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Lelê Teles

Jornalista, publicitário e roteirista

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Por que não xingamos Tingas nos estádios?

No Brasil, de modo geral, temos vergonha de ser racistas publicamente, nosso racismo é velado, à boca pequena, da sala pra cozinha

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Tinga, o jogador do Cruzeiro, sofreu discriminação racial durante uma partida de futebol no Peru; fresco está na memória de todos nós.

Muita gente ficou surpresa com a abjeta demonstração de racismo em um estádio de futebol na América Latina.

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A atitude dos hinchas peruanos é condenável, mas não surpreendente.

Afinal, estamos em um continente racista. E ainda mais, essa nem foi a primeira vez, nos lembremos sempre do zagueiro argentino, Leandro Desábato, a chamar o são-paulino, Grafite, de Negrito de Mierda, na cara e aos berros. Max Rodrigues, outro argentino, quando jogava pelo Grêmio, também chamou um jogador negro do Cruzeiro de macaco.

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No entanto, no Peru a coisa teve outra configuração, era um bullying coletivo. Parte da torcida do Real Garcilaso imitava um macaco, em sons e gestos, cada vez que Tinga, o jogador do Cruzeiro, pegava na bola.

A torcida brasileira saiu em defesa do nosso jogador.

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Eu fui pro ataque: por que diabos os torcedores racistas peruanos imitaram macacos para afrontar Tinga e os torcedores racistas do Atlético não fizeram o mesmo?

Por que o racismo é uma prática social coletiva que se manifesta de formas diferentes de acordo com as peculiaridades de cada sociedade.

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No Brasil, de modo geral, temos vergonha de ser racistas publicamente, nosso racismo é velado, à boca pequena, da sala pra cozinha.

Não imitamos macaco quando vemos o Tinga, mas espancamos, arrancamos as roupas e amarramos em postes qualquer um que se assemelhe a ele pelo tom de pele; mas a gente diz que é por outros motivos, afinal não somos do tipo que xinga Tingas.

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E pelos mesmos outros motivos, colocamos Tingas em sacos plásticos para inquérito policial e são os Tingas que morrem violentamente a cada minuto no Brasil. Gostamos de trancafiar Tingas amontoados em cadeias.

Os Tingas são a maioria dos que catam comida na rua, que dormem na rua e que são, oh ventura, assassinados por dormirem e catarem comida na rua, não por serem Tingas, como se vê.

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Os racistas brasileiros torcem sim para o Tinga, mas somente até o Tinga tropeçar. Quando um Tinga cai, todos os torcedores racistas caem matando em cima dele. Veja o nosso bom Anderson Silva, era um herói, um Cristo negro, perdeu uma luta, fraturou uma canela e virou motivo de chacota.

O Pelé parou de jogar e jogaram uma lona por cima dele, tudo virou piada. O Adriano, ao deixar o posto de Imperador, foi logo rebaixado à condição de marginal incurável; e o que dizer do goleiro Barbosa que levou toda a culpa pela derrota na final de '50 no Maraca?

Pela lógica do capeta, que rege as relações sociais, em nenhum lugar os racistas são a maioria. No entanto, eles formam uma minoria poderosa, porque eles têm grana, é a língua deles que falam na TV e nos jornais, são eles mesmos os donos, são deles o discurso na boca dos que falam.

E eles se expressam com a certeza do silêncio do oprimido e a orgulhosa cumplicidade da manada.

E veja a força e a desfaçatez dessa gente.

Em 2010, o Peru já tinha uma lei contra o racismo, mas mesmo assim o programa humorístico da TV de grande sucesso por décadas, El Especial de Humor, seguia com o personagem Negro Mama, um tipo caricato e estúpido que estigmatizava os negros de forma abjeta e vergonhosa.

O personagem era interpretado pelo ator Jorge Benavides, eu achava nojento vê-lo. Ele se pintava de preto e colocava nariz e lábios exageradamente feios em seu rosto, como faziam uns personagens horrendos do nosso Zorra Total.

Não menos abjeta é a personagem La Paisana Jacinta, que caricatura a mulher indígena como desdentada, suja e estúpida. Há, ainda, a jocosa Chola Chabuka.

Humilhar, essa é a graça.

A ONG Lundú entrou com ação pedindo a exclusão do quadro humorístico, fez campanha, buscou adesão, foi atendida. Mas os racistas, sentindo-se ofendidos, ultrajados no seu direito de ultrajar, declararam guerra nas redes sociais contra Mónica Carillo, fundadora da Lundú; nas ruas de Lima a agrediam verbalmente, chegaram a cuspir em seu rosto, chamando-a de escrava, macaca e que tais.
Que tal?

Apesar de tudo isso, é forte o movimento negro no Peru e sua manifestação mais inteligente é o poema Me Gritaron Negra, imortalizado na voz da poeta Victória Santa Cruz.

E foi justamente por causa da força do movimento negro peruano que o presidente Ollanta Humala levou os negros para dentro do poder. Logo no início de seu governo ele nomeou a cantora negra Susana Baca como ministra da cultura, algo inédito na história daquele país. Japoneses tiveram, aos montes, mas pretos não.

Infelizmente, o nosso Tinga não é o único e nem será o último a ser tratado com desprezo por causa de sua cor. Nas ruas de Lima ainda é engraçado chamar um negro de mono, macaco.

Em visita a Lima como membro do Comitê para a Eliminação da Discriminação Racial, das Nações Unidas, o ativista negro colombiano, Pastor Murillo-Martinez, foi surpreendido com uma cusparada em sua cara, seu agressor seguiu o seu caminho imperturbavelmente; quiçá assoviasse em silêncio.

Enquanto no Brasil os racistas são denunciados, portanto desencorajados socialmente deste ato infame, e são punidos pela lei, no Peru um ato racista na rua ainda pode se tornar facilmente uma agressão física.

No Peru, Tingas continuam sendo açoitados em praça pública, ao vivo.

Aqui também, mas não por serem Tingas, como se abe.

ABAIXO O LINK COM O POEMA PERUANO
Me gritaron negra: 

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