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Liliana Tinoco Bäckert

Jornalista e mestre em Comunicação Intercultural pela Universidade da Suíça Italiana, apresenta coluna semanal na Rádio CBN e é autora de livro e textos sobre vida no exterior

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O estranho fenômeno do imigrante que se acha nativo

Portugal é hoje destino da maioria dos nossos conterrâneos, a maioria insatisfeita com a violência no Brasil. Uma parte se identifica com a extrema-direita

Brasileiros são discriminados em Portugal (Foto: Sputnik)
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As eleições em Portugal e o crescimento da extrema-direita naquele país me incentivaram a revisitar o surpreendente caso do pobre e do imigrante que não se reconhecem como tal. Descrito nas teorias do psicólogo social Gordon Allport, em seu livro A Natureza do Preconceito, publicado na década de 1950, esse tipo de evento explica a relação entre o contato intergrupal e discriminação. 

Ao trazer as teorias de Allport para os dias de hoje, é possível fazer um paralelo entre a política e a emigração de alguns brasileiros no contexto de Portugal. O país teve há pouco eleições e vem assistindo a um agressivo crescimento do partido de extrema-direita “Chega”, que professa a xenofobia, o racismo e defende inclusive a deportação de imigrantes legalmente instalados no país caso cometam delitos, mesmo leves. Fundado em 2019, o partido chegou ao Parlamento no mesmo ano e atingiu espantosamente a soma de 12 deputados na Assembleia da República nas últimas eleições, em janeiro deste ano.

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Portugal é hoje destino da maioria dos nossos conterrâneos - vivem por lá cerca de 400 mil, a maioria insatisfeita com a violência no Brasil, com o mal desempenho na economia e outras coisas. Paradoxalmente, uma parte desses que vive em Portugal se identifica com a agenda da extrema-direita, mas foi embora porque não tinha emprego ou dinheiro para pagar a escola particular do filho. 

Quando no Brasil, esse grupo específico defende políticas da extrema-direita, quer estado mínimo e o fim de ajudas sociais. Mas quando o calo aperta, vai para além-mar, e esses (não estou falando de todos os brasileiros no exterior) não querem perder as vantagens de se viver com a proteção social de vários países da Europa.

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Dentro deste grupo de contraditórios, percebe-se pelos estudos e pela imprensa tanto brasileira quanto portuguesa, que há quem se identifique como pertencente ao grupo português de direita – mesmo que o chega não goste de estrangeiros, ou seja, deles. 

Obviamente há entre nossos conterrâneos aqueles que emigraram porque tinha montante para obter o Golden Visa – a permissão para viver em Portugal. Esses provavelmente não devem ser influenciados pelas políticas sociais. Entretanto, ainda assim são estrangeiros, categoria tida como “inimiga” do Chega. 

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Mesmo que o partido não mire exatamente nos brasileiros ou estrangeiros ricos, a gente sabe que na prática as inúmeras reclamações xenófobas contra crianças que falam “brasileiro” advém desse tipo de ideologia. E isso incomoda tanto rico quanto pobre por lá. 

Não querer enxergar como os portugueses de extrema-direita nos veem é repetir o fenômeno dos latinos que apoiaram Donald Trump e viram parentes serem deportados. 

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O professor de História da Universidade de Estadual de Ponta Grossa, Luis Fernando Cerri, afirma que essa esquizofrenia teria relação com a formação colonialista e escravista da sociedade brasileira, que sempre contou com uma classe média remediada para auxiliar os opressores, ao mesmo tempo em que vivia morrendo de medo de cair para o nível inferior. Segundo ele, nossas elites, portanto, não são a expressão do que de melhor há em nosso povo, mas uma casta que não se identifica com o próprio povo. 

Mas voltando à teoria de Allport, o fato de imigrantes apoiarem a ideia de querer “acabar com as mamatas sociais”, mas que no exterior se utilizam das benesses, é um bom exemplo do que o psicólogo chama de “ampliação do significado do grupo conforme as necessidades e medos de quem escolheu aderir”. 

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Portanto, o alargamento ou estreitamento da possibilidade de adesão, ou seja, de quem poderia obter a carteirinha do clube, é plástico e depende dos medos e necessidades desse indivíduo. Nesse caso, o conceito de pertencimento ao grupo foi ampliado para caber os simpatizantes que são contra ajudas sociais no Brasil, mas que necessitam no exterior, criando-se uma subcategoria. O problema é que esses “sócios” não perguntaram aos donos do clube, no caso ao Chega e aos portugueses simpatizantes, se eles os aceitarão. É tipo “não conta para ninguém que eu me considero português, mesmo que eu na verdade não seja”.

Deve haver também o grupo dos que já entraram no país e querem mesmo é que as fronteiras se fechem para os semelhantes, sic, desiguais – eles não querem se assemelhar aos conterrâneos pobres.

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Em sua teoria, o psicólogo argumenta que o senso de pertencimento é uma questão estritamente pessoal. Mesmo dois integrantes de um mesmo grupo podem enxergar a composição de forma totalmente diferente. Você já deve ter ouvido a frase de quem quer se diferenciar: “Ah, mas eu sou diferente! Eu não sou como esses outros”. 

Desse imbróglio, fica a reflexão: as teorias de Allport nos permitem avaliar o quão “perdido e confuso” podem ficar os sem consciência de classe, assim como um estrangeiro que quer tanto pertencer a um grupo que admira, como o dos portugueses ricos ou dos nativos do país onde vive, por exemplo. 

Para evitar equívoco ou dar asas à neurose, fique com a coerência – funciona para tudo, assim como canja de galinha e prudência. 

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