CONTINUA APÓS O ANÚNCIO
Yuri Martins-Fontes avatar

Yuri Martins-Fontes

Filósofo, escritor e educador. Doutor em história econômica pela USP. Trabalha também como professor, tradutor e jornalista. É autor do livro “Marx na América: a práxis de Caio Prado e Mariátegui”, dentre outros. Desde 1999, colabora com meios independentes do Brasil e América Latina

3 artigos

blog

Notas sobre as guerras e o pacifismo raso

Ninguém em seu são juízo gosta ou aprecia uma guerra – o afã por competitividade é um dos aspectos patológicos do sistema capitalista

(Foto: Sputnik)
CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

✅ Receba as notícias do Brasil 247 e da TV 247 no canal do Brasil 247 e na comunidade 247 no WhatsApp.

Não detenhas um exército que recua à casa; o inimigo lutará até a morte. Ao adversário cercado deve-se deixar uma saída... Não pressiones demasiado um inimigo em desespero”  (Sun Tzu, “A Arte da Guerra”)

Breve decálogo sobre as guerras, em tempo de acirramento bélico e pacifismo raso – se não demagogo. Uma reflexão sobre a categoria marxista da totalidade, que é bem mais de que a soma das partes (pois que em movimento). E algumas sugestões para palavras de ordem menos etéreas. 

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

Preâmbulo sobre o bélico presente

Não há como se compreender um conflito armado tomado pela emotividade, pelo sentimento de tristeza que causam as desgraças sempre presentes em cada uma de suas batalhas; sem que se observe em detalhes os interesses e principais forças ocultas por detrás dos tantos fantoches.

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

Tempos bem esquisitos estes em que, ao invés de se ouvir socialistas, humanistas, dizerem em uníssono “pelo fim da ofensiva da OTAN, para que parem os bombardeios (dos acuados) russos”, ou ainda “pela derrubada do golpismo ucraniano ‘laranja’ (e de suástica à vista)”, ouve-se desvairados purismos, tal qual esse descuido que vem ressonando em ambientes assépticos: “pelo fim dos bombardeios russos e (assim que der) da OTAN”. 

Nesta exigente palavra de ordem – ou quem sabe seja antes uma comanda divina – só faltaria incluir algo como “pelo fim imediato do capitalismo, dos dedos nos olhos globais, e ainda pela extinção de todas as maldades e iniquidades do universo – e tem que ser hoje!”. 

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

Como demonstrou Karl Marx, após a observação isolada dos diversos aspectos de problemas sociais, por demais complexos, há sempre que se reportar à realidade maior, à totalidade concreta que relaciona tais problemas. E este cuidado deveria ser tão mais considerado à medida que o debate envolva temas de urgência humanitária, seja o da fome, das epidemias, da destruição do metabolismo planetário, seja o do poder bélico e controle despótico do mundo. 

 

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

Notas sobre as guerras

1- Ninguém em seu são juízo gosta ou aprecia uma guerra – o afã por competitividade é um dos aspectos patológicos do sistema capitalista;

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

2- Nem sempre aquele que dá o primeiro tapa é o que agrediu primeiro – ou o vilão; detrás da guerra deflagrada (em ato), há os conflitos latentes (em potência), mais abrangentes;

3- Ainda que seja extremamente complexa em suas causas, motivações imediatas, possibilidades de desfecho ou consequências futuras, diante de uma guerra aberta, já deflagrada entre duas frentes, cabem somente dois caminhos – um ou outro lado [*E ao contrário do que diz o Estadão, no presente não há assim uma “escolha tão difícil”];

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

4-Bradar pelo empate, pela paz dos deuses, exigir imediatamente a imediata humanização do ser humano milenarmente desumanizado é – na melhor das hipóteses – sussurrar aos pássaros que voam;

5- Optar pela neutralidade, pela suposta paz (completamente fora da possibilidade de paz), abster-se de escolhas em um conflito exposto, mesmo tendo consciência histórica dos interesses que o compõem – inclusive de terceiros indiretamente envolvidos em alguma das frentes–, significa sempre e unicamente (como bem lembra Sartre): apoiar o mais forte; 

6- Fomentar desde fora a resistência de um exército frágil, sem oferecer-lhe reais condições de vitória, sem se assumir uma posição manifesta no confronto deflagrado, serve apenas para prolongar escaramuças, para aprofundar ao final as perdas de ambos os opositores, vitoriosos e derrotados (inclusive causando mais danos aos civis entre fogos) – situação que só interessa a terceiros, a outros inimigos não diretamente envolvidos no presente conflito, mas desejosos do próximo;

7-Quanto maior for o equilíbrio prévio de forças opostas em tempos de paz– da paz instável e armada a que se vem chamando guerra fria –, menores serão as audácias, os arroubos bélicos;

8- Armas mortíferas, que ameaçam a espécie como um todo, são prova maior da derrota humana que é a razão instrumental moderno-burguesa – melhor não existissem nunca; mas em existindo, e sobretudo, estando em posse de inimigos, que oxalá as tenham também alguns inimigos desses inimigos; ou por assim dizer: bombas, melhor não tê-las, mas se as têm, melhor aos pares;

9- Pior que o monopólio das ideias, da imprensa, da economia, das almas, do discurso sobre o que é ou não cultura e civilização, é o monopólio do poder (pois garante boa parte dos demais);

10- Para as periferias do mundo, mais vale dois patrões – ou potências – estremecidas, que brindando alegremente.

 

Dito isto, faça-se coro ao coração dos pacifistas! Mas sem permanecermos tão no raso… 

Pelo fim da guerra – das guerras –, das epidemias e desastres induzidos pela ganância! Pelo fim da fome, do uso vil da miséria como arma de guerra

Pelo cessar das atrocidades cotidianas – pela Palestina independente, integral, sem a ignomínia de um apartheid neofascista adornado com lantejoulas democráticas! Pelo Afeganistão e o Iraque livres, pela Líbiareconstruída... e a Sérvia-Iugoslávia

Pelo fim também das sanções econômicas, estes fuzis indiretos – mas tão diretos – que violentam economias não alinhadas em busca por autonomia: pelo direito de Cuba, Venezuela, Irã seguirem seus caminhos! 

E outrossim – já que tudo se pode sonhar, gritar e, por que não, pôr no papel: por um Brasillivre desse maldito golpe cujo atraso nos martiriza há quase 6 décadas, e quase sem ininterrupções. 

Mas claro, para que as divagações etéreo-socialistas mantenham suas asas de cera longe do sol, voltemos ao tema do fogo aberto, pois também na Terra a chapa anda quente… Então: pelo fim dos bombardeios gerais, em especial, não esquecer, dos massacres perpetrados – neste mesmo momento em que estas linhas são escritas – pela OTAN e Israel ontem na Síria, em Gaza, hoje no Iêmem, na Somália! Aliás, tratam-se de atrocidades mais sangrentas de que a que ora estoura na Europa em queda-livre, subalterna e fascistizada. Mas certa esquerda menos sensível às civilizações “bárbaras” (que se diz-que-existe, até mesmo para além do Mediterrâneo) não teve tempo na agenda para observar, enquanto discursava inflamada acerca danecessária paz entre pretensos arianos, no intervalo de um ou outro copo de vinho Bordeaux.

*

Os socialistas de todos os campos, de anarquistas a social-reformistas – incluindo os ditos esquerdistas, anticapitalistas, humanistas ou mesmo os adeptos de outros adjetivos mais puros –, ganhariam em qualidade interpretativa da realidade se apreendessem ao menos uma ideia básica com o comunismo marxista, com o pensamento da práxis: a noção de totalidade,de imbricamento entre o todo e as suas partes. Partes estas cuja análise minuciosa, ainda que de suma importância, não pode bastar-se em si mesma, mas tem de ser referida novamente ao todo, incluída no entendimento do todo, para assim ajudar a recompor, a partir de novas percepções dos diversos aspectos do real, a concepção da totalidade concreta – e em movimento conflituoso –, na qual estamos inseridos. 

*

Em suma e finalmente: por tudo de ético e belo e bom e harmônico que as imaginações crítico-críticas, senhoras dos mais perfeitos julgamentos e valores, puderem sonhar! 

Mas também: por tudo de mais urgente, de mais chão, de mais objetivamente terreno que as mentes práticas menos indolentes puderem realizar, ainda que mal feito, ainda que menos nobre. 

E que um dia, tomara, possamos fazer melhor o necessário, o básico, o inadiável – e de modo mais bem-feito. Teorias, efetivamente, comprovam-se apenas na prática– já dizia Marx, em sua famosa e breve frase que sintetiza a filosofia da práxis e funda o pensamento contemporâneo. 

*

Pelo fim da modernidade, do cientificismo mecânico, do progresso tecnicista, competitivo,que à revelia do humano se calcula no lucro!

 

 

iBest: 247 é o melhor canal de política do Brasil no voto popular

Assine o 247, apoie por Pix, inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista:

Carregando os comentários...
CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

Cortes 247

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO
CONTINUA APÓS O ANÚNCIO