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Rui Abreu

Diretor-executivo na área da publicidade. Foi autarca eleito pelo Bloco de Esquerda em Oeiras, Lisboa na década de 2000. Teve uma passagem pela Noruega onde colaborou com a associação sindical Fellesforbundet

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O magnetismo imperialista

Joe Biden, Xi Jinping e Lula (Foto: Reuters | Ricardo Stuckert/PR/Fotos Públicas)

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A recusa do governo Lula aos governos alemão e francês de enviar munições e armamento para a Ucrânia e a votação de Fevereiro deste ano na Assembleia Geral da ONU que colocou o Brasil do lado da resolução patrocinada pelos EUA, indiciava um posicionamento zigzagueante do governo Lula em relação ao conflito que vem dividindo o mundo: a guerra dos EUA contra a sua perda de hegemonia global.

Visitando primeiro Washington e depois Pequim, Lula parece ter feito as contas para o presente e futuro do seu país e entre ficar do lado dos EUA ou do lado da China, Lula escolheu o lado do Brasil, evidenciando o óbvio de qualquer país soberano: que não são os EUA que determinam as opções políticas e econômicas do Brasil. Seria uma mensagem de fácil assimilação para o país que se autointitula como fonte da democracia do mundo, não fosse a exportação desse modelo de democracia liberal apenas mais um instrumento de domínio dos EUA sobre os outros países. Para o império, a democracia dos outros países só é válida sem soberania.

Lula assumiu a presidência no dia 1 de Janeiro de 2023 e a partir desse dia o Brasil recuperou seu lugar de fala no cenário internacional, uma fala que tenta trilhar um caminho autónomo, próprio de um grande país à procura de o ser. Como afirmamos no artigo publicado no Brasil247 em 12 de Outubro de 2022 "O cálculo de BIden", o cenário da eleição de Lula confirmou-se e a sua aproximação à economia chinesa e a promoção dos BRICS trarão fortes consequências para o domínio norte americano, como tal será inevitável a reação dos EUA. Resta esperar o que fará o império estadounidense que não aceita autonomia e independência no continente americano além da sua, classificando como inimigos quem ousa fazê-lo.

O modelo brasileiro

Após seis anos de desmonte do estado brasileiro e de entrega ao capital nacional e internacional das riquezas que pertencem a toda a população , seria de esperar um início difícil para a nova governação, mas só o exercício concreto do poder presidencial (que na atual conjuntura está longe de ser o Poder) torna compreensível a asfixia econômica criada pelas amarras neoliberais. Teto de gastos, taxa de juros do Banco Central, reforma da legislação trabalhista, reforma da previdência, precarização laboral, arrocho salarial, dividendos bolsistas sem taxação, isenções e benefícios fiscais para mega empresários; são partes integrantes da nossa realidade concreta que sucessivos congressos converteram em Lei. 

É cada vez mais claro que a balização em níveis muito baixos do investimento público e com as taxas de juro do Banco Central mais altas do mundo (após retirar a inflação), não existe capacidade de investimento privada nem pública na economia brasileira. Se juntarmos a queda do consumo das famílias trabalhadoras e mesmo considerando os programas sociais (re)lançados pelo governo, fica uma equação econômica muito difícil de solucionar. Como desenvolver o Brasil em torno dos novos paradigmas econômicos sem desfazer as amarras neoliberais? Como abraçar a transição energética, a economia digital, uma economia qualificada que dê aos/às seus/uas trabalhadores/as emprego com condições dignas, uma economia de valor acrescentado sem alterar as regras do jogo?

Tem sido recorrente o Presidente Lula manifestar-se contra essas amarras, salientando que sem romper com algumas delas não tem como o Brasil sair da crise e criar um projeto de desenvolvimento que inclua seu povo. Discurso que ao não encontrar eco nas casas legislativas torna-se cada vez mais necessário fazer-se ouvir junto da população. Só uma dinâmica popular pode contrariar a economia neoliberal instalada e protegida por Lei no Brasil. Uma dinâmica que está difícil de emergir e ocupar o espaço público com pautas econômicas e sociais. Uma dinâmica que tem estado adormecida nestes primeiros 100 dias de governação.

De um congresso reacionário e amplamente neoliberal não é espectável que hajam grandes alterações legislativas às amarras legais neoliberais; também sem a dinâmica popular que faça pressão sobre o congresso, a instauração de um projeto de governação popular fica sem alimento econômico e político.

De todas as possíveis forças propulsoras da economia, resta apenas avaliar o peso do investimento estrangeiro, de quem vem e em que condições.

O amigo externo não faz milagres

Mesmo depois de ter destruído parte significativa da capacidade de consumo das famílias e por isso ter afastado muitos projetos industriais destinados ao consumo interno, o Brasil mantém fatores de atração ao investimento estrangeiro. Seja em obras públicas estruturais que têm o lastro do orçamento público, seja no setor agroextrativo que tem das maiores reservas do mundo, seja no setor industrial em áreas que o Brasil tem provas dadas como a biotecnologia ou ecoeconomia; o Brasil é um ponto de atração do capital mundial. Contudo, esse investimento não é neutro quanto à economia que vai capitalizar, dependendo a sua atuação do modelo de desenvolvimento escolhido pelo Brasil.

Como sobejamente comprovado por muitos governos intreguistas, a entrada de capital estrangeiro na economia brasileira tem obedecido a uma lógica de apropriação de setores estratégicos como o energético e mineração e, nos últimos anos, até de saque de ativos estatais.

O investimento estrangeiro pode alavancar um projeto de desenvolvimento econômico qualificado, soberano e sustentável (como Lula defende), como pode promover o saque generalizado das riquezas nacionais, como temos assistido nos últimos anos em que ativos nacionais são vendidos a multinacionais estrangeiras na lógica do saque, em que a Petrobrás é o maior exemplo. Temos, assim, um dinheiro que vem do estrangeiro mas que só pode ser direcionado de acordo com a economia estabelecida internamente. 

Perante as atuais condicionantes neoliberais, que promovem uma economia agroextrativista e financeirizada, qualquer investimento trabalhará a longo prazo contra os interesses do povo brasileiro. E não serão governos estrangeiros que vão desfazer esse modelo, por mais boa vontade que tenham. A implantação de um modelo econômico que preserve a soberania e que promova a qualidade de vida da classe trabalhadora depende exclusivamente dos/as brasileiros/as. 

Esta é a disputa do Presidente Lula, por uma economia que invista num povo qualificado, reconhecido e recompensado. É neste sentido que promove a luta política contra Campos Neto e outros tantos representantes dos bilionários para que possa desfazer as amarras neoliberais, orientando também a captação de investimento estrangeiro dentro de um plano maior de desenvolvimento industrial moderno. 

Ao firmar mais de uma dezena de acordos com o governo chinês, Lula desafia o plano que a elite econômica brasileira tinha estabelecido para o Brasil: ser fonte de comida, minérios, energia, brutais lucros financeiros e base territorial para o domínio dos EUA nas Américas. Lula desafia ainda mais o papel do Brasil na concepção do império ao anunciar a superação do dólar nas suas relações comerciais com a China. Anúncio que ao materializar-se será um rombo na economia e política dos EUA, chamando para dentro da economia norte americana o peso da sua dívida, até agora sustentada pela emissão da moeda internacional de comércio e agravando ainda mais a crise que se abate sobre a classe trabalhadora há décadas. Crise essa que tende a clivar politicamente ainda mais o país.

O magnetismo imperialista

O cálculo do império norte americano quanto ao timing de enfrentamento ao crescimento chinês é simples: antes agora do que quando a China for ainda maior. A guerra na Ucrânia acabou por servir de catalizador a esse conflito mundial que está a dividir o globo politicamente e a quebrar circuitos econômicos. A guerra do império estadounidense contra a sua perda de hegemonia global é mais perceptivel na exigência de posicionamento que os EUA impõem aos outros países, na lógica de: "ou estão comigo, ou estão contra mim". Os EUA são a força motriz para bipolarização global, colocando qualquer tentativa de relações internacionais soberanas no campo inimigo, como a que Lula defende ao dispensar o dólar como moeda nas relações comerciais com China. A burguesia nacional apressa-se a dizer que Lula posiciona o Brasil contra os EUA em vez de reconhecer que a dispensa do dólar nas relações comerciais Brasil/China é uma exigência de uma economia soberana. 

A Casa Branca começa a revelar o seu desagrado com as posições tomadas pelo Presidente Lula através de John Kirby, coordenador de comunicação estratégica do Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca, classificando-as como: "...repetição automática da propaganda russa e chinesa.", reforçando de imediato a lógica bipolar que o império imprime ao conflito. 

Tendo escolhido um representante da terceira prateleira política estadounidense para afirmar a posição norte americana, o império revela ainda que a sua reação ao desaforo soberanista do governo brasileiro será publicamente para já de baixa contundência, servindo essencialmente como apito de cachorro para as elites nacionais brasileiras acirrarem o seu trabalho de combate ao projeto de desenvolvimento que Lula tenta afirmar no Brasil e que foi escolhido pelo povo brasileiro nas últimas eleições presidenciais. Não tardou para que a mídia corporativa mostrasse seu compromisso entreguista com a Casa Branca, publicando editoriais que oscilam entre a crítica sufista e as ameaças de golpe. O império usará mais uma vez seus representantes nacionais para tentar impedir que o povo brasileiro tenha voz e lugar na construção de seu país.

Lula apresenta-se neste seu terceiro mandato como um líder corajoso, enfrentando em seus discursos os grandes interesses nacionais e internacionais instalados em cima da exploração do povo brasileiro. Mas será necessário alterar a relação de forças interna para poder reativar a economia, implantar um modelo de desenvolvimento qualificado, soberano e que inclua a população trabalhadora. Essa alteração é tão necessária para a afirmação de um novo projeto para o Brasil quanto para se defender das forças imperiais. Sem o povo brasileiro acordar será muito difícil o Brasil resistir a tão fortes ofensivas da burguesia nacional e estadounidense. Sem o envolvimento popular nesse novo Brasil a contruir será muito difícil que as elites golpistas do Brasil não façam jus ao seu viés entreguista, e que não procurem novas formas de derrubar o governo Lula, dentro ou fora da Lei.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.

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