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Pedro Simonard

Antropólogo, documentarista, professor universitário e pesquisador

92 artigos

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No país onde o crime compensa

A justiça é classista e torná-la mais isenta, acessível, eficiente, republicana e democrática é um problema de difícil solução

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Ameaçado por processos no STF, o ex-ministro da educação do governo Bolsonaro, Abraham Weintraub fugiu para Miami e usou as redes sociais na manhã do dia 22 de junho para agradecer. “Agradeço a todos que me ajudaram a chegar em segurança aos EUA, seja aos que agiram diretamente (foram dezenas de pessoas) ou aos que oram por mim", escreveu o ex-ministro no Twitter em mensagem publicada logo cedo. O Weintraub chegou “em segurança”, mas não explicou o que o ameaçava, o que ele temia. Só faltou dizer que era um exilado político. Acusado de ser um ativo participante do chamado “gabinete do ódio”, Weintraub também estava sendo investigado por crime de racismo contra os chineses e no inquérito das fake news. Na reunião do dia 22 de abril Weintraub chamou os ministros do STF de vagabundos e ameaçou colocá-los na cadeia. Levantou acusações e suspeitas sobre o STF e o Congresso Nacional. Mobilizou a milícia digital bolsonarista para fazer ameaças. Contudo, em uma prática muito comum aos apoiadores e correligionários de Bolsonaro, Weintraub torce o discurso, procura passar de acusado à vítima e conta com seus camaradas das redes de fake news para difundir sua versão tosca e absurda entre seus seguidores.

Weintraub agradece a dezenas de cúmplices que o ajudaram a escafeder-se rapidamente, tal como ele próprio havia declarado que faria em vídeo publicado na noite de 18 de junho, quando se despediu do governo e deu um fraternal “abracinho” no constrangido e preocupado Jair Bolsonaro. De maneira acintosa, documentou sua fuga divulgando fotografias feitas dentro do avião em que fugiu, bem como imagens de sua nova vida em sua nova vizinhança em Miami.

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Para assegurar que seu “parça”, seu “peixe” não começaria sua nova vida com uma mão na frente e outras atrás, Jair Bolsonaro premiou-o com um cargo no Banco Mundial onde o fujão ganhará mais de um milhão de reais por ano.

Parlamentares solicitaram ao STF a apreensão do passaporte do ex-ministro para que ele não fugisse, mas, no Brasil contemporâneo, a justiça só corre ligeira feito fogo morro acima e pula etapas se for para processar ou prender o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Em todos os outros casos os juízes protelam suas decisões o máximo que podem.

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Se já não bastassem todas essas falcatruas, Weintraub não deu baixa em seu emprego público de professor no curso de contabilidade na UNIFESP, campus de Osasco. Ou seja, além de seu salário no BM, o ex-ministro vai continuar usufruindo do salário de professor universitário sem exercer o magistério, se nenhuma providência for tomada para impedi-lo. Se nada for feito, vai ocupar uma vaga que poderia ser ocupada por alguém que, certamente, seria mais inteligente e produtivo do que ele, além de deixar seus alunos sem aulas e conteúdo o que, convenhamos, pode ser muito positivo para esses alunos: nenhum conteúdo é algo muito melhor do que conteúdo ministrado por Weintraub.

O ex-ministro não foi a única surpresa da semana. Outra foi a prisão de Fabrício Queiroz miliciano, chofer, amigo e segurança da família Bolsonaro, achado confortavelmente instalado em imóvel pertencente a Frederick Wassef, não por acaso advogado do clã Bolsonaro. Contudo, a surpresa maior não foi a prisão de alguém que estava desaparecido há cerca de dezoito meses, mas as declarações de Wassef e Bolsonaro, às vezes contraditórias, às vezes convergentes, proferidas a partir da prisão de Queiroz.

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Em 2019, Wassef havia declarado que não conhecia Queiroz e não sabia onde ele estava. Tendo “tomado ciência” de que o miliciano fora encontrado em propriedade sua em Atibaia, cidade próxima a Campinas, no interior de São Paulo, declarou-se surpreso porque não sabia que ele estava em seu “escritório” em Atibaia, muito embora o caseiro do imóvel tenha declarado à polícia que o hóspede estava lá tinha mais de um ano. Fotografias recentemente divulgadas mostram o desaparecido fazendo churrasco e se divertindo na referida casa. O advogado afirmou que não sabe como ele entrou no imóvel. Wassef é um tremendo manipulador, mentiroso contumaz e cara de pau e nos acha tão idiotas que quer nos convencer de sua ignorância neste caso.

O mais surpreendente ainda estava por vir. Wassef declarou que o presidente Bolsonaro não sabia de nada sobre Queiroz, mas declarou isso antes de combinar com o chefe. Como resultado, sem saber o que o advogado havia declarado, Bolsonaro afirmou que Queiroz estava hospedado na propriedade de Wassef para ficar mais próximo – cerca de 90 km! – do hospital onde se trata de câncer. É obvio que um dos dois ou ambos estão mentindo. 

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A impunidade dos grandes criminosos e o punitivismo excessivo votado aos pequenos ou ao cidadão comum que não cometeu crime algum sempre foi uma característica da sociedade brasileira que, claramente, acirrou-se após o golpe de estado de 2016. Michel Temer recebeu um cheque nominal de 1 milhão de reais e ficou por isso mesmo. Malas de dinheiro foram achadas com cerca de 51 milhões de reais no apartamento de Geddel Vieira Lima e o caso ainda não foi julgado. Helicoca, propinas da Odebrecht, ameaça de assassinar o próprio primo nada disso foi suficiente para gerar processos contra Aécio Neves. No Brasil, se o acusado não for pobre seguirá impune ou sofrerá punições brandas. 

A justiça brasileira tornou-se um jogo no qual “pessoas de bem” de uma mesma classe social julgam os da mesma classe ou os “de cima” com indulgência e lentidão, mas agem como carrascos contra “os de baixo”. A situação alcançou tal nível de anomia e impunidade que os envolvidos não se dão nem mais ao trabalho de elaborarem discursos e justificativas mais racionais e plausíveis tal a sensação e certeza de que sairão impunes.

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Os casos que contam com a unanimidade de juízes, desembargadores e ministros do STF podem andar rapidamente, mesmo que o acusado seja “uma pessoa de bem”. É raro, mas acontece, muito embora as penas aplicadas a estes casos, quando há punição, sejam muito mais brandas do que deveriam ser. Aqueles casos em que a unanimidade não é possível se perdem em um emaranhado tergiversações e podem demorar anos para serem julgados ou, mais comum, podem ser rapidamente arquivados.

A justiça é classista e torná-la mais isenta, acessível, eficiente, republicana e democrática é um problema de difícil solução. Talvez, uma possibilidade de mudança esteja na formação de mais juristas de origem na classe trabalhadora que tenham uma trajetória de vida diferente, uma origem étnica e gênero diferentes dos homens e mulheres brancos, heterossexuais, pequeno-burgueses que utilizam-se da justiça para ascender socialmente, beliscar uma parcela do poder social para utilizá-lo em proveito próprio e se aproximar da burguesia colonizada que exerce poder econômico e político no Brasil. Será preciso também contar com que estes juristas de origem na classe trabalhadora não sejam cooptados pela ideologia das classes sociais hegemônicas no Brasil.

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Enquanto isso não ocorre, seguiremos sendo o país onde o crime compensa para aqueles que são brancos, heterossexuais, de origem social na classe média ou superior e que se identificam com a ideologia hegemônica no Brasil.

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