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Ricardo Almeida

Consultor em Gestão de Projetos TIC e ativista do movimento Fronteras Culturales

24 artigos

blog

Manifesto (quase) Futurista

É fundamental assimilar os conceitos de Governo, de Estado e de Sociedade, assim como reconhecer as crenças e os valores das pessoas envolvidas e comunicar com clareza o propósito e os princípios que orientam cada coletivo (Para quê estamos aqui?)

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"A única coisa que o homem do labirinto aprendeu pela experiência (desde que tenha chegado à maturidade mental de aprender com a lição da experiência) é que existem caminhos sem saída: 

a única lição do labirinto é a lição dos caminhos bloqueados." 

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O problema da guerra e as vías de paz - Norberto Bobbio

“Ninguém é sujeito da autonomia de ninguém." 

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Pedagogia da autonomia – Paulo Freire

1. Um espectro ronda as nossas organizações: é o fantasma da nova era da informação e do conhecimento. Estamos vivendo um desses raros momentos decisivos da história humana e, diante de tantas turbulências, vemos que as nossas organizações tradicionais estão dilaceradas. O que mudou neste breve período da história? A velha estrutura da sociedade industrial faliu e está sendo substituída pela sociedade das tecnologias da informação e comunicação. Quem não reconhece isso, não vai aprender a se comunicar numa nova dinâmica, totalmente diferenciada das velhas relações rígidas e hierárquicas habituais.

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2. Neste início do século 21, nossas vidas estão em jogo, assim como as vidas futuras de nossos filhos, netos... Ou melhor, estamos ameaçados por crises econômicas, desastres naturais, mudanças climáticas globais, golpes de Estado etc. Se por um lado presenciamos o ressurgimento de alguns movimentos de cunhos religiosos, moralistas e autoritários, por outro resistem os defensores de antigas concepções (consciências) de sociedade ideal que aprendemos no passado. Ambas as visões tumultuam a mente de milhões de pessoas e, consequentemente, as nossas vidas no campo político, social e profissional.

3. As velhas organizações estão falindo porque as suas lideranças são incapazes de compreender e traduzir a complexidade da nova realidade. Uma vida caracterizada pela forte presença de indivíduos mais bem informados, pelas conquistas de direitos individuais, pelo surgimento de redes caórdicas de informação, pela velocidade da comunicação (redes sociais), pela propagação de fakenews, pela ameaça aos direitos conquistados, pela má ocupação do tempo ocioso, pela triste proliferação de grupos de pessoas céticas, dispersas e solitárias, pela incompreensão da transversalidade dos fenômenos (complexidade) e pela dificuldade de traduzir e assimilar tanta informação com novos conceitos.

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4. Toda estrutura organizacional criada de forma espontânea, analógica e aparentemente "natural" está levando muitas pessoas à descrença dos valores humanos e ao desânimo. Ao mesmo tempo, vemos um aumento da burocratização dos relacionamentos e uma enorme dificuldade para aglutinar pessoas em torno de novos projetos comuns e coletivos, que respeitem as diversidades das linguagens, das etnias, das sexualidades, dos gêneros, das ideologias, das religiões, das classes sociais etc.

5. A maioria das alternativas surgidas espontaneamente ainda está reproduzindo os sistemas burocráticos e centralizados, sem um propósito claro e sem democracia interna. Embora o discurso das novas lideranças fale em participação e democracia, na prática elas não conseguem esconder as suas contradições. Ou seja, na prática a teoria é bem outra! 

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6. Essa epidemia global de fracassos organizacionais acontece porque a grande maioria das organizações ainda se baseia na concepção hierárquica das igrejas, dos exércitos, das velhas fábricas da 1ª e da 2ª revolução industrial e dos partidos centralizados.

7. Com isso, os velhos sonhos e planos ficam apenas no papel, e acabam servindo para fins políticos de pequenos grupos. Ou melhor, como as novas lideranças não adotam uma práxis transformadora e eficaz, também não percebem a importância da reflexão sensível, objetiva/subjetiva da realidade. Na verdade, elas preferem acreditar cegamente nos seus pré-diagnósticos parciais e, por isso mesmo, deixam de incentivar a emancipação de sujeitos históricos conscientes, no mesmo grau de igualdade.

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8. Nesse momento delicado da história da humanidade, é fundamental abandonar os pensamentos dogmáticos e ocupar espaços capazes de colocar as organizações a serviço das pessoas, oferecendo soluções imediatas para os setores mais castigados pela crise cultural, política e econômica. Para isso ocorrer, será preciso identificar: quais são as organizações que temos? Quais dessas organizações estão voltadas para projetos concretos? Nestas organizações os projetos são mais importantes do que cargos e as funções?

9. Esse tipo de reflexão objetiva/subjetiva apareceu no pensamento de Aristóteles, de Spinoza e de São Tomás de Aquino e foi aprofundada nas obras de Hegel, do jovem Marx e de Antonio Gramsci. Está presente na teoria de Max Weber sobre a importância das burocracias e tornou-se um dos pilares da pedagogia libertária de Paulo Freire. Continuou sendo aprofundada nas obras de Hannah Arendt, Norberto Bobbio, Simone de Beauvoir, Edgar Morin, Pierre Bourdieu, Michel Foucault, Boaventura de Sousa Santos, Zygmunt Bauman, Slavoj Žižek, Richard Sennett, Saskia Sassen e de tantos outros pensadores contemporâneos. Foi uma forte preocupação do período pós-industrial e se tornou imprescindível na atual era da informação, da comunicação e do conhecimento.

10. Na história política, essa reflexão tomou corpo na crítica ao stalinismo, ao marxismo dogmático e ao surgimento dos estados burocráticos, e se fortaleceu no chamado Maio de 1968, na França. No Brasil, chegou um pouco mais tarde, no final dos anos 1970, por meio dos movimentos sociais e contornando a fundação do Partido dos Trabalhadores (PT), da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e de várias organizações sociais. No entanto, com a chegada do PT ao governo central, a grande maioria dos militantes petistas e cutistas abandonou esse tipo de reflexão, atrasando a gestação de organizações de novo tipo no país. Inclusive, as novas organizações que surgiram no período recente ainda possuem um caráter idealista, corporativo e/ou se dizem representantes de todos os trabalhadores e trabalhadoras.

11. Em A Condição Humana, Hannah Arendt diz que "a vida é uma possibilidade". No entanto, os avanços e as conquistas irão depender da hegemonia cultural e política, diria Antônio Gramsci. Por seu lado, Paulo Freire alerta que a liberdade depende do grau de consciência de classe que a velha sociedade adquirir, e não apenas da consciência do oprimido. A liberdade é a consciência histórica da necessidade, diz Friedrich Engels, e "os homens caçam alimentos mas também os sonhos", alerta o poeta brasileiro Moacyr Félix. São questões complexas e “sem a ciência (não confundir com a técnica, que é uma repetição) não existirá a conquista dos nossos sonhos", disse Edgar Morin.

12. Assange e Snowden denunciaram que empresas transnacionais e governos invadem a privacidade das pessoas e manipulam os seus corações e mentes. Ao mesmo tempo, assistimos ao surgimento de vários movimentos caórdicos, como são os partidos movimentos e as “frentes únicas” no mundo inteiro. Em 2010, tivemos a controversa Primavera Árabe, em 2011, o Occupy Wall Street, de 2011 a 2015, o 15-M e os Indignados, de 2012 a 2015, o Syriza e o Podemos, em 2014, que questionam o dirigismo partidário e as velhas vanguardas.

13. Em vários países militantes começam a perceber a necessidade de se construir retaguardas junto aos movimentos sociais e não mais falar “em nome deles”. E isso, por si só, já é um feito revolucionário, pois esses novos militantes começaram a abandonar de vez a velha ideia de “culto às personalidades”, de acreditar em “Salvadores da Pátria” e/ou em grupos restritos (as bolhas) ao defenderem o conceito de “partido único”.

14. Algumas pessoas já deixaram de se organizar apenas para "defender ou eleger o candidato X, Y e Z" ou para “ocupar um cargo numa esfera de poder”, pois elas estão decididas a construir uma cidade, um estado e um país mais justo e igualitário. Orientadas por um forte sentimento de “liberdade”, de “solidariedade” e de “justiça” o seu propósito maior serve para compartilhar experiências, sem se colocar acima de ninguém e sem utilizar chavões e adjetivos.

15. Essas organizações de "novo tipo" estão abandonando os gabinetes ao se voltarem para projetos coletivos, democráticos, plurais e radicais nos quais os homens e as mulheres são tratados como sujeitos dos processos, e não mais como simples objetos eleitorais.

16. Para isso acontecer foi necessário reconhecer cada cultura local e criar uma ou mais redes horizontais de organizações que são capazes de dar respostas às questões de mobilidade urbana, à ocupação e uso do solo, ao déficit habitacional, à falta de leitos hospitalares, à obesidade infantil, à pobreza extrema etc. E, além disso, foi imprescindível o combate sem trégua aos diferentes tipos de discriminação: racial, religiosa, de gênero, cultural etc.

17. Todo o empenho para a superação da fase corporativista das organizações (apenas voltadas para si) está sendo decisiva, assim como é decisivo o incentivo para que as pessoas se reúnam em fóruns municipais, regionais e nacionais, e deixem o medo, o egoísmo, a passividade e/ou os seus dogmas de lado.

18. A mínima ação consciente e pedagógica poderá revelar e unificar a mais alta aspiração das pessoas (o propósito maior), além de propagar novas ações municipais, regionais e/ou nacionais. As conquistas políticas, econômicas, educacionais e culturais são decisivas para avançar e gerar consciência, cumplicidade e novas demandas. Esses movimentos lentos e pacienciosos irão contribuir decisivamente para que as organizações construam e implementem agendas comuns, coletivas e estratégicas.

19. Quanto tempo leva para construir uma nova cultura sensível e novas estruturas organizacionais dinâmicas e democráticas? A resposta está diretamente relacionada à prática das pessoas e não apenas ao que elas falam ou postam nas redes sociais.

20. Mas é fundamental assimilar os conceitos de Governo, de Estado e de Sociedade, assim como reconhecer as crenças e os valores das pessoas envolvidas (sejam lideranças ou não) e comunicar com clareza o propósito e os princípios que orientam cada coletivo (Para quê estamos aqui?). Por isso, é imprescindível promover um amplo debate público e criar fóruns capazes de elaborar consensos sobre esse novo tipo de organização social.

21. Enfim, é preciso optar por um modelo diversificado, democrático e cooperativo de organização, que seja capaz de conquistar a confiança das demais organizações existentes e de incorporar a cidadania como protagonista das mudanças e das conquistas.

22. Toda militância política, incluindo as partidárias e parlamentares, precisa reconhecer a autonomia das iniciativas e dos movimentos sociais, e lutar pelo seu fortalecimento, por meio de ações concretas e não apenas quando houver interesses eleitorais/partidários e/ou de preservação dos cargos e funções. Essas advertências não são teóricas, mas práticas, pois elas permitirão gerar uma relação orgânica, duradoura e pedagógica, para que o propósito maior e os princípios sejam assimilados e transmitidos por todos(as).

23. Como nessa nova ordem mundial o Estado e os governos já não conseguem responder a todas as demandas, as organizações municipais, estaduais e nacionais precisam mostrar o seu máximo potencial para superar as adversidades e construir paulatinamente várias redes orgânicas de proteção aos seus cidadãos. 

24. Também é importante lembrar que, desde o final do século XX, vem aumentando a quantidade de manifestações da cidadania planetária, como os Médicos Sem Fronteiras, a Anistia Internacional e o Greenpeace, por exemplo, que em todos os países salvam vidas, denunciam torturas e o descumprimento dos direitos humanos. Além do mais, a internet e as suas novas organizações, como o Fórum Social Mundial, o Wikileaks e o Conselho Latinoamericano de Ciências Sociais (CLACSO), são capazes de expor regimes opressivos em qualquer parte do mundo. Portanto, vê-se que agora a luta que era apenas regional já apresenta um caráter planetário.

25. No entanto, as comunidades precisam dar o melhor de si, para reinventar-se, pois é nos territórios específicos que começam as disputas por direitos e por deveres, inclusive sobre a qualidade dos alimentos que estão sendo consumidos.

26. Uma coisa é certa: essas batalhas de movimentos e de posições serão cheias de surpresas, disputas e também de risos, pois nelas se revelarão as mais diferentes visões e contradições. Não podemos esquecer que aqueles velhos conceitos ainda irão se manifestar entre nós e que somente o tempo irá propiciar um sentimento de organicidade e de liberdade, e que as pessoas se tornarão mais confiantes para se empoderar junto com as suas próprias comunidades.

27. Talvez no futuro, quem sabe em breve, o ódio infantil, o sectarismo (as disputas pessoais), as aventuras e a intolerância sejam superados, pois a maioria das pessoas terá ampliado a sua visão de mundo e, por isso mesmo, estará totalmente livre dos fetiches, do simples adesismo e dos elogios ao status quo.

28. E a sociedade conservadora? Ela está reagindo aos avanços que ocorreram e fazendo o seu papel... Façamos o nosso!!!

P.S. A primeira versão do “Manifesto quase futurista” foi escrita em março de 2009. Depois, em 2015, eu resolvi inserir ajustes de tempo e mais algumas referências teóricas. Acredito que ele segue atual. 

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