocar a ruptura do Estado Democrático de Direito, na expectativa de uma intervenção militar no Governo Lula.

Por último, uma ressalva político-criminal indispensável: a repressão penal dos crimes descritos, pelo modo de execução e objetivos pretendidos, constitui hipótese excepcional de emprego legítimo do sistema penal, porque o Direito Penal ainda tem um papel útil nas sociedades contemporâneas – mas com ratificação do programa de redução ou de abolição gradativa da justiça criminal, porque a punição seletiva do sistema penal, como ensina a Criminologia crítica e demonstram livros e artigos publicados nos últimos 50 anos, consiste em garantir a desigualdade social pela repressão das classes exploradas e oprimidas das sociedades capitalistas.

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1 Até agora, 1.167 participantes da ação criminosa estão presos no Complexo da Papuda e na Penitenciária Feminina do DF, segundo a Secretaria de Administração Penitenciária do Distrito Federal.

2 As ações de terrorismo descritas no art. 2o, §1o, incisos I, IV e V, da Lei 13.260/16, realizadas por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, mesmo com a finalidade de provocar terror social etc., são excluídas nos casos de motivação política, na forma do §2o da mesma Lei.  Assim, por execráveis que pareçam as ações da associação criminosa no espaço funcional dos poderes do Estado, interpretações extensivas para tipificar como terrorismo atos excluídos pela motivação política, podem anular ou reduzir a garantia dos movimentos sociais ou de manifestações políticas democráticas protegidas pelo referido parágrafo.

3 O Governador Ibaneis Rocha foi afastado das funções pelo prazo de 90 dias, por determinação do Ministro Alexandre de Moraes, do STF.

4 Anderson Torres foi preso pela Polícia Federal do DF, ao desembarcar no Aeroporto de Brasília, na última sexta-feira (13), por ordem do Ministro Alexandre de Moraes, do STF.

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