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Regina de Aquino

Professora titular aposentada do DMAT-CCE-UFES

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O verdadeiro orçamento “secreto”

Qualquer estado nacional, quando falta dinheiro, pode tomar providências. Entre elas, ele emite títulos da dívida pública. Ou simplesmente emite dinheiro

Arthur Lira preside sessão na Câmara - 20.12.2022 (Foto: Pablo Valadares/Câmara dos Deputados)
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Eu não tenho a intenção aqui de dissecar o orçamento federal, não sou especialista nesse assunto e tenho certeza que tem muita gente que pode falar com mais propriedade e detalhamento, do que eu me proponho aqui. Minha motivação é bem mais singela. E eu entendo os números...

A “mídia convencional”, em geral, tem o hábito de associar o orçamento federal a um orçamento doméstico, o que nos leva a uma distorção brutal da compreensão do orçamento público. Quando você, eu, qualquer mortal gasta mais do que tem, vai precisar recorrer a alguém outro para saldar suas dívidas, sejam parentes, amigos ou banco. E depois vai ter que pagar a dívida nos termos propostos pelo emprestador, e no caso dos bancos, a juros escorchantes.

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No caso do Estado, qualquer estado nacional, quando falta dinheiro, ele pode tomar algumas providências. Entre elas, ele emite títulos da dívida pública e oferece ao mercado financeiro, para compra e recompensa nos termos em que o Estado determinar. Ou simplesmente emite dinheiro, já que ele é o dono da máquina de fazer dinheiro. O Estado pode tomar qualquer das duas providências, a qualquer momento. Claro que tem algumas consequências, mas elas não são imediatas e podem ser administradas pelo poder público com inteligência, sem que se provoque a desvalorização da moeda ou a bancarrota do estado.(*)

Segundo dados do site www.portaldatransparencia.gov.br (**), em 2022 a Receita Federal arrecadou um total de 4,73 trilhões de reais e o Governo Federal teve uma Despesa de 4,82 trilhões de reais, (dados de hoje, 19/12/2022). A diferença de 90 bilhões de reais a mais que as receitas é obtida de várias formas, algumas delas como comentei acima. Para efeito de compreensão, vou aproximar os valores das tabelas fornecidas nesse portal. A tabela 1, que copiei do portal e está abaixo, nesse texto, apresenta a primeira divisão geral desse bolo.

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Do total das Despesas, vemos que 35% foi usado com atividades finais do Governo Federal, ou seja, gastos com SUS, hospitais, escolas, universidades e institutos federais, financiamento de ciência e tecnologia, desenvolvimento agrário, proteção do meio ambiente, diplomacia, folha de pagamento de funcionários da administração central, e por aí vai. Gastos com o Estado Real, aquele que chega até o povo, (ou parte dele, para sermos mais exatos com a realidade brasileira). Essas atividades fins do Estado Nacional usaram 1,680 trilhão de reais das Despesas.

E os outros 65%? Ah, esses são chamados de “transferências”. A previsão inicial desses gastos foi de 3,139 trilhões de reais. Nesse quinhão 57% vai para o pagamento da dívida interna e 19% para o serviço da dívida interna. Ou seja, pouco mais de três quartos dessas transferências são para honrar a tal da dívida. Entendendo melhor, em português claro, quase metade, (49,5%) do orçamento total do Estado Brasileiro, é usado para pagar a dívida interna. A previsão inicial desses gastos da dívida interna foi de 2,37184 trilhões de reais. Veja na Tabela 2, abaixo, para melhores detalhes.

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E aqui temos que falar da “mídia convencional”, mais uma vez. Aquela que distorce o orçamento te dizendo que é como se fosse da tua família também te diz que o Banco Central tem que ter autonomia completa. Se fomos mais um pouco nessa direção, percebemos a armadilha. Os títulos da dívida pública pagam juros, a tal Selic, que é determinada pelo Banco Central, que por sua vez decide esses valores a partir de parâmetros como meta da inflação, (e consulta ao mercado financeiro).

Estabelecida a meta, o BC propõe a taxa Selic para conter ou expandir a economia nacional, como instrumento para conter a inflação. E não importa se o BC atingirá ou não a meta de inflação com esses mecanismos, pois eles, a diretoria do BC e seu presidente, não sofrerão nenhuma penalidade por não cumprirem as metas pré-fixadas. Mas esses juros, serão pagos ao mercado financeiro, por nós, os brasileiros pagadores de impostos.

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Uma transferência importante para o povo brasileiro é aquela feita para a Educação Básica (Fundeb) que ficou com 3% desse quinhão das transferências, num total de 81,385 bilhões de reais. Tem também, outras transferências que são devidas aos estados e municípios, relativo aos impostos coletados pelo governo federal e devido a esses entes da federação, por lei. E ainda itens “outras...”, genérica assim mesmo, que estou longe de entender…

Quer isso tudo um pouco mais claro? Vou tentar. Vamos fazer uma pequena planilha de orçamento “domestico”, usando os dados do orçamento federal como se fossem os seus gastos e, claro, usando milhar ao invés de trilhões. Isso vai ajudar a construir a dimensão do orçamento federal sem cairmos na armadilha de administrá-lo como se doméstico fosse. Algumas adaptações foram necessárias, mas sem alterar as grandezas (***).

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Pagamento a bancos 2.371,88

Despesas da casa 1.680,14

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Escola das crianças 81,38

Despesas com familiares 645,31

Pequenos gastos 41,32

 

Total de despesas 4.820,03

Recebimentos 4.730,00

Cheque especial 90,08

Esse item do “Cheque especial” é pago pelo governo federal a juros determinados pelo BC, via Selic e representa 3,8% do item “Pagamento aos bancos”, nessa planilha. E agora vem o mais perverso de tudo: todas as despesas federais, com exceção de “Transferências”, é atualizada anualmente pela inflação, desde a promulgação do tal Teto dos Gastos. Não importa o quanto o Estado arrecade. Ou seja, o Estado Real, aquele que usamos e precisamos, fica pequeno a cada ano, não importando se temos excedentes, se crescemos mais ou coletamos mais impostos para o orçamento anual!!

Fiquemos atentos! Em breve, a discussão sobre o Teto de Gastos vai tomar conta do noticiário, e a mídia convencional vai fazer de tudo para esconder do orçamento real, aquela parte que é paga ao sistema financeiro, o verdadeiro orçamento secreto: a brutal transferência da renda do povo brasileiro para bancos e fundos de investimento.

Alguns podem rebater que a dívida deve ser honrada e paga. Concordo. Mas Dívida Nacional não deve ser paga ao custo de vidas ou a qualquer custo para atender cláusulas leoninas, sem auditoria cidadã dessa dívida e muito menos com aplicação de taxas estabelecidas por banqueiros.

Mais um detalhe, ou dois. As transferências de renda para o cidadão (BPC, Auxilio Brasil e outros) foram de 118,57 bilhões de reais (estão no orçamento “doméstico”, feito acima, dentro do item despesas com familiares) e representam 2,46% do orçamento geral da União. Já o tal orçamento secreto do congresso (as tais emendas de relator, declaradas inconstitucionais pelo STF) no total de 19 bilhões é algo como 0,4% do orçamento geral, parece pouco, mas se compararmos com o orçamento real, aquele em que se considera somente os gastos finais do Estado Nacional, o Congresso abocanha 1,13% para fazer o que quiser, sem precisar consultar ninguém, nem o povo nem o Presidente.

Segundo a renomada jornalista Tereza Cruvinel nos contou hoje de manhã, no Bom Dia, da TV247, o Congresso abocanha por volta de 100 bilhões do orçamento federal, incluídos aí os 19 bilhões do “orçamento secreto”/emendas de relator. O que significa a escola da crianças e metade dos seu pequenos gastos do dia-a-dia lá naquele nosso “orçamento doméstico”. Ou, se preferir, quase 6% do total disponível pelo governo federal para pagar o funcionamento do Estado, quando se retiram as tais transferências. Assim não dá. É gente demais tirando nacos gordos desse bolo.

Referências:

(*) Tem boas entrevistas da economista Juliane Furno à TV247, no YouTube explicando esses detalhes com clareza.

(**) entra no site www.portaldatransparencia.gov.br e procure “orçamento anual” no link Painéis, acima a esquerda

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