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Rogério Puerta

Engenheiro agrônomo, atuou por doze anos na Amazônia brasileira em projetos socioambientais. Atuou em assentamentos da reforma agrária no Distrito Federal por dez anos e atualmente vive em São Paulo imerso em paixões inadiáveis: música e literatura. Escreveu diversos livros

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Os EUA são maravilhosos

Uma estratégia calculada: infundir admiração, subliminar ou nem tanto

(Foto: Reprodução)
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O cliente mais gastão da loja de bolos da Zezé voltou há pouco dos EUA e se disse maravilhado. Parecia em êxtase, tão animado e irradiante que encomendou um bolo especial para a noiva, e nem aniversário dela era, só para agradar mesmo, para marcar a recente chegada deles em viagem de lazer aos EUA.

Encomendou um bolo todo vermelho, azul e branco, recheio inclusive, as três cores. Na cobertura do bolo cremoso, toda a superfície retangular era inteira a bandeira estadunidense. Imprescindível haver rigor e respeito, 50 estrelas e 13 listras, assim ele orientou em detalhes.

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Coisa trabalhosa de se fazer, custou um bom dinheiro, pois foi exigido que não se usasse açúcar de cana, somente glucose de milho, que o cliente disse que é o que usam nos EUA, onde experimentou os originais marshmallow de amido de milho, do jeito mesmo em que os cowboys de lá os assam em espetos nas fogueiras, tais quais nos filmes.

Contou estórias aos montes para a Zezé, quanta coisa ela escutou. O sujeito dirige um SUV, seu sonho é ter um Humvee, contou tudo com os olhos brilhantes, ânimo vital, juvenil, o que sempre é muito bom para a vida saudável de qualquer um. Uma vida que parecia lhe valer a pena, esperança em breve futuro, de fazer planos, a cabeça a trabalhar em mil contas e planejamentos.

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Fez os cálculos, pôs na ponta do lápis a possibilidade, botou na cabeça que assim que possível irá se mudar aos EUA, uma terra abençoada, disse e repetia sem parar, excitado. Por lá até se esqueceu das coisas ruins do Brasil, a imundície das ruas, gente que não sabe votar e nem mesmo falar direito.

Achou ótimo passar uns bons dias sem ter de se lembrar de que um ladrão comunista de nove dedos novamente tomou o poder no Brasil. Tudo isto e mais um pouco contou para Zezé, que ficou sem ter o que responder, pois não sabe como é a vida lá nos EUA, mas até que lhe pareceu que era de fato coisa boa sim.

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O cliente do SUV disse: "Tudo em ordem, tudo organizado, ruas limpas, atendentes muito educados e solícitos, bastou falar um bom inglês. Lá há segurança, andei pelas ruas tranquilo, outro mundo, fui direto pra Miami, um mundo de sonhos, a Flórida, Sea World, Disney, um país de entretenimentos e cheio de oportunidades para quem quer trabalhar e é direito".

"Vi gente comum com coldre de pistola automática fazendo volume por debaixo da camisa, também reparei os guardas de lá, um uniforme belíssimo, são todos muito bem equipados, as viaturas reluzentes. Fomos também a Washington, que espetáculo! Um poderio imenso, segurança absoluta, você sente a força do país, são capazes de esmagar quem por acaso não ande direito. Lá é só fazer as coisas corretas, ser do Bem, um cidadão família".

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O cliente mora distante, em bairro classe média alta, ele compra bolos na loja da Zezé pois achou que ela, com este nome, teria de ser boa cozinheira, pois Zezé, para ele, é nome de boa cozinheira. Quase todo dia ele passa com seu enorme SUV na avenida em frente a casa da Zezé, que é também a sua loja de bolos, que ela abriu meio clandestina na própria garagem visível para quem passa na dita avenida de acesso a um grande centro empresarial de São Paulo.

Zezé transformou aos poucos a garagem da casa que construiu com o marido, tijolo a tijolo, sua loja de bolos, um sonho de vida. Trabalham duro, domingo a domingo, na casa que é também a que tem muro geminado com a sua sala de estar, você que desde a sua sala ouve parte das conversas dos clientes que vão comprar os bolos da Zezé.

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Você ficou a matutar, pois o seu colega que lhe ajuda a instalação de antenas de tevê a cabo disse que conheceu gente que esteve nos EUA, que lá o pessoal é bom para os turistas de fora que vão gastar dólares frescos, mas que por lá não gostam muito que gente de fora decida ficar e passar a morar com eles.

O presidente Lula há pouco esteve em solo estadunidense. Retornou com uma sinalização quanto a ajuda para o Fundo Amazônia e um "ok" a respeito de preocupações similares, as tentativas de golpe de Estado mútuas, Trump formando desde lá os seus seguidores mundo afora.

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Lá Lula é squid. Biden é Joe, Joseph Biden, o presidente deles. Joe um tipo de Zé dos EUA. O nosso Zé do Caixão para eles é o Coffin Joe, o que soa até mais mórbido e assustador.

Você foi criado assistindo os EUA na tevê, uma memória boa de infância, indescritível. Aos olhos de uma criança e posterior adolescência a avalanche de cultura estadunidense, tanta coisa, o Pica-Pau, Mickey, Jornada nas Estrelas, Guerra nas Estrelas, uma infinidade. Nem o céu era o limite naquela época.

Dizem que o Zé Carioca, a Carmen Miranda, dentre tantos outros e outras, foram decorrentes de uma estratégia geopolítica muito bem calculada para infundir o jeito de vida estadunidense e atrair a simpatia de países em desenvolvimento. Naquela época, o Brasil a bola da vez.

O que você nunca entendeu foi gostar e conhecer muito mais bandas de rock britânicas do que estadunidenses. Neste aspecto os ianques bem que se esforçaram, mas nem chegaram perto de seus ancestrais europeus.

Difícil negar, basta observar e enxergar a História. Nós, brasileiros e brasileiras, parecemos possuir no DNA uma tendência a se inspirar, imitar grotescamente e sem muito critério mesmo, tudo aquilo o quanto observamos em terras de Donald o pato da Disney e de Donald Trump de um estúdio hollywoodiano de filmes de terror qualquer.

Pode ser que Trump tenha se inspirado em Duterte das Filipinas, em Putin da Rússia, mas foi principalmente ele, Donald Trump, muito bem apoiado no histórico belicoso e conservador estadunidense, quem canalizou e catalisou o que já havia em boa parte dos EUA. Aquilo que irradiou ao planeta tal qual toxina dispersável na atmosfera, uma maneira particular, ultracapitalista, de se praticar o neofascismo desavergonhado do século XXI.

Zezé entregou o bolo tal qual fora exigido, teve cuidado, conferiu as 50 estrelas e 13 listras, guardou o pote vazio de glucose de milho para comprovar se necessário, com o cupom fiscal, o preço pago e tudo mais.

Você ficou meio sem saber se, afinal, a vida nos EUA é tão melhor do que no Brasil. Pelos filmes é. Por tanta cultura desde lá difundida aos quatro cantos do mundo também é.

Mas ficou uma pulga atrás da orelha, algo que não fechava a conta, as bandas britânicas sempre lhe pareceram imensamente melhores e mais legais do que as bandas estadunidenses.

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