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Aldo Fornazieri

Professor da Fundação Escola de Sociologia e Política e autor de "Liderança e Poder"

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O 8/1 e a democracia abalada

"A democracia foi abalada e continua. O 8/1 de 2023 só ocorreu por conta da incompetência e ingenuidade do governo, do Congresso e do STF", diz Aldo Fornazieri

Presidente Lula discursa no ato Democracia Inabalada (Foto: Ricardo Stuckert/PR)
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A chamada para o ato de repúdio à tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023, organizado pelos três poderes no 8 de janeiro de 2024, tinha como mote “A democracia Inabalada”. Trata-se de um grave equívoco: a democracia foi abalada e continua abalada. O 8/1 de 2023 só ocorreu por conta da incompetência e ingenuidade do governo, do Congresso e do STF. E a tentativa de golpe do 8/1 só não foi vitoriosa por conta da incompetência dos bolsonaristas.

No primeiro caso, alguns dias antes dos eventos era sabido que algo iria acontecer. Qualquer estudante de jornalismo ou de sociologia que acompanhasse as redes sociais e algumas notícias na imprensa antes nos dias que antecederam a tentativa do golpe, saberia que os bolsonaristas estavam se preparando para partir para o golpe. Na sexta, dia 6 de janeiro, era possível ver em varias fontes que se falava abertamente de 100 ônibus que iriam para Brasília para fazer a revolução. 

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Nem o governo e nem os chefes dos outros poderes adotaram medidas preventivas sérias e eficazes. Confiaram no governo e na PM de Brasília que estavam comprometidos com os golpistas. A própria segurança do Planalto estava comprometida. O comando do Exército abrigava e protegia os golpistas há semanas. 

O 8/1 desnudou a fraqueza e a vulnerabilidade das instituições democráticas. Bastava que uma unidade militar se sublevasse para que o golpe triunfasse. Ou bastava que as hordas bolsonaristas se entrincheirassem nos palácios depredados para que um impasse com desfecho imprevisível também se viabilizasse. Nesse sentido, o golpismo dos bolsonaristas foi extremamente incompetente. 

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Existem várias formas de golpe. Hoje está na moda o golpe perpetrado por presidentes eleitos que passam a dominar os parlamentos e as Cortes de Constitucionais. Mas um golpe de deposição de governo, como era o caso do 8/1, requer a participação militar. A tese mais difundida hoje é de que o roteiro do golpe consistia em criar o tumulto para que o presidente Lula decretasse uma GLO. Os militares assumiriam o poder, afastariam o governo e ministros do STF e do TSE e poderiam chamar de volta Bolsonaro e convocar novas eleições. Mas é um ato de incompetência consumada preparar um golpe cujo ato principal caberia a uma decisão do presidente que seria deposto.

O 8/1 significou também o fim do pacto da anistia articulado em 1979. Para além dos vários artigos da Lei da Anistia, existia um pacto tácito de que as forças políticas brasileiras não recorreriam mais à força para se apossar do poder político. O bolsonarismo rompeu esse pacto. O STF e, particularmente, o ministro Alexandre de Moraes, entenderam o significado desse rompimento. As prisões, os julgamentos e as condenações de golpistas são fruto desse entendimento. A prisão de alguns militares de alta patente, a exemplo do coronel Cid, se enquadram na mesma linha. 

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Mas o trabalho não está completo: falta punir os mentores e os financiadores do golpismo assim como os militares que estavam envolvidos. O general Arruda, por exemplo, deveria ter sido preso por proteger com força militar de combate os golpistas acampados em território do comando do Exército. 

O abalo que a democracia sofreu no 8/1 ainda persiste, por vários motivos. Em primeiro lugar, as forças políticas golpistas e de extrema-direita não foram derrotadas politicamente. Permanecem fortes e articuladas no Congresso, na sociedade e muito ativas nas redes sociais. 

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Em contrapartida, as forças progressistas não souberam impor uma derrota política ao golpismo por conta de 8/1. A abordagem que as forças progressistas conferiram ao evento foi confusa, dispersa e sem foco. Mesmo com a imensa maioria da população repudiando a tentativa de golpe, mais pela depredação dos palácios do que pelo significado político do ato, as forças progressistas não souberam capitalizar todo o contexto dos acontecimentos. 

A democracia brasileira, a exemplo dos demais países da América do Sul, continua abalada porque não é capaz de resolver os seus principais desafios: superar a desigualdade, a pobreza, a falta de direitos, a violência, o crime organizado, o racismo, as desigualdades de gênero, a preservação ambiental e o desenvolvimento sustentável. Os avanços homeopáticos são sucedidos por recuos devastadores. Este vai e vem doloroso parece não sair do circulo vicioso.

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Politicamente, a extrema-direita e o conservadorismo vêm se fortalecendo no Brasil. O Congresso é dominado por essas forças. As iniciativas progressistas do governo Lula são claramente limitadas por um sistema de negociações que, em troca de pequenas concessões, a direita se apossa de parcelas cada vez mais robustas do orçamento público. 

As esquerdas, aquarteladas no Congresso e minoritárias, perderam a capacidade de combate e de enfrentamento. Preferem participar das negociações dos botins, dos fundos públicos, dos cargos e dos privilégios. A única forma que existiria para romper os impasses trágicos da política brasileira seria a organização e a mobilização popular. Mas a opção das esquerdas pela ação quase que exclusiva nos parlamentos impede que se constitua alguma esperança de que se possa avançar e mudar significativamente o Brasil. 

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É certo que a democracia sempre é uma obra inacabada pela qual se deve lutar. Mas hoje a democracia vive dois grandes desafios: de um lado, o crescimento ameaçador das forças conservadoras e de extrema-direita em vários lugares do mundo. De outro, onde a democracia sobrevive, ela é usurpada pelas oligarquias partidárias que estão a serviço dos grandes interesses do capital.

O povo, capturado pelos partidos como eleitor, não tem participação ativa nas democracias. A própria voz da sociedade civil organizada é cada vez mais débil nas decisões políticas do poder. A dificuldade de viver das grandes maiorias sociais, somada a uma percepção crescente da catástrofe ambiental, vem gerando um clima de desânimo e um desalento social. Este é um ambiente propício para a ação da extrema-direita, que procura ressignificar a vida das pessoas que se sentem abandonadas com discurso de ódio, de violência, antipolíticos e antissistema. 

O grave é que, neste momento, as forças de esquerda não percebem que a necessidade de negociar com a centro-direita precisa ser acompanhada pela necessidade de combater, de lutar, de organizar e de mobilizar. A inapetência das esquerdas para o combate político, ideológico e de valores é um dos sintomas de que vivemos numa democracia abalada.

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