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Sara York

Sara Wagner York ou Sara Wagner Pimenta Gonçalves Junior é graduada em Letras - Inglês (UNESA), Pedagogia (UERJ) e Vernáculas (UNESA), especialista em Gênero e Sexualidades (IMS/CLAM/UERJ), mestre em educação (UERJ) e doutoranda em Formação de Professoras/es (UERJ), pai, avó, pesquisadora e professora, a travesti da/na Educação.

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PERSONA NON GRATA pela terceira década!

Luiz Mott (Foto: Reprodução)
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Exatamente no ano 2000, o movimento nacional de Travestis deste País já havia se posicionado frente ao que compreendiam como transfobia gritante que sempre esteve presente nas falas e produções acadêmicas de quem foi por muitos anos referência. Luiz Mott é persona non grata no movimento de pessoas trans e travestis há algum tempo. Vamos entender esse caso e como alguém com contribuições tão relevantes, se tornou justamente a pessoa cujo discurso endossa práticas transfóbicas a desde então?

Apesar de várias tentativas de fundação de movimentos sociais de travestis e grupos considerados internacionalmente gênero-diverso, aqui no Brasil tentativas frustradas foram catalogadas e impedidas pela polícia, como o Congresso de Travestis de Petrópolis – RJ em 1969 ou o I Encontro do Terceiro Sexo de Niterói em 1966. 

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De lá pra cá, muitos foram os ajustes e grupos que tentaram estruturar formalmente estes encontros. Alguns tiveram êxito, mas o mais conhecido e principalmente por ter algumas de suas cabeças vivas, tornaram factuais através das histórias orais e que tornaram-se livros e fimes.

 O ano que eu me tornava pai, através do que viria a ser conhecido hoje como “cura gay”, as pseudoterapias de reorientação sexual promovidas pelas igrejas evangélicas neopetencostais, no meu caso a Igreja Assembleia de Deus. Eu já era a mulher trans/travesti que sou e fui encorajada por membros daquele espaço a relacionar-me com uma de suas “ovelhas”. Eu com 16, ela com 24, mas isso é uma outra história. 

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O fato é que em 1992 com a fundação da Associação de Travestis e Liberados – ASTRAL, no Rio de Janeiro, houve um primeiro encontro nacional com objetivo de agregar a população de travestis e transexuais que estavam pelo Brasil e em grande maioria atuando nas organizações de Gays e Lésbicas. Bichas, gays, baitolas, entendidos, sapatão, fanchonas, sodomitas e tantos outros nomes que foram sendo ressignificados ao longo dos últimos anos pareciam uníssonos. E essa única voz tinha por base os padrões gays masculinistas brancos, muitos deles que por pertencerem a famílias abastadas, eram enviados para o “exterior” para “estudar”. O século XX é iniciado por uma peste e encerrado por outra. A primeira foi a gripe espanhola e a última o HIV, publicizado como peste gay, naquele momento. 

Assim em 1993 aconteceu, na cidade do Rio de Janeiro, o I Encontro Nacional de Travestis e Liberados que Atuam na Prevenção da Aids – ENTLAIDS, organizado pelo grupo ASTRAL. As tentativas de mobilização contra o preconceito e estigma às pessoas que não performavam a masculinidade cis-hetero, era cruel e ser uma pessoa trans ou travesti naquele tempo era um atestado condenatório policiado pela moral e pelos bons costumes (um mix de gente do bem, que une o melhor da oratória evangélica de “deus é amor” à subversão de uso bíblico “à minha maneira”. 

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Gays brancos e privilegiados por sustentar o padrão, eram aclamados e aos afeminados, bixas e travestis, o pior do julgamento social. Foi mais ou menos nesse embalo que o antropólogo Luiz Mott emerge com suas pesquisas que segundo ele teve:

longo de minha formação acadêmica, entre 1965-1975, com graduação na Universidade de São Paulo, mestrado na Sorbonne e doutorado na Universidade de Campinas (Unicamp),  não me recordo de ter ouvido professor algum, sequer uma vez, tratar  em sala de aula da questão homossexual. Ao ingressar no curso de Ciências Sociais, recém saído do Seminário de Filosofia dos Dominicanos de S.Paulo, eu me definia um heterossexual pouco experiente com fortes tendências homossexuais, apesar de terem sido até então poucas e secretas as relações homoeróticas.

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Em 1980, Mott, em seu blog relata que já era homossexual e nasce o que seria o Grupo Gay da Bahia. Uma instituição que durante anos fez o monitoramento das mortes de LGBT+ por falta de políticas de estado, como ainda não as temos. Em suas falas sempre carregadas de racismo, misoginia e transfobia, o que atendia inclusive aos privilegiados para se distanciar de outros grupos, como os afeminados, as bixas e as travestis. Em seu blog ele diz:

Concluo narrando um episódio ocorrido há poucos anos envol­vendo um gay assumido e um homopraticante enrustido. Pierre Verger, célebre antropólogo e fotógrafo francês radicado de longa data na Bahia, falecido em l995,  ao ser indagado privadamente por outro antropólogo anglo-brasileiro P.F. o motivo que o levara a estudar a diáspora africana, respondeu sem meias palavras, que impulsionara-o o prazer de transar sexualmente com os negros. Sabedor portanto de sua homossexua­lidade, certa feita, delicadamente, sugeri a este negrófilo que escrevesse quando menos uma página a respeito da homossexualidade, posto tê-la intensamente vivido pelos quatro cantos por onde andou. Irritou-se a velha tia, por julgar invadida sua privacidade, posto jamais ter percebido que assumir a própria homossexualidade, poderia  significar crucial gesto político na destruição do machismo patriarcalista

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As inicias P.F. fazem possível aluzam à Peter Fry, outro nome grandioso por seus trabalhos junto a comunidade e que diferente de Mott sempre se mantive respeitoso para com a população T. Mas, apontar o modo como objetificavam os sujeitos pretos e como chamamentos misóginos como a “tia velha” eram frequentes a aquele que sempre viu o feminino como algo pejorativo e permeado de fraquezas. Em suas pesquisas, Mott, sempre deixou evidente que bixas, homossexuais, mulheres trans e travestis eram “iguais ao morrer”, pois o que era o ponto de legitimação era o pênis. 

O mais interessantes é que sobre tal lógica ele nunca tenha percebido que homens cis-heteros mortos em vias públicas talvez o fossem. 

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No ENTLAIDS de 2000, diante de tantos impropérios e por se considerar voz altiva e representativa da sigla GLS ou GLBT, até aquele momento, os grupos organizados de pessoas trans e travestis concederam ao antropólogo que flerta com o policiamento da liberdade assim como Nikolas Ferreira, o título de PERSONA NON GRATA. 

Na matéria que foi a ar hoje, mais uma vez temos um homem construído nas esferas do privilégio acadêmico, masculinista, sexista e misógino, amparando o mesmo que o melhor daqueles que fletam com fascismo fizeram e fazem. 

Sobre sua fala, Mott reitera apoio ao deputado mineiro:

“Tenho insistido que não basta ter identidade de gênero feminina ou se sentir mulher para usar WC feminino. Tem de ostentar papel de gênero feminino, estereótipos femininos culturalmente identificados pelas próprias mulheres, medida crucial para proteger as mulheres de assédio machista, esse deputado não cometeu crime algum!”

A declaração me lembra o clássico programa de Hebe Camargo no qual a ativista lésbica Rosely Roth era lida como “não mulher” por usar um sapato de bico quadrado. No mesmo programa Ronaldo Pamplona, apresentava o documento do Conselho Federal de Medicina, que despatologizava a sujeita lésbica e o sujeito homossexual. https://www.facebook.com/watch/?ref=search&v=4078008845583067&external_log_id=13cb8917-98d7-43a4-9499-9492405190f0&q=silvia%20movimento%20lesbico%20hebe%20camargo

Discurso transfobico “oscambal’! Considero que a opinião desse deputado a respeito das transexuais e da transexualidade não constitui um crime muito menos o ilícito ético para ser julgado pela Câmara. O que ele falou corresponde à realidade. Não basta o indivíduo se considerar mulher e dizer que tem identidade feminina se ele socialmente continua aparecendo e vivendo como um homem. A sociologia e antropologia distingo em identidade de gênero que é o que a pessoa sente e o papel de gênero“. “Não basta o endivido dizer que é mulher, mas continuou usando barba estereótipo masculino. É a mesma coisa que o branco dizer que tem identidade negra. Como ele vai dizer que foi vítima de racismo se ele não tem um estereótipo e o fenótipo Da raça negra? Apesar de nós sermos solidários com todas as travestis e transexuais, nesse caso é fundamental para usar o banheiro feminino que se apresente como mulher”. https://www.faroldabahia.com/noticia/presidente-do-grupo-gay-da-bahia-defende-nikolas-ferreira-acusado-de-transfobia

Por incrível que pareça apenas dois grupos não tem interesse em democratizar os banheiros em geral, tornando-os todos em espaços privados e sem separação por sexo com o famoso expositório fálico: feministas trans-excludentes (TERFs) e os gays que fazem pegação e cujo corpo afeminado ou feminino é inadmissível em seus espaços. 

Podemos compreender que homens gays reprimidos e que passam por experiencias de libertação tardia precisam se afirmar e se sentirem incluídos, mas isso já é uma realidade. Haja vista que temos prefeitos e governadores gays/lésbica. A performatividade, isto é, o que a sociedade acha que você é, ainda é uma grande debate para esses sujeitos. O deputado Nikolas Ferreira, eu até entendo ao fazer uso da transfobia para criar sua nuvem midiática ocultando as joiás de Jair, mas um antropólogo já contemplado com títulos de sua decadência?

Para isso talvez seja importante, repensar no quanto suas liberdades tem afiado facas para que outros grupos sejam letalizados e sigam em processos de letalização. 

As mulheres sapatãs agradecem, travestis e trans agradecem, mulheres com ovários policísticos e cuja quantidade de pelo na face possam ser compreendidas com outridade sexual, também agradecem quando homens-cis gays ou heteros, se abstenham na promoção da algazarra em dias que nos custam tantas vidas. 

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