CONTINUA APÓS O ANÚNCIO
Euler Costa avatar

Euler Costa

Professor e doutor em Políticas Públicas e Formação Humana na UERJ

13 artigos

blog

Os militares e o DNA golpista

Os militares sempre tiveram dificuldade de compreender o seu verdadeiro papel institucional e se desapegar do poder

(Foto: Agência Brasil)
CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

✅ Receba as notícias do Brasil 247 e da TV 247 no canal do Brasil 247 e na comunidade 247 no WhatsApp.

Se considerarmos a história do Brasil desde quando oficialmente cortou seus laços com Portugal e conquistou sua “Independência”, o Brasil está prestes a completar 200 anos. Uma história recente e curta, mas cheia de singularidades. Mesmo que consideremos desde a ocupação portuguesa, 522 anos não são nada se comparado a países com histórias milenares, como os da Ásia e Europa. Mas, tomemos o evento da “Independência” como ponto de partida no caso do Brasil. A primeira coisa em que no Brasil, além da língua, temos de diferente em relação aos nossos vizinhos sul-americanos é exatamente a forma pela qual, teríamos nos “libertado” de nosso colonizador. Enquanto os países vizinhos que eram colonizados pelos espanhóis foram libertados através de guerras, com vistas nos ideais iluministas liberais de liberdade de todos os homens (soubemos mais tarde o preço dessa liberdade). No Brasil, o que ocorreu foi na verdade uma passagem de bastão. O Brasil saia das mãos de Portugal e caia nas mãos da Inglaterra, que passaria a tutelar o recém formado Império do Brasil. 

Com tudo, para a sociedade aqui presente não haveria praticamente nenhuma mudança. Muito pelo contrário. A” Independência” estava se dando muito mais para garantir a manutenção dos privilégios de uma “elite” oligarca escravocrata, do que qualquer ideal de liberdade. E por mais que digam que tenham acontecido conflitos para expulsar o exército da corte portuguesa das terras brasileiras, nunca houve uma ruptura realmente, diferente do que aconteceu com os países vizinhos, e diferente também da forma como os americanos do norte romperam com seus colonizadores.

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

O que ganhou força foi uma oligarquia absolutista que pretendia manter seus privilégios. Infelizmente o Brasil continua sendo um país oligarca, mesmo após o fim do Império, os oligarcas sempre mantiveram-se no poder, e em todas as vezes que sentiram o menor sinal de ameaça aos seus privilégios, nunca excitaram em promover golpes de Estado, afim de garantir a manutenção do status quo.

Dito isto, podemos prosseguir. Infelizmente o Brasil desde sua “independência” tem uma vocação para golpes de Estado. O primeiro deles, pós-independência foi em 1823, pouco mais de um ano do 7 de setembro de 1822, dado por Dom Pedro I, quando ele dissolveu a assembleia constituinte, o que ficou conhecido como a “noite da agonia”.

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

Anos mais tarde, em 1840, a própria constituição imperial sofreria um golpe. O “Golpe da maioridade” como ficou conhecido o movimento que levou o jovem Pedro II, com apenas 15 anos a assumir o trono. 

A partir daí todos os golpes de Estado que veremos agora foram dados pelos militares. Os militares passaram a ser o braço armado da oligarquia (escravagista) brasileira. Apesar de sempre ter tido um enorme contingente de baixas patentes, os Marechais e depois deles os Generais, sempre estiveram a serviço da oligarquia brasileira (burguesia). 

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

O primeiro golpe de Estado dado pelos militares, mais propriamente o Exército, se deu em 1889, e ficou conhecido como “proclamação da República”. É isso mesmo, a mudança de sistema de governo no Brasil se deu através de um golpe de Estado. O mais curioso é que o golpe foi capitaneado por um monarquista. Exatamente, o marechal Deodoro da Fonseca, chefe das forças armadas da época, era amigo íntimo de Dom Pedro II. Porém, foi influenciado pelo positivista e republicano Benjamin Constant que além de leva-lo a crer que o primeiro ministro, Visconde de Ouro Preto, desdenhava do Exército e os deixava com poucos recursos, plantou um notícia falsa (as fake news não começaram agora), dizendo que Dom Pedro II o trairia e nomearia como primeiro ministro um inimigo seu, Gaspar da Silveira Martins. Foi o que bastou para Deodoro reunir as tropas e depor Dom Pedro II, que ainda passaria pela humilhação do exílio.

Apenas 3 anos depois, em 1891, a nova constituição e primeira constituição da era Republicana do Brasil ainda tinha meses de vida quando em 3 de novembro de 1891, o marechal Deodoro da Fonseca deu mais um golpe de Estado, dissolvendo o congresso cercado pelo Exército e decretando Estado de sítio, porém dessa vez Deodoro sofreu um revés, pois 20 dias após o golpe, teve que renunciar, já que a marinha brasileira ameaçava bombardear a cidade do Rio de Janeiro, capital do país. Foi então que o vice presidente, o Marechal Floriano Peixoto, se aproveitou de uma brecha deixada na constituição, e diferentemente do seu antecessor, não abriu mão do cargo mesmo com a pressão da marinha e governou com “mãos de ferro”, num estilo ditatorial.

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

Já no século XX, o primeiro golpe de Estado, já com governo civil, foi dado em 1930. Como se sabe naquela época o poder se concentrava entre os oligarcas (burgueses) da região sudeste, o que já gerava insatisfações das oligarquias do Sul e do Nordeste. As eleições eram feitas em cédulas de papel, e para garantir que o resultado fosse sempre a favor da “situação”, elas eram fraudadas. Contudo, nas eleições de 1930, o candidato da oposição, o gaúcho Getúlio Dornelles Vargas, não aceitou o resultado, aonde Júlio Prestes sucederia Washington Luís. Um conflito físico então aconteceu. As polícias militares do Rio Grande do Sul, Paraíba e Minas Gerais se uniram num levante contra o Rio de Janeiro. Apesar do governo deter a superioridade armada, os comandantes do Exército não estavam dispostos a fazê-lo. Os generais sabiam que os jovens oficiais nutriam simpatia pelos rebelados, e que a população também. Assim, uma junta militar formada por dois generais e um almirante, depuseram o presidente Washington Luís e entregaram o poder ao líder da revolta, Getúlio Vargas. Por mais que saibamos que as eleições eram fraudulentas, o que importa neste episódio é observar que mais uma vez o país se via sob a tutela dos militares e um golpe de Estado aconteceu.

Após os 4 anos no poder, Getúlio seria reeleito indiretamente pela assembleia nacional. Dois anos mais tarde um levante revolucionário liderados por oficiais jovens que simpatizavam com Luís Carlos Prestes, criador da ALN (Aliança de Libertação Nacional) tentariam chegar ao poder mas, seriam rapidamente neutralizados pelas forças do governo, no que ficou conhecido como Intentona Comunista. Foi o que bastou para quer se criasse a narrativa que demonizava o comunismo e tudo e todos que fossem associados a ele. Com a desculpa de que o país corria risco de ser dominado por comunistas, a alta cúpula do Exército viu a oportunidade para tomar a frente do poder e incentivou Getúlio a crer que o melhor a fazer era preparar se. Um circo foi armado e, o então ministro da guerra, o general Eurico Gaspar Dutra leu um suposto plano para tomar o poder, na rádio Nacional na hora da Voz do Brasil. Foi o que bastou para que, em 30 de setembro de 1937, o Congresso Nacional aprovasse o Estado de Guerra que suspendia todos os direitos constitucionais. Com isso, Getúlio se manteve no poder por mais 8 anos no golpe de Estado que ficou conhecido como Estado Novo. Getúlio era um grande simpatizante de Adolf Hitler, mas foi forçado a apoiar os Aliados na segunda guerra mundial pela pressão política interna e externa (vale o registro).Passados 8 anos, a situação se inverteu. Getúlio que havia governado durante o período da segunda guerra Mundial no melhor estilo ditatorial fascista. Simpatizante de Hitler, no início do período ditatorial do “Estado Novo”, o Brasil se aproximou bastante da Alemanha, ao ponto de muitos presos políticos tidos como comunistas terem sido entregues a Hitler. Foi o caso de Holga Benário, companheira de Luís Carlos Prestes. Porém com o rompimento com a Alemanha, por conta da pressão interna e externa e com fim da segunda guerra Mundial, os mesmos militares que haviam apoiado o golpe de Estado em 1937, não viam mais razão em manter Getúlio e sua ditadura no poder. Getúlio, vendo-se pressionado a fazer uma reabertura democrática e, pensando em conseguir apoio dos trabalhadores para as próximas eleições, acabou se aproximando dos sindicatos e do PCB. A nomeação do seu irmão (Benjamin Vargas) como chefe da polícia do Distrito Federal foi o que faltava para que os militares que outrora o colocaram no poder, agora o destituíssem. Os generais Gois Monteiro e Eurico Gaspar Dutra, convenceram Getúlio a renunciar e outro golpe de Estado se concretizava.

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

Menos de 20 anos depois, em 1964, utilizando a já várias vezes utilizada, desculpa da existência do “fantasma do comunismo” ou do risco do comunismo, (como se em algum momento na história do Brasil, as ideias comunistas se quer tivessem sido ouvidas pelo povo, ou algum político com poder), os militares que já haviam tentado impedir a posse de Juscelino Kubitschek em 1955, não deram paz a João Goulart, desde que esse tentava assumir o poder, após a renúncia de Jânio Quadros em 25 de agosto de 1961. 

Goulart havia recebido um país cheio de problemas, com inflação alta e já no início, teve seus poderes limitados por uma gambiarra parlamentarista, negociada com os militares, para que Jango pudesse tomar posse. Só 14 meses depois, com o sistema de governo voltando a ser presidencialista, João Goulart pode realmente dar início as chamadas “Reformas de base”. Um pacote de reformas que previa entre outras coisas promover a reforma agrária e garantir a autonomia das universidades. A oligarquia da época não gostou nada disso e Jango começou a ser associado ao comunismo soviético. Em 31 de março de 1964 teve início a movimentação de tropas de Juiz de Fora (MG) e do Rio de Janeiro, comandadas respectivamente pelos generais Olímpio Mourão Filho e Costa e Silva. Apesar de manterem a narrativa de que a data seria 31 de março, o golpe se efetivou mesmo durante o dia 1 de abril. Algo nunca aceito pelos militares, por se tratar do dia conhecido como “dia da mentira”. 

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

O congresso Nacional, achando que emplacaria um nome seu para o lugar de Jango, através do então presidente do Congresso, Ranieri Mazzili, declarou a presidência vaga e assumiu a presidência do país, mas só durou algumas horas. Ocorre que a presidência da República não estava vaga, pois o presidente João Goulart não havia fugido do país como afirmavam (olha a fake News ai de novo), mas se encontrava no em Porto Alegre, onde foi se aconselhar com o ex-governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola. Porém os militares já aviam tomado a decisão e através do Ato institucional nº 1, Escolheram um novo presidente do Congresso e, mais tarde seria o presidente escolhido pela junta militar, colocando o país no que seria o maior período de ditadura militar. Foram 25 anos de ditadura, tendo fim mesmo só com as eleições diretas de 1989.

Os militares sempre tiveram dificuldade de compreender o seu verdadeiro papel institucional e se desapegar do poder. Na reta final do último período de ditadura, durante a reabertura democrática, nas eleições diretas para governadores, deputados e senadores de 1982, um escândalo ficou conhecido com o “caso da Proconsult”. As eleições ainda eram em cédulas de papel, e as pesquisas eleitorais apontavam a vitória de Leonel de Moura Brizola, claro desafeto dos militares que, preocupados com sua vitória, contrataram a empresa Proconsult para “auditar” a contagem de votos. Mas o que ocorreu na pratica foi uma fraude, aonde os votos dirigidos a Leonel Brizola eram passados para Moreira Franco, o candidato dos militares. Felizmente a fraude foi descoberta e com a pressão popular e a repercussão na impressa, Leonel Brizola assumiu o governo do estado do Rio de Janeiro em 1983.

O que estamos revivendo agora, com um presidente golpista, presidente esse que, desde o início da implementação das urnas eletrônicas, sempre foi beneficiado pelos seus resultados, já que foi eleito deputado por elas em seis mandatos seguidos e, em 2018, também pelas mesmas urnas, chegou a presidência da República. Tudo isso que estamos vivendo, os ataques infundados a credibilidade das eleições, tem sua razão não apenas no fato do atual presidente ser um miliciano, autoritário, fascista, de baixo nível intelectual e vulgar. Mas infelizmente também tem a ver com o reavivamento da sanha golpista hereditária que faz parte do DNA dos comandantes militares brasileiros. Os militares acreditam ser donos da República, até porque foi através de um golpe de Estado que eles a criaram, não esqueçamos disso.

A formação do Brasil quanto país, desde a criação do Império, como falado anteriormente, nunca demonstrou um momento em que os militares fossem postos em seu verdadeiro lugar, e com suas reais funções bem definidas. Veja, também Dom Pedro II se fazia valer dos braços armados para garantir sua permanência no poder. Assim, os militares brasileiros nunca precisaram entender realmente o seu papel (na verdade nunca quiseram entender, mesmo sabendo exatamente qual é). 

Nada justifica a sanha golpista do passado e muito menos de hoje, na pessoa do ministro da defesa (Paulo Sérgio Nogueira), um general da ativa, que se arvora em sugerir coisas a bizarras como a  ideia de uma “votação paralela” com voto em cédulas de papel. É constrangedor e vergonhoso para as Forças Armadas e todo seus efetivo, ver seu principal comandante, totalmente alinhado e alienado com o discurso mentiroso e desavergonhado de um presidente fraco e incompetente, que se mantem na cadeira pagando propina institucionalizada (o famigerado orçamento secreto) a parlamentares. Um presidente tão fraco e incompetente que passou 3 anos e meio do seu mandato, atacando outras instituições e seus líderes, que fazem parte dos três poderes da República, que mentiu sete vezes por dia, que aparelhou o Ministério Público Federal e a Polícia Federal para garantir que os atos de corrupção do seu governo, de seus filhos e pares políticos não fossem investigados. Um presidente tão fraco e incompetente que sempre jogou a culpa de seus fracassos como gestor em outras pessoas, fossem do seu governo ou não. Um presidente que nunca hesitou em jogar um aliado aos leões para safar seu próprio pescoço, e que na verdade, não teme apenas a derrota nas próximas eleições, as a consequência do que virá depois delas.

Vale dizer que ao longo destes 133 anos de República, os militares, principalmente de alta patente, sempre souberam como proteger bem seus ganhos e seus soldos. Ao ponto que o maior déficit previdenciário, vem justamente do pagamento das aposentadorias e pensões vitalícias dos militares. Até mesmo após a reforma da previdência, os únicos que além de não ter perdas, ainda tiveram ganhos, foram os militares. 

Os militares brasileiros se aposentam bem jovens ainda, com uma média de 45 a 50 anos de idade. Bem diferente dos militares de outros países, como os do Estados Unidos por exemplo, que em comparação aos militares brasileiros, ganham bem menos, trabalham muito mais anos e não tem um plano de aposentadoria tão bom como os daqui. E ser militar nos Estados Unidos é algo bem perigoso, uma vez que aquele país vive se envolvendo em conflitos, mesmo que nada tenham a ver, mas para defender seus interesses econômicos, lançam sempre que podem, mão dos seus soldados para interferir em outros países.

Aqui, nossos militares deveriam se ocupar ao menos com seus afazeres domésticos, já que não conseguem se quer proteger nossas fronteiras secas do tráfico de drogas, tráfico de armas, contrabando de madeira, de ouro proveniente do garimpo ilegal e a proteção da Amazônia legal, que vem sendo destruída numa velocidade nunca antes vista, desde a chegada deste governo cultuador da morte. O que fazer não falta para os militares brasileiros. E tudo isso internamente, já que o Brasil não dispõem de condições para aventuras militares fora de nossas fronteiras.

Finalmente, ao invés de participar de um circo vergonhoso, onde Embaixadores foram convidados a serem constrangidos por uma apresentação dantesca de mentiras e acusações infundadas, ao mesmo tempo em que o presidente da República utilizava-se do aparato do Estado, para fazer campanha eleitoral antecipada e anunciar o pretendido golpe, o ministro da Defesa deveria ter se colocado em seu devido lugar e jamais ter participado endossando tais crimes (sim crimes, forma vários cometidos nesta reunião infame) e manchando ainda mais a já desonrosa história militar brasileira. 

Em tempo, os militares foram “convidados a participar” e não a tomar posse ou tutelar o processo eleitoral. O convite feito pelo TSE foi apenas para que houvesse uma colaboração e nada mais, num gesto de cortesia daquele tribunal a quem compete sim, o comando das eleições brasileiras. Mais uma vez é necessário que os militares entendam o seu papel na República, que não é e nunca foi de tutores da mesma.

iBest: 247 é o melhor canal de política do Brasil no voto popular

Assine o 247, apoie por Pix, inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista:

Carregando os comentários...
CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

Cortes 247

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO
CONTINUA APÓS O ANÚNCIO