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Álvaro Maciel

Administrador, contador, compositor, está membro do Conselho Municipal de Cultura do Rio de Janeiro e mestrando em Sociologia Política – IUPERJ/UCAM

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O Carnaval e a Identidade do Povo Negro Brasileiro

Desfile da Imperatriz Leopoldinense no carnaval do Rio (Foto: Ismar Ingber/Riotur)
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Agora sim o ano começa de verdade. O carnaval fica para trás e nossa vida volta ao normal, ou, como foi previsto há dois anos, ao novo normal. No entanto, após uma semana, eu quero voltar à pauta dos membros da comissão julgadora do desfile das escolas de samba do Rio. Logo após a apuração das notas e divulgação dos resultados, eu soltei uma frase nos meus grupos de aplicativo: “meu olhar pode parecer crítico demais, mas quero chamar a atenção para o perigo da distinção social e racial que persiste na escolha dos membros da Comissão Julgadora do Desfile das Escolas de Samba do Rio de Janeiro”. Recebi muitas mensagens de apoio, e hoje, uma semana depois, eu reforço minha crítica e reafirmo que precisamos sim de um olhar mais atento para enxergar como esses desvios de conduta, em relação à questão racial, prejudicam milhares de pessoas em nosso país. Não podemos considerá-los comuns na nossa vida.  O que vimos se revelar na apuração do Grupo Especial, aqui no Rio, foi um critério bastante equivocado em relação ao perfil das pessoas “selecionadas” para julgar os desfiles. 

Ora não podemos esquecer que o povo negro é parte formadora deste país, que o Brasil é branco, moreno e negro, em sua formação, e que o carnaval 2023 foi um show maravilhoso! Um espetáculo nacional, universalizado pela mídia. Uma produção gigantesca, complexa e emocionante que mostrou, mais uma vez, a capacidade criativa e organizativa de diversas comunidades, representadas por suas agremiações. E por que não há pessoas negras no júri?  Foi como muito bem frisou a Professora Doutora Helena Theodoro, em entrevista à EBC – Empresa Brasileira de Notícias, essas comunidades foram fundadas por pessoas ligadas às religiões de matriz africana e o carnaval do Rio de Janeiro é visto no mundo inteiro e que as escolas de samba representam o Brasil, assim como o samba, a capoeira, o jongo, as baianas, o acarajé, a feijoada, etc. são elementos culturais de origem negra.

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Está na hora de estreitarmos a relação com a LIESA

Esse olhar do branco sobre a cultura negra pode sim ter influenciado a qualidade das notas e do resultado. Sem colocar coração e emoção nessa análise, eu chamo a atenção para as notas do Império Serrano, por exemplo, uma escola de samba tradicional, que representa o bairro de Madureira e o Morro da Serrinha. Senti a mão pesada demais de quem não entende do riscado.  Poderíamos analisar as notas de outras escolas, mas não é esse o objetivo desse texto.  Não quero questionar o resultado final. Não é nada a favor ou contra qualquer agremiação nem contra a LIESA.  Repito, foi uma festa maravilhosa.  O que avalio aqui é o critério de escolha dos membros da Comissão Julgadora. Afinal o carnaval é uma festa do povo e feita povo. Não há distância entre artista e público, dirigente e componente, estreantes e mais antigos, tradição e inovação.  Se o carnaval é festa do "tamu junto e misturado", como podemos aceitar que na Grande Manifestação Popular da Cultura Negra, que figura entre as maiores do Planeta, o olhar de avaliação seja 100% branco?  Como podemos aceitar a distinção racial como critério que exclui pessoas negras da fase da avaliação? Ao povo negro será negado o direito de avaliar sua própria produção? Não. Não podemos aceitar essa relação de dominantes e dominados sem qualquer uma reação de resistência. Suspiro e respiro antes de continuar. 

Quero chamar a atenção dos membros dirigentes e participantes dos diversos movimentos negros. Vimos nossa galera nos barracões, na fila para compra dos ingressos, nos ensaios nas quadras, na formação das baterias, na disputa dos sambas-enredo, nos ensaios técnicos, enfim, na alegria de suas fantasias, na melodia e no canto durante o desfile. E por que não podemos ver nossa gente como parte da Comissão Julgadora? Em sua entrevista à EBC, a Dra. Helena Theodoro resumiu bem a questão ao afirmar que "É um absurdo ter 36 jurados e não ter um negro sequer para avaliar uma manifestação que é, basicamente, de base africana. É preciso conhecer essa cultura para saber o que está sendo feito e como aquilo pode ser avaliado dentro de olhares voltados para a tradição que está sendo representada ali”. Em resposta, a direção da LIESA soltou uma nota, enviada à Agência Brasil de Notícias, em resposta às críticas recebidas, sobre a falta de pessoas negras no júri, na qual explica que se orgulha de poder contar com a participação de profissionais experientes, talentosos e de variadas áreas de atuação.  Afirmou ainda que houve amplo e rigoroso processo de escolha. Uma “seleção com base em currículos, conhecimento de carnaval e histórico de carreira, sem que haja qualquer distinção à cor da pele ou identidade de gênero”.  Na mesma nota a LIESA faz um interessante destaque, em defesa do processo inclusivo ocorrido, em defesa da mulher. A diretoria afirma “que pela primeira vez na história, uma mulher, a percussionista Mila Schiavo, foi escolhida para avaliar o quesito bateria, o que tradicionalmente é feito por homens em uma cultura que agora começa a ser modificada.”. 

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O Carnaval e a Construção de Espaços Democráticos

É evidente que este ponto é positivo e louvável. Acho, inclusive, ser este o gancho de abertura para avançarmos no diálogo com a instituição. Aplaudimos a inclusão da mulher, mas não podemos abrir mão da inclusão racial. Espero que a partir dessa resposta da LIESA possa haver algum avanço no sentido da promoção do bom diálogo a respeito da democratização dos espaços do carnaval.  Não podemos admitir que por conta da questão de currículo ou de comprovação de experiência que as pessoas negras deixem de transitar nos espaços decisórios do carnaval. Precisamos pensar novos formatos que possam resolver os atuais entraves, haja vista à iniciativa da Ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, que criou um banco de currículos de pessoas negras e trans para democratizar a entrada de profissionais no serviço público federal. Ao que tudo indica, essa iniciativa será permanente e já está funcionando para indicar funcionários a órgãos federais. Um banco de currículos seria uma boa ideia para a LIESA? Acho que sim, com as devidas adaptações. Deve haver outras opções. O principal é haver boa vontade para avançar. 

Por mais que pareça ser uma conversa localizada essa discussão tem amplitude universal, pois, estamos falando de racismo e de relações sociais estratégicas e estruturais. Estamos falando do direito das pessoas negras a sua identidade, terrivelmente atacada a partir do processo histórico de colonização, ou seja, uma identidade negada desde a formação do nosso país. Vale lembrar que o povo negro brasileiro sofreu séculos com a escravização e que, ainda hoje, sofre com sérios problemas sociais, com falta de saúde, transporte, habitação, educação, e com o genocídio da juventude negra.  Sendo o “grito de carnaval” um grito de liberdade é inconcebível que no seio da maior festa popular do país seja permitida a existência de resquícios do pensamento eugenista identificados em ações que procuram sustentar uma suposta hierarquia racial entre pessoas negras e brancas.  

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Ao contrário, ao carnaval cabe outro propósito, aquele de misturar, igualar e mostrar a população negra brasileira de forma positiva e altiva, em todos os espaços da folia. Portanto precisamos entender a importância das manifestações culturais do negro para a construção de sua identidade. Temos muito a avançar no que tange à avaliação das dificuldades e obstáculos enfrentados pelo povo negro no processo de sua incorporação à sociedade brasileira.  O carnaval que por vezes quebrou a lógica da tradição autoritária, na qual muitas identidades foram silenciadas, hoje não pode mais permitir retrocessos em relação ao seu papel de construção de espaços democráticos.

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