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André Del Negri

Constitucionalista, professor da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS).

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O Brasil não é para principiantes

Enfrentar a realidade, hoje, é, sobretudo, enfrentar as tentativas de novos golpes

(Foto: REUTERS/Diego Vara)
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“David, o Brasil não é para principiantes”, teria dito o compositor Tom Jobim em meados 1960 (aqui). David Zingg era um fotógrafo estadunidense que passou a morar no Brasil. Sim, foi para ele que Tom Jobim disse a célebre frase, aqui com a troca de adjetivo e adaptada, por nossa conta e risco, para “O Brasil não é para amadores”. Talvez – muita atenção ao advérbio talvez –, Jobim quisesse alertar para a necessidade de destreza ou “ginga” (!). 

De tudo, sintetizamos: o Brasil foi colônia por mais de três séculos. A Independência conservou a escravidão e a proclamação da República remonta a um marechal monarquista. Neste passo, houve o surgimento do Estado Novo, que revogou a República Velha, e a ditadura militar, que derrubou a República Nova. Aceite-se, pois, que o Brasil sempre sofreu com tendências autoritárias. E o dizemos, forte em estalão de 1964 a 1985, já que, carregamos o histórico de ditadores fardados presidindo o Brasil. Com a Constituição de 1988, que se esforça para não ser cancelada, os tempos são de muita confusão. 

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Há, por certo, no caminho, como erosão constitucional, o Golpe de 2016 e a derrubada de Dilma Rousseff da presidência da República. E se isso não bastasse, na fila, em 2018, o lawfare praticado contra o presidente Lula da Silva, e, por consequência, a via aberta para a eleição de Jair Bolsonaro. 

Enfim, enfrentar a realidade, hoje, é, sobretudo, enfrentar as tentativas de novos golpes de Estado, a exemplo do que sucedeu a partir do resultado oficial das eleições de 2022, que afiançou a vitória de Lula da Silva, acontecimento que não foi bem-vindo por grupos bolsonaristas, que logo exercitaram atos fascistoides e bloquearam estradas pelo país afora (ler aqui). 

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Ora, tal “patriotismo” de ocasião parra derrubar governos legitimamente eleitos é algo que deve ser repudiado. É que a relutância de grupos bolsonaristas em não aceitar o resultado nacional das urnas acaba por cercear a ideia de democracia política. A literatura sobre o assunto é volumosa. O professor polonês Adam Przeworski pode resumir-se ao efeito que queremos demonstrar. Vem ao primeiro caso que “democracia é um arranjo político no qual as pessoas escolhem governos por meio de eleições”. Vem ao segundo, que “democracia é simplesmente um sistema no qual ocupantes do governo perdem eleições e vão embora quando perdem” (ver aqui). Eis o relevo: findo o mandato, a parte que perdeu a eleição, poderá – no próximo pleito eleitoral – se transformar em grupo maioritário e governar, tudo, aliás, dentro dos mesmos espaços e das mesmas regras jurídico-políticas que levaram um grupo a se eleger. Por outro lado, se os perdedores não obedecem às regras do jogo, incluindo o uso de meios violentos contra o Estado de Direito – como fizeram os grupos bolsonaristas na história recente do Brasil –, tem-se um evidente retrocesso democrático. 

Em ampliação histórica, ocorre lembrar a conspiração nos quartéis (ver aqui), o raciocínio esdrúxulo em relação ao artigo 142 da Constituição e o desejo de intervenção militar (ler aqui), o plano criminoso arquitetado por empresário bolsonarista para explodir uma bomba próximo ao Aeroporto Internacional de Brasília (aqui), bem como a Intentona de 8 de janeiro de 2023, que culminou na invasão e destruição do Congresso Nacional, do Supremo Tribunal Federal e do Palácio do Planalto (aqui). E cabe, sim, para esses casos, falar da Lei de Defesa do Estado Democrático de Direito (Lei nº 14.197/2021) e a aplicação rigorosa dos artigos 359-L (abolir o Estado de Direito), 359-M (golpe de Estado) e 359-R (ataque a instalações). 

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Depois da passagem de Bolsonaro pela presidência da República (2019-2022), ficaram para trás os destroços de uma autêntica necropolítica (ver aqui). Cumpre considerar o aniquilamento de políticas públicas, o colapso na educação, o ataque ao sistema eleitoral, o aumento da fome e a fragilidade socioambiental dos povos indígenas, com rios poluídos de mercúrio pelo garimpo genocida, como foi o que aconteceu na terra indígena yanomami. Até vale uma observação agora: em nefandas falas, Bolsonaro sem exceção defendeu que as reservas indígenas fossem exploradas pelo garimpo (ver aqui), e, reiteradamente, protestou contra as políticas indigenistas e ambiental e os direitos humanos (ver aqui). Se não bastassem as promessas de campanha, o então presidente assinou o Decreto nº 10.966/2022 que autorizou o garimpo em terras indígenas (aqui). Por isso que se trata de uma dizimação planejada contra o povo yanomami.

No período medonho de 2019 a 2022, o fascismo mais sólido que se viu no Brasil ostentava pautas políticas encharcadas de golpismo, visto que até uma minuta de decreto para instituir um estado de Defesa no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) foi encontrada na residência de um ex-ministro de Estado (ver aqui), já que seria a base de costura para juntar-se a outro plano golpista, o qual, a priori, haveria de passar por uma gravação clandestina de ministro do STF (aqui). É isso, enfim, o suposto plano de golpe, enredo que começou com a minuta de Anderson Torres (ex-ministro da Justiça do governo Bolsonaro) e continuou com a trama envolvendo o senador Marcos do Val e o ex-deputado Daniel Silveira para gravar Alexandre de Moraes ilegalmente (ver troca de mensagens aqui). 

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Por evidente, tudo urdido por um governo afeito à virilidade e rearranjos em torno das noções de pátria, família e religião, embora com ânsia de morte e destruição. Enfatizamos, por isso, a advertência do historiador Luiz Antonio Simas: “O Brasil não é, nunca foi, um consenso. O Brasil é um confronto” (aqui). 

Isso nos leva à consciência de que, afinal, o Brasil é um país que definitivamente não é para principiantes.

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Referências

Brasil de Fato. Discurso de Bolsonaro dá “carta branca” para matar, dizem indígenas. YouTube, 30 jul. 2019 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=I553K1GfScg. Acesso em: 30 jan. 2023.

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CESARINO, Letícia. O Brasil punirá apenas os soldados rasos da extrema-direita? Carta Capital, 8 jan. 2023. Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/opiniao/o-brasil-punira-apenas-os-soldados-rasos-da-extrema-direita/. Acesso em: 30 jan. 2023.

Diário Oficial da União (DOU). Publicado em: 14 fev. 2022. Disponível em: https://in.gov.br/en/web/dou/-/decreto-n-10.966-de-11-de-fevereiro-de-2022-379739340. Acesso em: 30 jan. 2023.

Folha de S. Paulo. Eleições 2022. “Bolsonaristas fazem mais de 300 bloqueios em estradas de 25 estados e no DF; PRF não intervém.” São Paulo, 31 out. 2022. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2022/10/caminhoneiros-bolsonaristas-bloqueiam-estradas-em-ao-menos-11-estados.shtml. Acesso em: 30 jan. 2023.

MANJABOSCO, Ângelo Augusto. O Brasil não é para principiantes: Lew Parrela, George Love e David Zingg, fotógrafos norte-americanos na Revista Realidade (1966-1968). Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-Graduação Interunidades em Estética e História da Arte da Universidade de São Paulo – USP, São Paulo, 2016, p. 140f. Disponível em: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/93/93131/tde-20072016-123746/publico/dissertacao_angelo_manjabosco_texto.pdf. Acesso em: 31 jan. 2023.

MARTINS, Rafaela; GRIGORI, Pedro. Jornal Correio Brasiliense. “Bolsonarista tentou explodir bomba no Aeroporto para ‘chamar atenção ao movimento”. 25 dez. 2022. Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/cidades-df/2022/12/5061383-bolsonarista-tentou-explodir-bomba-no-aeroporto-para-chamar-atencao-ao-movimento.html. Acesso em: 30 jan. 2023. 

MBEMBE, Achille. Necropolítica. Arte & Ensaios. Revista do Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais da Escola de Belas Artes, UFRJ, n. 32, 2016, p. 123-151.

MELCHIONNA, Fernanda. O principal responsável pela crise humanitária dos Yanomamis já deixava clara a sua intenção desde o início: o extermínio dos povos originários. Precisa ser responsabilizado. Sem anistia! 30 jan. 2023. Instagram Reels, @fernadapsol. Disponível em: https://www.instagram.com/p/CoDeqTwvi1Z/. Acesso em: 31 jan. 2023.

PASSOS, Rachel Gouveia. Nunca foi loucura, sempre foi golpe! Le Monde Diplomatique, 9 jan. 2023. Disponível em: https://diplomatique.org.br/nunca-foi-loucura-sempre-foi-golpe/. Acesso em: 30 jan. 2023.

PRZEWORSKI, Adam. Crises da democracia. Rio de Janeiro: Zahar, 2020, p. 29.

SIMAS, Luiz Antonio. Tweet, 8 jan. 2023. Disponível em: https://mobile.twitter.com/simas_luiz/status/1612174498509524992. Acesso em: 31 jan. 2023.

STRECK, Lenio. A hermenêutica do curupira! Revista Consultor Jurídico – Conjur, 23 jan. 2023. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2023-jan-23/lenio-streck-hermeneutica-curupira-viva-oab-ba. Acesso em: 30 jan. 2023. 

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