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João Rafael G. de Souza Morais

Doutor em Ciência Política, professor de Relações Internacionais no Instituto de Estudos Estratégicos (INEST-UFF)

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Notas sobre a guerra e a política internacional

Se a guerra é a continuação da política e, essencialmente, é política, então qual a diferença entre a diplomacia e a guerra e como se vai de uma à outra?

REUTERS/Serhii Nuzhnenko (Foto: REUTERS/Serhii Nuzhnenko)
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“A guerra é a continuação da política por outros meios”, escreveu Carl von Clausewitz, no século XIX, em sua obra “Da Guerra”, que permanece como um dos cânones do pensamento estratégico. Suas ideias partem da premissa de que a guerra é um fenômeno essencialmente político, ou seja: é política do início ao fim, o que nos remete à invertida de Foucault, de que a política é, também, “a continuação da guerra por outros meios”. Assim, a política – fenômeno humano por definição, meio pelo qual pessoas e comunidades se relacionam e são capazes de acomodar e mediar seus conflitos e tensões – seria uma linguagem composta por duas gramáticas particulares e complementares: a diplomacia e a guerra, ambas conectadas atavicamente pela estratégia. 

A palavra “estratégia”, nos últimos tempos, foi vulgarizada dentro da lógica do Liberalismo, e ganhou um sentido mercadológico aplicado ao marketing e aos negócios. Normalmente, aparece, nesses casos, confundida com a ideia de um plano, de uma meta desdobrada em objetivos.

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Entretanto, o sentido original da palavra e que nos interessa aqui, a partir da abordagem de política da guerra, possui ontologia política, o que significa dizer que se trata de um conceito que ganha vida somente a partir de uma relação de antagonismo. Ou seja, para se ter uma estratégia é necessário ter uma estratégia contra alguém. Um treinador de futebol coloca sua equipe em campo e planeja o jogo e os treinos em função da equipe adversária, que irá concretizar no mesmo campo uma vontade oposta à sua também em uma estratégia de jogo. No caso do esporte – que, desde os tempos dos antigos gregos, é a guerra ritualizada –, podemos vislumbrar bem o significado de uma situação estratégica: uma contenda, um jogo de soma zero com um antagonismo que não pode ser resolvido plenamente para ambos os lados. Ou seja, há um dilema, que, diferente de um problema, não pode ser solucionado, mas somente disputado, cujo resultado será o proveito de um em detrimento do outro. O empate significa sempre um resultado insatisfatório para ambos.

Em um jogo de futebol, há, em cada lado, 11 profissionais especializados em colocar a bola, que mede aproximadamente 70 cm de circunferência, dentro de um gol que mede 2,44 metros de altura por 7,32 de largura. Ainda assim, não é raro que um dos lados (ou ambos) não consiga(m) colocar a bola dentro da meta. Isso se deve a um simples fato: há sempre onze jogadores dispostos do outro lado tentando impedir.

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Da mesma forma é na política – e na guerra. A ressalva é, claro, o que está em jogo: no esporte a vitória esportiva, a recompensa financeira e a consolidação ou não de carreiras. Na política – e na guerra – a segurança e, em última instância, a vida. Dizia Clausewitz, também, que “na guerra tudo mais simples é complicado”. O imponderável, que ele chamava de “fricção”, invariavelmente compromete planos e objetivos, e tem como componente principal a vontade inimiga, articulada em seus relativos meios de combate articulados com toda sorte de variáveis geográficas, políticas, econômicas, psicológicas, e qualquer outra que possa ser elencada dentre o complexo da vida humana.

Mas, se a guerra é a continuação da política e, essencialmente, é política, então qual a diferença entre a diplomacia e a guerra e como se vai de uma à outra? Para entender isso, é preciso admitir algumas premissas sobre a realidade da Política Internacional.

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O contemporâneo sistema internacional, composto por mais de 190 Estados soberanos, tem suas origens no século XVII, quando, ao final da Guerra dos Trinta Anos, o Tratado de Westiphalia delineou com mais clareza os contornos dos Estados e suas relações. Vem daí o moderno conceito de “soberania”, além de instituições como embaixadas permanentes e corpos diplomáticos para dar conta da complexidade da política externa. A política externa é aquela que dá conta das relações entre os atores no sistema internacional, ainda hoje protagonizado por Estados, apesar de o mundo contar com diversos outros atores não estatais com variados graus de influência nas decisões da arena internacional, tais como ONGs e diversas instituições internacionais.

E onde entram a estratégia e a guerra? Em todos os lugares. A política externa é composta pela diplomacia (em primeiro lugar) amparada pelo aparato de Defesa dos Estados, sem o qual seria “mero exercício de retórica”, nas palavras do ex-Secretário de Estado dos EUA, Henry Kissinger. E aqui cabe um esclarecimento sobre a condição observada no Sistema Internacional. Podemos falar em uma realidade internacional anárquica, a partir da ausência de uma autoridade supraestatal que seja capaz de organizar e mediar os incontáveis interesses invariavelmente em conflito. A ONU, em tese, se destina a esse papel, mas possui severas limitações a partir da ausência de capacidades próprias (militares, financeiras etc.) e por carecer de soberania supraestatal. Sua capacidade de impor a ordem é, como podemos testemunhar nesse exato momento, limitada.

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Podemos falar de uma realidade internacional, também, hierárquica, pois se organiza concretamente em torno de atores poderosos e articulados entre si segundo regimes de cooperação, alianças e contenciosos administrados por vias pacíficas (diplomacia) ou não (guerra). Logo, estamos falando de um mundo habitado por interesses poderosos garantidos por nada além das respectivas e relativas capacidades políticas – o que engloba o instrumento militar, o emprego da força – dos atores. 

É nesse sentido, pois, que a guerra se mostra uma dimensão permanente, constante das relações internacionais, sendo uma consequência previsível em face dos limites da diplomacia em uma realidade que consiste num estado de natureza hobbesiano, ou seja, um mundo desregulamentado e fora de qualquer esfera de direitos com garantias seguras ou análogas ao contrato social. Se o Estado e seu monopólio da violência não são suficientes para pacificar completamente um território (afinal não existe lugar na face da terra livre de taxas de criminalidade), podemos concluir que a legitimidade desse monopólio foi suficiente, com diferentes graus de eficácia, para pacificar os conflitos e disputas mais violentas dentro dos Estados, lançando a violência mais extrema (guerra) para o ambiente internacional e mantendo o controle interno por vias mais comedidas do emprego da força (justiça e polícia). No Sistema Internacional inexiste tal aparato supraestatal, de modo que a violência em sua escala mais acentuada, a guerra, não pode (ou ainda não pôde) ser eliminada em face das circunstâncias anárquicas em que se encontram os Estados. A política das grandes potências – os atores que efetivamente determinam os rumos da política internacional – possui, como escreveu John Mearsheimer, um viés inevitavelmente “trágico”, por conta da insegurança que caracteriza o ambiente de tomada de decisões e que leva a negociações muitas vezes difíceis pela via diplomática. Daí, o uso do instrumento militar ser tão presente na história.

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O que vemos hoje na Ucrânia é, mais uma vez, um Estado indo à guerra pela defesa de seus interesses após acreditar terem se esgotado as alternativas diplomáticas. Não é o caso desse texto discutir se a diplomacia esgotou ou não suas possibilidades neste caso, bem como também não compete aqui discutir o mérito dos interesses russos postos em marcha, mas enfatizar as condições que estruturam o fato, do ponto de vista histórico e político. Estamos vendo ao vivo e a cores a guerra dando sequência à política. Não foi a primeira vez e, infelizmente, há razões para supormos que não será a última.

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