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Alex Solnik

Alex Solnik é jornalista. Já atuou em publicações como Jornal da Tarde, Istoé, Senhor, Careta, Interview e Manchete. É autor de treze livros, dentre os quais "Porque não deu certo", "O Cofre do Adhemar", "A guerra do apagão" e "O domador de sonhos"

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O dia em que conheci Brilhante Ustra (4)

"Todos eles têm a cara do Brilhante Ustra", escreve Alex Solnik

Carlos Alberto Brilhante Ustra (Foto: ABr)
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Eu não ficava menos angustiado por ficar sozinho na cela a maior parte do tempo, enquanto O.R. estava no segundo andar, pois a qualquer momento eu também podia ser chamado para confirmar o que ele disse, e além disso me preocupava demais a condição dele, esse negócio de ele ser torturado dia sim, dia não, ele tão franzino, ele que parecia aquele Severino do João Cabral de Mello Neto, igualzinho, eu não queria ser testemunha de um assassinato, não só isso, eu não queria que ele fosse assassinado, só que eu não podia impedir e esse era mais um dos pensamentos sombrios que me ocorria e talvez por isso, sei lá, a gente nunca sabe o motivo real de nada, cismei, de repente de fazer poesia, não sei como começou, pode ser que uma palavra caiu na minha cabeça, ou brotou dela, e dessa palavra veio outra e mais outra e então eu percebi que seria melhor pensar em rimas do que se vou ser torturado daqui a pouco, fazendo rimas eu me ocuparia só com palavras, poesias talvez ingênuas, rimas pobres, eu precisava distrair minha cabeça. 

Embora fosse impossível tirar das minhas retinas o que eu via de cinzento, em frente, e em todos os lados, e eu não queria fechar os olhos, eu precisava vigiar, ouvir, perceber pelo barulho das chaves se o carcereiro está vindo cantar meu nome, era impossível não ver e ficar deprimido olhando aquele muro em frente à cela, minha única visão e nada mais, eu precisava tirar minha cabeça dali para não explodir, porque eu não encontrava respostas para meus mais sinistros pensamentos, melhor passar o dia fazendo rimas, também era para impedir pensamentos que a todo custo queriam me nocautear, queriam fechar todas as saídas, caí numa ARMADILHA e não há quem me tire daqui, fazer rimas me trazia a uma certa normalidade, porque nada do que eu vivia ali era normal, nada daquilo, nenhum daqueles rostos, especialmente os rostos, mas também a mobília, aquelas mesas e aquelas estantes eram testemunhas, os telefones, o rádio, tudo anormal, eu olhava aquelas pessoas que pareciam normais porque não torturavam, o carcereiro, por exemplo, não torturava, mas eu olhava para a cara dele e via a cara do Brilhante Ustra, eu olhava a cara do sujeito aparentemente inofensivo sentado na porta, com a missão de aumentar o volume do rádio quando os gritos são altos demais, nada mais do que isso, não torturava, mas ele tinha a cara do Brilhante Ustra, era igual ao Brilhante Ustra, todos eles têm a cara do Brilhante Ustra, eles se olham no espelho e vêem Brilhante Ustra

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