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Rafael Bastos

Professor da Faculdade de Educação da Uerj e do programa de Pós-Graduação e do Laboratório de Políticas Públicas

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O antipetismo, dois ciclos decenais e reflexões sobre as lutas sociais no Brasil hoje

A perspectiva fascista de ódio ao PT se adensou com muita expressão, associada à negação da política

(Foto: Partido dos Trabalhadores/Divulgação)
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Pensar a política em ciclos ajuda a delimitar processos de regularidade e crise dos projetos encampados, viabilizando, então, balanços, com a mensuração dos saldos positivos e negativos. Desde a ascensão petista, em 2002, houve tempo de verificarmos algumas crises consideráveis, tanto nas fileiras do próprio Partido dos Trabalhadores quanto derivadas de ataques externos sofridos por ele, vindos mais da direita do que da esquerda. Houve tempo também para captar que este é um partido ímpar na história das lutas populares do país.

Nos últimos 20 anos, quem apostou no antipetismo está tendo que refazer seus cálculos, de algum modo, diante da capacidade de resiliência do PT e da liderança do presidente Lula.

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Pensando no primeiro ciclo decenal, que vai desde a chegada de Lula à presidência até as Jornadas de Junho de 2013, o PT se deparou com uma debandada de setores que optaram por construir o PSOL. Posteriormente (das Jornadas em diante), parte da crítica progressista daquele evento se dirigia ao PT, de algum modo, ou aos governos Lula e Dilma.

Setores conservadores, como a imprensa hegemônica e a oposição política de direita, como o PSDB, tentaram desgastar o PT e seus governos, mas sem obter muito sucesso em assegurar um retorno de capital político eleitoral para si, no espaço da presidência da república. Os ecos das Jornadas de Junho, que ajudaram a reposicionar a oposição, agora têm caráter mais ácido, com mais elementos um tanto quanto novos, como a antipolítica fascista e a judicialização da política.

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A partir de 2013, nos deparamos com certa virada de chave no jogo político, que deixou o PT em uma condição mais fragilizada. Numa eleição acirrada, Dilma conquistou a reeleição, em 2014, mas no esgarçado tecido social, o PT, o governo e a esquerda se depararam com uma força social pulsante nas ruas: as direitas. Essa mudança de cenário levou ao golpe de 2016, à prisão de Lula e a mais grave crise que a legenda enfrentou, até hoje. O antipetismo ganhou tração social, agora com uma amplitude para além das tradicionais elites políticas conservadoras.

Esse segundo ciclo, de aproximadamente 10 anos, delimita novos arranjos e lições. Os ataques midiáticos das elites, de setores dos aparelhos e instituições do Estado, assim como dos segmentos fascistas que almejaram destruir e desmoralizar o PT, não foram suficientes para atingir plenamente este objetivo, mas as marcas ficaram e devem durar um bom tempo. Todavia, muitos destes atores políticos entenderam que o antipetismo ajudou a pavimentar um perigoso caminho, que foi a possibilidade de golpe de Estado de cunho autoritário.

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Diante desse cenário, coube exatamente ao PT e à liderança do presidente Lula a sustentação dos pilares do Estado de Direito no país, em uma nova conjuntura, sobretudo, após a tentativa de golpe do fatídico dia 08 de janeiro de 2023. Mais do que isso, os principais agentes de governo, despontaram também como lideranças nas relações diplomáticas regionais e globais.  

Detalhando um pouco mais os argumentos do texto, o antipetismo é um fenômeno contraditório, assim como o próprio Partido dos Trabalhadores. A literatura da sociologia política disponível nos ajuda a entender que há um antipetismo configurado como um tipo de ação política e ideológica que tem o PT como alvo principal de campanhas negativas ou que almeja a sua destruição. Trato de algumas abordagens mais gerais, abaixo.

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No campo da direita, o antipetismo tem bases históricas longevas, anteriores a 1980 (ano de fundação do PT), havendo um claro ódio de classe que se volta contra qualquer tipo de luta popular. De Vargas até João Goulart, o sentimento antipopular já era notado. À medida que o PT se torna um partido de massas no Brasil, o ódio da elite burguesa prontamente se volta contra a legenda.

Há também o antipetismo de classe média, que além da não identificação ideológica com o PT, tem uma perspectiva de classe burguesa e entende que o PT é o símbolo da corrupção, ou simplesmente tem raiva da face social dos governos presidenciais deste partido. Neste último caso, o legado de mobilidade social ou de maior acesso ao consumo de algumas camadas populares, abalou determinadas dimensões da distinção de classe.  

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Com o advento do bolsonarismo, a perspectiva fascista de ódio ao PT se adensou com muita expressão, associada à negação da política, à rejeição da esquerda como um todo e à luta pela pauta dos costumes.

Na esquerda, setores tradicionalmente mais vanguardistas compreendem que o PT e o petismo devem ser superados. Alguns destes segmentos já estiveram dentro do PT, no formato de tendência, mas a vitória de Lula em 2002, a condução do governo e as subsequentes vitórias petistas, nas eleições presidenciais e regionais, ajudaram a criar um afastamento e uma acidez contra o PT, à medida em que a hegemonia deste partido se tornava mais sólida, no campo progressista. É comum notar o antipetismo nestes segmentos, a partir da concepção estratégica de mobilização social por fora e contra o Estado. Assim, o PT representaria a adesão à ordem burguesa ou o reformismo, sendo, desse jeito, também um inimigo de classe.

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Historicamente, a imprensa brasileira tem um caráter elitista e reacionário contra qualquer processo inclusivo. Dessa forma, o PT foi e é alvo, desde o seu surgimento, que tem  uma feição autônoma em relação as elites políticas, com forte base social, com um programa robusto de teor trabalhista e ainda por cima, cujo horizonte contemplava um socialismo democrático (mesmo que este ponto não seja muito bem definido dentro do partido). Assim seguiu até a eleição de Lula, em 2022, quando uma fração importante da mídia não embarcou no bolsonarismo, como a Globo, em especial. Outros veículos, como Estadão e Folha, titubearam, de uma forma ou de outra.

O poder judiciário brasileiro, em especial o Supremo Tribunal Federal, apresentou movimentos amplamente contraditórios em relação ao PT, desde 2005, com o processo do mensalão, passando pelo golpe de 2016, pela prisão e pelo impedimento da candidatura de Lula, chegando às barbaridades da Lava Jato, e culminando na soltura de Lula e na imposição de limites e perspectivas de penalidades a Bolsonaro.

Agora, aparentemente, há um movimento de reconciliação com o presidente, à medida que o STF desmonta o aparato lavajatista. Deste modo, classificar esse tribunal como antipetista não é preciso. Vale considerar que o terceiro governo Lula já indicou dois novos ministros, e se ele concorrer a eleição, em 2026, e ganhar o pleito, indicará mais um em 2028, outro em 2029 e mais um em 2030. Tal desenho requer um diálogo republicano refinado.

De forma geral, o tamanho do PT, com aproximadamente 1,6 milhões de filiados, e sua capacidade antropofágica, aglutinadora, adaptativa e criativa, auxiliam a sigla a se manter conectada com as lutas populares do país. Portanto, o caráter plural e até mesmo contraditório é uma peça-chave do desenvolvimento petista ao longo dos seus mais de 43 anos de existência oficial. O compromisso com o combate à desigualdade e com os excluídos ajuda a construir uma base política importante, transformando-o no partido que mais tem identificação da população brasileira. Esta força social é, sem dúvidas, um elemento vital da já mencionada capacidade de resiliência do partido. 

Como a contradição é um aspecto chave desta análise, o PT também é o partido mais rejeitado, segundo os dados da pesquisa “A cara da democracia”, de 2022, algo coerente com a centralidade do embate de classes no Brasil. Esta característica contraditória não é exclusividade petista, na América Latina, vide os casos do MAS, na Bolívia ou do próprio Peronismo, na Argentina. 

O PT se diferencia de parte significativa da esquerda brasileira por sua atuação não dogmática e não sectária. Assim, por meio da dinâmica da luta social no Brasil e dos confrontos de classe, a sigla vai se moldando, experimentando práticas das mais plurais. Neste curso, erra bastante e atrai oportunistas, ainda mais quando conquista espaços de poder. Todavia, as sínteses deste processo ajudam a alavancar o partido, resultando em um saldo muito mais positivo do que negativo. Neste caso, um parâmetro importante para avaliar o partido é a sua capacidade de se manter no poder e a sua centralidade na política nacional e internacional.

O PT pode ser pensado também como um indicador do grau de andamento dos embates de classe, no Brasil e, de certo modo, na América Latina. À medida que as forças sociais conseguem mais espaço nas lutas, o PT também consegue. O partido tanto impulsiona tais lutas quanto é impulsionado por elas dialeticamente.

Na esquerda, segmentos que outrora foram pouco solidários ou altamente críticos ao PT, neste momento reorientam suas ações ou até compõem o governo, como é o caso do PSOL. Partidos pequenos, mais ácidos, que chegaram até a questionar o golpe de 2016, sofreram rachas que tiveram o PT como elemento importante.

Algo a se pensar sobre isso é que a política brasileira é densa demais para quem se perde no labirinto ideológico (idealista). Ao deixar de focar nas temáticas estruturais-econômicas, escapa pelos dedos de parte da esquerda a oportunidade de captar o papel do PT nas lutas recentes de (re)definição do orçamento público. Discutir os limites até onde os governos petistas foram não deve se confundir com o antipetismo. Os erros nessa dosagem vêm dificultando o crescimento político duradouro desses campos. Enquanto a oposição de direita está se condensando, com vigor, no bloco mais reacionário, a oposição de esquerda está tendo bastante dificuldade de ajustar a dose e o caráter estratégico-tático. De fato, não é uma tarefa fácil.

Caminhando para fechar este balanço, o saldo do antipetismo foi mais negativo para o país do que positivo, pois resultou no fechamento de postos de trabalho, na desvalorização do salário, na inflação, nas reformas trabalhista e da previdência, no desmantelamento de políticas sociais, na crise institucional e no fortalecimento da antipolítica.

Por força da conjuntura, o PT volta ao governo e tenta mirar o máximo possível na situação político-econômica de meados de 2013, que era de pleno emprego, maior estabilidade democrática e quando chegamos ao patamar de sexta economia do mundo.

Hoje, os dados da economia voltam a ser otimistas. O neoliberalismo já demonstrou nada ter a oferecer neste campo e acaba abrindo largo espaço para o discurso antissistêmico, nascedouro do fascismo. Nas redes, a difusão da raiva e dos absurdos encontra eco e aqui estão algumas chaves do entendimento da polarização recente.

O PT segue sendo um protagonista impulsionador das lutas populares no país e um dos agentes que fazem uma leitura mais precisa da conjuntura. Talvez a eleição da capital São Paulo venha a ilustrar empiricamente, em breve, o objeto deste artigo. Este pleito avançará também nos desdobramentos do início do atual ciclo petista, marcado pelo primeiro ano do governo Lula III. Nesta cidade  bastante proletária, os votos petistas já foram testados várias vezes, sobretudo através das vitórias de Erundina, Marta e Haddad. Hoje, Guilherme Boulos, do PSOL, sabe que não pode fugir do diálogo com os petistas para galgar tais votos. Por outro lado, o antipetismo ainda tem suas garras cravadas nos paulistanos, o que inviabiliza uma candidatura própria forte. Vejamos com atenção os desdobramentos destes processos, ao longo de 2024.

*Agradeço a revisão técnica e crítica de Natália Veiga. 

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