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Sean Purdy

Professor de História (USP)

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Os crimes do stalinismo e o negacionismo histórico no Brasil

É necessário rejeitar o discurso da direita sobre a ex-URSS, que grosseiramente exagera o número de mortes e distorce o registro histórico em favor de uma propaganda anticomunista (igualando stalinismo e comunismo), mas isso não significa ignorar o extenso trabalho de historiadores profissionais confiáveis

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Há uma tendência recente em certos setores da esquerda no Brasil de negar, minimizar ou ignorar os crimes do período stalinista na história da URSS. No programa da TV, Bom Dia 247, no dia 19 de fevereiro, a partir de 01:08:21, o colunista Brian Mier, ao discutir um documentário sobre neonazismo na Alemanha, falou que, em minha crítica do stalinismo num debate em 2019 nas redes sociais, eu divulgara propaganda cuja fonte era um ex-general nazista. Não foi simplesmente uma calúnia descarada contra mim; também refletiu um preocupante negacionismo histórico, visto regularmente em publicações, vídeos e discussões nas redes sociais no Brasil, da vasta evidência comprovada sobre os crimes do stalinismo. 

Apesar de tratar de coisas distintas, o principal método de negacionismo dos crimes de stalinismo é igual ao negacionismo da Shoá pela ultradireita e pelos fascistas: o desprezo às evidências e interpretações sólidas de uma comunidade de pesquisadores. É necessário rejeitar o discurso da direita sobre a ex-URSS, que grosseiramente exagera o número de mortes e distorce o registro histórico em favor de uma propaganda anticomunista (igualando stalinismo e comunismo), mas isso não significa ignorar o extenso trabalho de historiadores profissionais confiáveis.

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O escopo enorme de tortura, encarceramento e assassinato em massa de inocentes, remoção forçada de inteiros grupos étnicos e completa falta de direitos civis básicos da população soviética durante o período da liderança de Stalin da URSS (1928-1953) é um dos fenômenos mais documentados na historiografia do século XX. Após a abertura dos arquivos em 1989, especialmente da polícia secreta, historiadores profissionais que pesquisam o assunto convergem nas seguintes estimativas, resumidas pelo historiador David Hoffman em 2018 (relativo só ao período 1937-1941): 682 mil execuções judiciais, 335.500 pessoas de minorias étnicas presas com 247.200 mil delas executadas e mais de 100 mil execuções extrajudiciais documentadas em diversas fontes. Se consideramos o período stalinista como um todo, segundo os pesquisadores marxistas Mike Haynes e Rumy Hasan (2003), mais de 18 milhões passaram pelo sistema Gulag de campos de trabalho forçado/prisões, resultando em 1,5-1,7 milhões de mortes. E se adicionamos as mortes causadas pela reação criminosa do Estado e uso político de fome nos primeiros anos da década, bem como as pessoas que morreram das sequelas de encarceramento brutal, o historiador R.W. Davies (1995) fez uma estimativa de cerca de 10 milhões de mortos pelo Estado soviético nos anos 1930. Enquanto essa matança decisivamente eliminou toda a oposição política ao Stalin e a velha guarda dos bolcheviques da época da Revolução em 1917, a vasta maioria de mortes era de camponeses, trabalhadores e minorias étnicas inocentes e sem atuação política direta. 

Segundo Timothy Snyder (2011), houve menos mortes sob Stalin que os nazistas cometeram (11 milhões) e bem menos que os dados exagerados (20 milhões) de historiadores anticomunistas como Robert Conquest e Richard Pipes. Mesmo assim, estamos falando de 10 milhões de mortes, um crime de proporções colossais. No mínimo, socialistas atuais têm que fazer uma pausa para refletir o que era o stalinismo.

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Há legítimos debates na historiografia sobre os motivos, natureza e características do terror stalinista. Historiadores debatem o papel pessoal de Stalin (que concebeu, organizou e/ou aprovou pessoalmente todas as principais iniciativas políticas da época, inclusive o terror, assinando os mandatos de execução de mais de 40 mil pessoas), a massiva resistência dos camponeses à coletivização da agricultura, a construção da burocracia moderna soviética e muitos outros assuntos importantes. Porém, existe um consenso firme entre historiadores, baseado na vasta documentação disponível, de uma espantosa política generalizada de violência, assassinato e encarceramento injusto durante o período stalinista. Infelizmente, tem pouco material em português sobre o stalinismo, mas biografias recentes de Stalin escritas por Oleg Khlevniuk (Amarilys Editora, 2017) e Stephen Kotkin (Editora Objetiva, 2017) foram traduzidas, além de vários artigos do historiador marxista Kevin Murphy (na Revista Outubro e na Revista Movimento), que fornecem um ponto de partida para pesquisar o assunto.

Entender o stalinismo não é apenas uma exigência para quem quer contar a história honestamente de acordo com padrões profissionais e éticos de uso de evidências e argumentos. Também toca diretamente em debates atuais: O que é socialismo? O que é democracia operária? O que é liberdade? Qual o legado da experiência do stalinismo para políticas socialistas atuais? 

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Justificar (na época e hoje em dia) assassinato em massa, violência, repressão, a completa falta de democracia e dos valores socialistas da tradição marxista é outra questão a ser debatida, mas é importante enfatizar que negar, minimizar ou ignorar os crimes de stalinismo não tem legitimidade intelectual, política ou moral.

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