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Rui Abreu

Diretor-executivo na área da publicidade. Foi autarca eleito pelo Bloco de Esquerda em Oeiras, Lisboa na década de 2000. Teve uma passagem pela Noruega onde colaborou com a associação sindical Fellesforbundet

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O cálculo de Biden

A relação de forças no Brasil trouxe três cenários possíveis no final de mandato de Bolsonaro para a Casa Branca analisar

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A eleição brasileira no mundo de hoje

A liberalização comercial global do início deste milênio parecia desenhar uma predominância econômica singular dos EUA. O seu domínio tinha-se agigantado desde a queda do muro de Berlim e não havia no horizonte nenhum vulto que pudesse assombrar os interesses globais das corporações norte-americanas.

Como na época das navegações quinhentistas, em que evoluções técnicas de navegação permitiram portugueses, espanhóis e italianos dar um globo ao mundo em nome de seus reinos, também o florescimento da economia digital se desenhava para as empresas americanas dominarem o comércio globalizado. Já o GPS garantia orientação à maior máquina de guerra alguma vez vista. Terra, mar, ar e espaço pareciam domesticar-se a um só dono. Com a motivação imperialista certa e com os meios técnicos e tecnológicos certos, a globalização tornou-se uma inevitabilidade pronta a satisfazer a gula capitalista estadunidense.

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Tudo isso, não fosse a China.

A potência asiática revelou ser a que melhor se des(envolveu) com a globalização. Primeiro tomando a industrialização como tarefa primordial, que a alçou a “fábrica do mundo”, passando pela afirmação da sua presença comercial internacional,  culminando atualmente na disputa da tecnologia de ponta: da nano à espacial; da construção civil aos equipamentos necessários à transição ambiental. Seu ascendente internacional permitiu adquirir setores estratégicos de países terceiros (como os energético e de mineração), garantindo recursos para o seu grande crescimento econômico, tendo sido o motor do crescimento mundial dos últimos vinte anos. Seu PIB aumentou anualmente em média 6,5% na última década.

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Os indicadores apontam que a China não só será a maior como também será a mais desenvolvida economia do planeta no final desta década. Cientistas e investigadores chineses já têm um número de trabalhos científicos publicados superior aos EUA, garantindo à China dominar a economia do futuro. 

Tudo isso não fosse a guerra.

A incursão militar da Rússia na Ucrânia aparece como um “chega para lá” de Putin às constantes investidas dos EUA, que através da OTAN tenta colocar suas bases e armamento cada vez mais próximos das fronteiras russas. Também a violência permanente de forças neonazistas ucranianas sobre populações de descendência russa, nas regiões de Lugansk  e Donetsk (na fronteira leste ucraniana), soaria no discurso oficial russo como firestarter da incursão na Ucrânia. Estas justificações tornam-se mais diluídas quando confrontadas com a anexação de mais duas províncias, Kherson e Zaporizhzhya. Esta última com o bônus de ter a maior central nuclear da Europa, com uma capacidade total de 6000 Megawatts.

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Já a Casa Branca não consegue disfarçar o objetivo de conter a ascensão da China e seus aliados econômicos e políticos russos, nem com o sistema mais poderoso de propaganda da história humana. Através de armamento, formação, inteligência e decisão militar que vão fornecendo às forças ucranianas; os EUA tentam criar as condições para uma guerra de longa duração, com tendências a se alastrar na Eurasia. Situação de imenso desgaste militar, político, econômico e diplomático para a Rússia. Também vão dividindo o globo em dois circuitos econômicos com cada vez menos pontes entre eles, fazendo pressão sobre todos os países para se posicionarem dentro de um ou do outro circuito. Situação que permite interromper parte da atividade comercial da China. Esta, por sua vez, veio construindo nos últimos vinte anos muitas relações comerciais no mundo inteiro e parece resistir à ofensiva “beliconômica” dos EUA, com uma previsão de crescimento de 4,5% para 2023.

É neste contexto de disputa global que a casa branca acompanha as eleições no Brasil. Umas eleições de um país decisivo na nova ordem mundial a estabelecer; pelo território, matérias primas, sua agropecuária, sua população e sua capacidade de influência regional.

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Biden preferiria um presidente do Brasil submisso. Que entregasse empresas estratégicas e muito rentáveis como a Petrobrás, que destruísse a indústria colocando o Brasil na dependência de importação de produtos estadunidenses, que colocasse à disposição do sistema de guerra do império o imenso território brasileiro, que oferecesse o centro de lançamento de foguetões de Alcântara e, principalmente, que adotasse posições anti China e que desvalorizasse os BRICS. Biden preferiria Bolsonaro!

Tudo isso não fosse Trump.

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O pesadelo das democracias capitalistas 

A chegada de Trump à política trouxe uma crise institucional enorme ao sistema democrático liberal consolidado há mais de um século nos Estados Unidos da América. A sua imagem de homem fora do establishment daria uma aura anti-sistema a Trump, capitalizando a desconfiança crescente da população num sistema que exclui centenas de milhões de trabalhadores/as da imensa riqueza do país.

Aplicando uma metodologia quase laboratorial, a extrema direita estadunidense veio lenta e sistematicamente a erodir todos os pilares da democracia liberal. No judiciário, a indicação de ministros ultra conservadores para os tribunais superiores garante um recuo nos direitos civis e sociais e uma marcação constante da agenda política com a pauta de costumes; no legislativo, a eleição de representantes neofascistas garante suporte do congresso à agenda reacionária, paralisando qualquer iniciativa de foro progressista de parlamentares mais à esquerda ou do governo; a mídia corporativa foi totalmente descredibilizada e substituída pelo contato sem intermediários estabelecido nas redes e plataformas; e a sociedade civil organizada foi perseguida e desestruturada. 

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Todo o processo só foi possível com a cumplicidade lucrativa das Bigtech das ações criminosas praticadas online: venda de bases de dados da população, disparos em massa, microdirecionamento e as tão vulgarizadas fake news. Já o judiciário foi cúmplice das Bigtech.

O circuito fechado de comunicação que o neofascismo criou com a população mostrou todo o seu poder durante a pandemia, fazendo um combate cerrado à ciência, provocando milhões de mortes evitáveis e com consequências ainda hoje em todas as ações de vacinação em curso. As eleições também são momentos fortes da comunicação neofascista. Nos EUA, surgiu um movimento de grande amplitude para não reeleger o empresário nova iorquino, conseguindo eleger Biden mas só devido à gestão homicida que Trump fez na pandemia; no Brasil só um fenômeno de popularidade como Lula pode enfrentar a máquina infernal de comunicação de Bolsonaro.

Também na economia o domínio ideológico se faz sentir, cumprindo o papel de suporte político da brutal acumulação de lucros dos bilionários, que o neoliberalismo tradicional já não consegue desempenhar. O discurso neoliberal não ganha eleições em lado nenhum há vinte anos e Trump e Bolsonaro entregaram aos bilionários o que Biden e FHC só poderiam sonhar. Nestes homens do sistema que se apresentam como anti sistema, o capitalismo encontrou mais uma forma de enganar a população.

Daí a reação tardia e anêmica dos poderes institucionais, em particular o judiciário, como podemos observar na reta final das eleições brasileiras. É saudável para a interpretação social não esquecer o que a vaza jato revelou: ministros do STF e outros agentes do judiciário encontraram-se com representantes dos maiores bancos mundo, alguns dos EUA, em 2018, sob a pauta das eleições brasileiras. Terão havido encontros em 2022? E o que discutem nesses encontros?

O cálculo de Biden 

A relação de forças no Brasil trouxe três cenários possíveis no final de mandato de Bolsonaro para a Casa Branca analisar. Todos com suas contradições e menos favoráveis que a normal relação de subordinação do Brasil aos interesses das corporações norte-americanas que marcaram os últimos 60 anos (com interregno nos governos PT), distanciando-nos mais da antiga ordem mundial hegemônica dos EUA.

No primeiro cenário em que Lula vence e Bolsonaro não recorre a golpe, a Casa Branca tenta criar pressão sobre o novo governo através das elites financeiras locais, tentando cativar a maior fatia possível da economia para o programa neoliberal.

Para Biden não seria o parceiro ideal mas traria alguns benefícios para o discurso de consumo interno, com destaque para a agenda ambiental, tema que começa a ser caro à população estadunidense, uma população cada vez mais fustigada pelas catástrofes climáticas. 

Externamente, e no que ao império americano mais interessa, seria um problema o posicionamento multipolar de Lula e sua afeição pelo desenvolvimento dos BRICS, contrariando a tentativa de bloquear o acesso econômico de Rússia e China ao atlântico sul. Seria assim uma relação inicialmente cordata em termos diplomáticos mas muito chantagista em termos econômicos, com tendência de deterioração rápida à medida do desenvolvimento das relações entre Brasil e China. Interesses do império colocados em sério risco a médio e longo prazo.

Num segundo cenário teríamos a vitória de Lula mas Bolsonaro recorre a um golpe miliciano militar, o qual teria um desfecho imprevisível e que a casa branca se distanciaria desde o primeiro momento por causa da tentativa de invasão do Capitólio em 6 de janeiro de 2021 pelos apoiadores de Trump e as consequências políticas e sociais que ainda reverberam na sociedade estadunidense. A relação seria de avaliação permanente de acordo com a evolução da situação política brasileira. Instabilidade desapreciada pelo império que já tem sua dose de instabilidade global para gerir. 

No terceiro cenário, Bolsonaro ganha e conduz o golpe por dentro das instituições, alterando a composição de tribunais superiores e a legislação que compreende direitos civis, sociais e políticos. A democracia liberal brasileira evoluiria rapidamente para óbito.

Seria uma derrota para o campo do partido democrata norte americano, com a eleição do grande parceiro a sul de Trump. Por outro lado seria uma montra permanente dos horrores sociais e ambientais que Bolsonaro continuará a promover, o que facilitaria o combate  político a Trump que tutela atualmente o partido republicano e, se a justiça não o impedir, perfila-se para ser o candidato do GOP¹ para as eleições de 2024.

Já os interesses do império seriam mais respeitados, sendo Bolsonaro o capacho perfeito para colocar o Brasil à disposição dos EUA no conflito contra a China.

Embora não possa admitir politicamente, Biden administraria melhor as relações do império com uma vitória “democrática” de Bolsonaro, colocando-se esta como a situação que menos prejudica os interesses imperialistas dos EUA, embora crie alguma dificuldade e embaraço internamente ao atual presidente e à democracia liberal existente. Mas há coisas mais importantes para o império que a democracia liberal, e o presidente dos EUA tem de as considerar ao fazer suas contas. 

Os representantes brasileiros do império parecem ter entendido esse cálculo. Talvez seja esse entendimento que explique o pouco interesse da (antes implacável e sempre disponível) mídia corporativa em esmiuçar as histórias abundantes de corrupção que gravitam à volta do governo, com saliência para a família presidencial. Talvez seja essa compreensão que explique a inércia olímpica que tomou conta da justiça eleitoral na reta final da eleição perante a avalanche de crimes eleitorais cometidos diariamente por Bolsonaro e suas hostes.

São dúvidas a que o tempo trará certezas. 

Certo é que se não fecharem Telegram e WhatsApp em período eleitoral, talvez nem o maior intérprete popular da história política brasileira possa vencer o neofascista Bolsonaro. Certo é que para o vencer, Lula e a esquerda só tem seu único aliado de sempre, que os ladeou em todas as lutas: na eleição,no golpe e na prisão. Só o povo brasileiro pode impedir que o império subjugue o Brasil, com mecanismos de tortura e morte que o Bolsonarismo sabe performar.

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