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Literatura contemporânea: novos olhares sobre o Brasil

(Foto: Sputnik/Vladimir Pesnya)
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Nestes últimos anos, do governo de Michel Temer até hoje, várias obras importantes foram publicadas, em diferentes países, sobre o Brasil:  ensaios, romances, peças de teatro, dentre outras, todas buscando compreender e expressar a complexidade da sociedade brasileira e de sua história. Procuramos destacar aqui algumas das produções mais representativas desta tendência.

Um dos escritores contemporâneos que, nos Estados Unidos, mais tem se dedicado a investigar a realidade brasileira através de seus livros é Ernst Hemingway. Em 2017 ele publicou Por quem os sinos dobram ( For Whom the Bell Tolls ), um melancólico romance-reportagem sobre a morte da democracia brasileira a partir do golpe que destituiu a Presidente Dilma Rousseff. Agora, no final de 2022, Hemingway volta a se debruçar sobre o Brasil contemporâneo, mas desta vez  num tom bem distante daquele de sua obra anterior. O Sol também se levanta (The Sun also Rises), seu novo romance-reportagem, é a história da perseguição midiática e judiciária ao Presidente Lula, de seus dias na prisão, de sua libertação até a sua triunfal reeleição. Uma narrativa alegre, de uma esperança contagiante, uma bela homenagem à resistência e à perseverança não só de Lula, mas do povo que o sustentou em sua luta.Eugene O’Neill é um outro autor que, também nos Estados Unidos, publicou um  livro fundamental, talvez  o mais completo panorama já realizado em literatura sobre os anos do governo Bolsonaro : Longa jornada noite adentro (Long Day’s Journey into Night), desde já leitura indispensável para quem quiser conhecer em profundidade este período da história brasileira.Na Espanha, Vicente Blasco Ibañez é sem dúvida o escritor mais interessado no Brasil. Os Quatro Cavaleiros do Apocalipse (Los Cuatro Jinetes del Apocalipsis) é o seu instigante romance sobre os destinos entrelaçados de Michel Temer, Sérgio Moro, Jair Bolsonaro e Paulo Guedes. A publicação deste livro causou alguns problemas: o então embaixador do Brasil na Espanha, Pompeu Andreucci Neto, escreveu uma carta de protesto ao jornal El País, acusando  Blasco Ibañez de manter uma fixação pelo Brasil que “beira as raias de uma verdadeira tara”,  de “arrogância obscurantista” e de “vocação neocolonialista”.

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O zelo de certo diplomatas brasileiros em defender o governo Bolsonaro, aliás, teve consequências também na França. A Editora Gallimard havia previsto o lançamento do novo livro de Jean Paul Sartre em Paris e em Genebra  no segundo semestre de 2019. Porém, quando o embaixador do Brasil na França, Luis Fernando Serra, decidiu não participar de uma homenagem à Marielle Franco e sobretudo quando, em Genebra, a embaixadora do Brasil na Organização das Nações Unidas, Maria Nazareth Farani Azevedo, teve uma discussão pública com o parlamentar Jean Wyllys, os responsáveis na Gallimard, cientes do que havia acontecido com Blasco Ibañez e prevendo problemas, decidiram adiar o lançamento do livro de Sartre, aguardando tempos mais calmos. 

Somente agora, no final de 2022, foi finalmente publicada a obra  de Sartre A Náusea (La Nausée), um longo e detalhado estudo sobre o papel dos militares  nos ataques à democracia brasileira, de 64 até o golpe contra Dilma Rousseff. Poucas vezes o título de um livro foi tão adequado ao seu conteúdo: o relato de Sartre sobre os militares brasileiros, baseado em  uma imensa coletânea de fatos e  testemunhas, provoca mesmo vertigem, dores de cabeça, suores e depressão. Por coincidência, o livro de Sartre acabou sendo publicado ao mesmo tempo em que saiu a obra de seu colega Albert Camus, A Queda (La Chute), um triste e patético relato sobre o final do governo Bolsonaro após a derrota nas eleições presidenciais. Na Inglaterra, o conhecido escritor britânico de origem polonesa Joseph Conrad, também se debruçou sobre o papel dos militares no Brasil. O  ponto de partida dos estudos de Conrad foi a participação destes militares, comandados pelo General Heleno, na missão no Haiti, analisando seus diversos desdobramentos até chegar aos atos golpistas que se espalharam pelo país após as eleições. O resultado desta investigação de Conrad foi publicado com o título de  No Coração das Trevas (Heart of Darkness), obra que já é um clássico da literatura contemporânea, de leitura difícil mas fascinante. É impossível para o leitor não concordar com as últimas palavras do autor, que expressam bem a essência do que tem sido a  participação dos militares na história recente do Brasil: “o horror, o horror.... “E por fim, na América Latina, um escritor do Paraguai, Augusto Roa Bastos, escreveu uma biografia do Ministro Alexandre de Moraes que se tornou um inesperado sucesso de público e de crítica: Eu o Supremo (Yo el Supremo).

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O que muito contribuiu para a popularidade desta obra de Roa Bastos são suas  reflexões sobre as relações entre a política e o sistema judiciário brasileiro, como, por exemplo, nesta citação, no original em espanhol, retirada do capítulo sobre os traumas causados pelas  perseguições políticas e o lawfare: 

“La memoria no recuerda el miedo. Se ha transformado en miedo ella misma.”

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Ou esta outra citação, do capítulo sobre os golpes de estado midiático-judiciários:

“Los pueblos no abdican su soberanía. El acto de delegarlo no implica en manera alguna el que renuncien a ejercela cuando los gobiernos lesionan los preceptos de la razón natural, fuente de todas las leyes. Únicamente los pueblos que gustan de la opressión pueden ser oprimidos. Este pueblo no es de esos. Su paciência no es obediencia.Tampoco podéis esperar, señores opressores, que su paciencia sea eterna como la bienaventuranza que le prometéis para después de la morte.”

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Não podemos terminar sem incluir esta última citação de Eu o Supremo, um alerta importante para o Brasil atual:

“los dictadores cumplen precisamente esta función: reemplazar a los escritores, historiadores, artistas, pensadores, etc.”

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Por quem os Sinos dobram e O Sol também se levanta, ambos romances de Ernst Hemingway,  foram publicados respectivamente em 1940 e em 1926.Longa jornada noite adentro é uma peça de teatro de Eugene O’Neill apresentada pela primeira vez no dia 2 de fevereiro de 1956, em Estocolmo, Suécia. O’Neill faleceu em 1953 e nunca assistiu à peça ou viu sua publicação.Os Quatro Cavaleiros do Apocalipse de Vicente Blasco Ibañez foi publicado em 1916.A Náusea de Jean Paul Sartre é de 1938 e A Queda de Albert Camus é de 1956.Eu o Supremo foi publicado em 1974 em Buenos Aires, quando Augusto Roa Bastos vivia exilado nesta cidade. É um dos mais importantes romances da literatura latino-americana. As citações utilizadas são mesmo desta obra.

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Os episódios mencionados no texto envolvendo o embaixador Luis Fernando Serra e a embaixadora Maria Nazareth Farani Azevedo foram reais:

https://noticias.uol.com.br/colunas/jamil-chade/2020/07/18/embaixador-do-brasil-fez-boicote-a-evento-que-homenageou-marielle-em-paris.htm

https://revistaforum.com.br/global/2019/3/16/depois-de-passar-vergonha-na-onu-delegao-brasileira-segue-com-ataques-jean-wyllys-53953.html

Já o embaixador Pompeu Andreucci Neto não escreveu para o jornal El País para reclamar do livro de Blasco Ibañez, mas sim para denunciar um editorial daquele jornal sobre a pandemia de COVID 19 no Brasil. Segundo uma reportagem da revista VEJA

“O embaixador do Brasil em Madri, Pompeu Andreucci Neto, empenhou-se em cumprir as instruções do Itamaraty de se contrapor às publicações que opinam com propriedade sobre os fatos mais recentes do país, em especial, a negligência do governo federal no combate à Covid-19 e os seus flertes com a via autoritária. Em carta de quatro páginas enviada na quinta-feira 28 ao El País, o diplomata acusa o jornal espanhol de manter uma fixação pelo Brasil que “beira as raias de uma verdadeira tara”,de “arrogância obscurantista” e de “vocação neocolonialista”.

https://veja.abril.com.br/coluna/maquiavel/embaixador-em-madri-acusa-el-pais-de-imperialismo-e-tara-contra-brasil/

Utilizei as palavras do embaixador mencionadas nesta reportagem em meu texto.

Acho importante lembrar do que andaram fazendo alguns diplomatas brasileiros durante o governo Bolsonaro.

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