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Ricardo Nêggo Tom

Cantor, compositor, produtor e apresentador do programa Um Tom de resistência na TV 247

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O racismo iluminado de Allan Kardec

Allan Kardec (Foto: Divulgação/Instituto IDEAK)
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"Os negros, pois, como organização física, serão sempre os mesmos, como espíritos, sem dúvida, são uma raça inferior, quer dizer, primitiva; são verdadeiras crianças às quais pode-se ensinar muita coisa; mas por cuidados inteligentes, pode-se sempre modificar certos hábitos, certas tendências, e já é um progresso que levarão numa outra existência, e que lhes permitirá, mais tarde, tomar um envoltório em melhores condições." O texto entre aspas poderia ser atribuído a Hitler, a Bolsonaro (que já pesou negros em arroubas) ou a qualquer membro da supremacista Ku Klux Klan.

No entanto, senhoras e senhores leitores, vocês estão a ler o pensamento de uma das mentes mais “iluminadas” e “evoluídas” da história da humanidade. Allan Kardec. Adepto da Frenologia, um estudo pseudocientífico que analisava o caráter e a capacidade mental das pessoas através do formato do crânio, Kardec classificou os negros como seres inferiores que, só conseguiriam atingir a plena evolução espiritual quando reencarnasse como brancos. É exatamente isso que ele quer dizer no texto acima, quando se refere a “um envoltório em melhores condições” Rapaz!

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Como em quase todas as religiões parte dos fiéis se comportam como verdadeiros torcedores de um clube de futebol ou como fãs de uma banda pop star de sucesso, os “Kardecers” logo tratam de passar um pano no chão que o seu mestre sujou, sob a alegação de que ele apenas reproduzia o preconceito vigente à época. Espírito evoluído preconceituoso? A questão, é que o senhor Hippolyte Léon Denizard Rivail, ou Allan Kardec para os espíritas, assim como todo e qualquer ser humano que funda uma religião, uma seita ou uma doutrina religiosa, insere no contexto desta o seu lado pessoal e a sua visão de mundo. Eis o apocalipse particular dos indivíduos que não se encaixam nessa visão.

O trecho inicial desse artigo pode ser encontrado em “Perfectibilidade da raça negra”, um texto publicado por Kardec na Revue Spirit (Revista Espíritta), em abril de 1862. Nesse mesmo texto, o articulista fundador do Espiritismo diz que os negros “são seres tão brutos, tão pouco inteligentes, que seria trabalho perdido procurar instruí-los; é uma raça inferior, incorrigível e profundamente incapaz. ” É bem provável que Kardec também pesasse os africanos em arroubas, o que justifica a boa quantidade de espíritas que apoiaram e ainda apoiam a Jair Messias Bolsonaro, o apontando como um dos escolhidos para transformar o Brasil na “pátria do evangelho”.

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O racismo de Kardec chega a parecer algo “divino” sob a sua escrita. Leiam atentamente o trecho abaixo, ainda em “Perfectibilidade da raça negra”

“Mas, então, porque nós, civilizados, esclarecidos, nascemos na Europa antes que na Oceania? Em corpos brancos antes que em corpos negros? Por que um ponto de partida tão diferente, se não se progride senão como Espírito? Por que Deus nos isentou do longo caminho que o selvagem deve percorrer? Nossas almas seriam de uma outra natureza que a sua? Por que, então, procurar fazê-lo cristão? Se o fazeis cristão, é que o olhais como vosso igual diante de Deus; se é vosso igual diante de Deus, porque Deus vos concede privilégios? Agiríeis inutilmente, não chegaríeis a nenhuma solução senão admitindo, para nós um progresso anterior, para o selvagem um progresso ulterior; se a alma do selvagem deve progredir ulteriormente, é que ela nos alcançará; se progredimos anteriormente, é que fomos selvagens, porque, se o ponto de partida for diferente, não há mais justiça, e se Deus não é justo, não é Deus. Eis, pois, forçosamente, duas existências extremas: a do selvagem e a do homem mais civilizado. ”

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Não duvido que esse texto de Allan Kardec esteja presente no manual do supremacista branco da Ku Klux Klan ou que a sua ideia de superioridade racial tenha inspirado o grupo. Difícil mesmo é acreditar que alguém com pensamentos tão perversos em relação a outros seres humanos, possa ter habitado o planeta terra sob a iluminação superior. Seguindo a pesquisa sobre o tratado espiritual racista de Kardec, encontramos o texto “Teoria da beleza”, que está em seu livro “Obras Póstumas”, de 1890, no qual o espiritualista francês institui a base do racismo recreativo, expressão cunhada pelo jurista Adilson Moreira, e espiritualiza a desumanização dos negros na sociedade. “O negro pode ser belo para o negro, como um gato é belo para um gato; mas não é belo no sentido absoluto, porque os seus traços grosseiros, seus lábios espessos acusam a materialidade dos instintos; podem bem exprimir as paixões violentas, mas não saberiam se prestar às nuanças delicadas dos sentimentos e às modulações de um espírito fino. ” Ficaram chocades? Calma, que ainda tem mais.

Sobre os Cóis e os Sãs, dois grupos étnicos que habitavam o sudoeste da África, e que foram pejorativamente batizados pelos colonizadores europeus como “Hotentotes”, Kardec escreve que “sem dúvida, que o Hotentote é de uma raça inferior; então, perguntaremos se o Hotentote é um homem ou não. Se é um homem, por que Deus o fez, e à sua raça, deserdado dos privilégios concedidos à raça caucásica? Se não é um homem, porque procurar fazê-lo cristão? ” A fonte deste texto é o Livro dos Espíritos, numa versão publicada pelo Instituto de Difusão Espírita, da cidade de Araras, em São Paulo. Aliás, vem da junção dessas duas etnias (cóis + sãs) aquilo que aprendemos a chamar de “coisa”, ao nos referirmos a algo ou alguém considerado estranho, esquisito, feio, mal-acabado, ruim e inferior. Ao que percebemos que muitas expressões que utilizamos em nosso cotidiano, tem origem racista. Como, por exemplo, quando dizemos para alguém parar de “nhenhenhém”, estamos imitando os portugueses que ridicularizavam a fala dos indígenas. O verbo “falar” em Tupi Guarani significa “nhe'eng” e a sua repetição por três vezes, sugere jocosamente uma fala sem sentido.

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O que precisa ser analisado na visão de Allan Kardec em relação aos negros, é o conflito ideológico existente entre o racismo estrutural e o conceito de amor e caridade no qual se baseia o espiritismo. Ou esse amor só deve ser oferecido a quem for branco e perfeito como Kardec definiu? Longe de qualquer tipo de polêmica, precisamos provocar reflexão e o despertar do senso crítico nas pessoas. Pelo menos, naquelas que se propõem a uma verdadeira evolução humana e espiritual. Conceitos como os de Kardec provocaram dor, sofrimento e milhões de mortes de seres humanos ao longo da história. Quando falamos em desconstrução social, precisamos trazer à tona, apresentando provas irrefutáveis, a necessidade de abolirmos certos conceitos da nossa sociedade. Muitos desses, forjados sob a auto iluminação de seres humanos que, talvez, precisassem reencarnar num “envoltório” preto para sentirem na pele a dor que a doutrina que eles propagavam causou e ainda causa em muita gente.  

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