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Pedro Simonard

Antropólogo, documentarista, professor universitário e pesquisador

92 artigos

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Precisamos debater a democracia (2/2)

Existem vários modelos de democracia e que não cabe valorá-los e afirmar que um é melhor do que o outro. Cabe ao povo de cada país definir

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Esta coluna continuará a debater o tema democracia, abordado na coluna anterior.The Economist Group, multinacional inglesa controladora da revista The Economist, uma das bíblias do pensamento neoliberal, desenvolveu o Democracy Index. Trata-se de um índice criado pelo Economist Intelligence Unit (EIU), a divisão de pesquisa e análise deste grupo. Analisa 167 países e os classifica como “democracias plenas”, “democracias imperfeitas”, “regimes híbridos” e “regimes autoritários” a partir de 60 indicadores agrupados em cinco diferentes categorias que medem “pluralismo”, “liberdades civis” a “política cultural”Pluralismo pode ser entendido de algumas maneiras. As mais comuns referem-se a um sistema político-partidário onde mais de um partido tenha representatividade social. Outra forma de entendê-lo é compreender os sistemas sociais, políticos e culturais como resultantes do embate de demandas colocadas e defendidas por diferentes grupos sociais autônomos. Esses grupos se formam graças à conjunção de uma pluralidade de fatores que estão presentes no ambiente social e político de determinada sociedade. Suas demandas manifestam-se publicamente e criam um debate na arena política.  As liberdades civis ou liberdades individuais são aquelas que protegem o cidadão do poder autoritário ou do uso do Estado por grupos autoritários em proveito próprio. São vários os direitos inclusos nas liberdades civis: o direito à liberdade e segurança; liberdade de consciência; a liberdade religiosa; liberdade de expressão; liberdade de associação e reunião; o direito à privacidade; o direito ao um processo legal equitativo; o direito a um julgamento justo; o direito de possuir propriedade; o direito de defender a si mesmo; o direito de não ser torturado; o direito de não sofrer um desaparecimento forçado; a liberdade de imprensa; a igualdade perante a lei; o direito à vida; o direito à integridade corporal. Interessante notar que esses direitos protegem mais a alguns cidadãos e menos a outros. Ausências notáveis entre esses direitos são o direito ao trabalho digno, o direito à renda mínima que permita a reprodução social do cidadão, o direito à saúde pública de qualidade, o direito à educação pública de qualidade, o direito de acesso à terra para quem nela quiser trabalhar.

As políticas culturais devem assegurar que grupos minoritários, grupos não hegemônicos e povos tradicionais possam se reproduzir social e culturalmente com liberdade, contando com os mesmos apoios que os grupos hegemônicos. Isso significa que aos grupos não hegemônicos deve ser assegurado o direito de viver segundo as normas e regras estabelecidas pela cultura herdada de seus ancestrais ou segundo seus próprios valores culturais (se tratar-se de um grupo social urbano, por exemplo) ou segundo seus princípios religiosos, bem como deve ser assegurado as mesmas formas de financiamento e acesso aos mesmos equipamentos culturais disponibilizados para os grupos sociais hegemônicos. 

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O Democracy Index apresenta distorções, cujas origens podem estar associadas ao fato de ter sido criado segundo valores caros a uma empresa capitalista. 

Entre os países que gozam das mais altas avaliações estão o Canadá e Austrália que, por exemplo, possuem minorias autóctones que lutam pelo direito a sua autodeterminação e a viver segundo sua cultura tradicional. A democracia canadense e a australiana não atingem estas minorias ou as atingem de maneira transversal. Os governos desses países permitem, por exemplo, a extração de minérios nos territórios de povos tradicionais, apesar destes manifestarem-se contra. Qual é a influência que este tipo de prática desempenha na elaboração do Democracy Index? Este índice mede as categorias pluralismo, liberdades civis e política cultural de maneira que valoriza a forma visível, materializável da democracia que, geralmente, está associada a ações de Estado e de governo. É fácil medi-la segundo a atuação dos governos, mas há uma diferença entre a atuação do governo e a atuação do cidadão nacional ou de grupos sociais nacionais. Quando morei no Canadá, por exemplo, presenciei uma série de atitudes cotidianas que refletiam o racismo e/ou o desrespeito a religiões não cristãs. Este tipo de atuação cotidiana, que reflete o exercício de micropoderes, é impossível de ser registrado por índices que buscam construir panoramas gerais e certamente não foi identificado pelo Democracy Index no que concerne ao Canadá. 

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As instituições formais de Estado e de governo não permitem avaliar-se corretamente a democracia. O Democracy Index classifica os EUA e o Uruguai como democracias plenas, mas classificar países onde a supremacia branca é uma instituição nacional, como é o caso dos EUA, onde há uma enorme concentração da propriedade rural que exclui camponeses do acesso à terra, onde a pobreza atinge milhões de pessoas parece uma falácia.

Apesar de ser o país onde mais se mata a população LGBTQI+, apesar de possuir a segunda maior concentração de renda do mundo, apesar de 48% de sua população não ter acesso ao serviço de esgotamento sanitário, o Brasil é considerado uma democracia imperfeita. O Brasil não pode ser considerado uma democracia nem plena nem imperfeita e a conjuntura atual do país sob o governo de Jair Bolsonaro expõe as feridas abertas de uma sociedade autoritária, intolerante, racista, inculta onde as amizades e as origens de classe asseguram mais direitos do que o sistema legal do país.

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Cuba, Venezuela e Irã são considerados regimes autoritários. No entanto, se levarmos em conta o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e não o Democracy Index esses três países estão classificados, juntamente com o Brasil, como países com alto desenvolvimento humano. Este índice busca aferir o grau de desenvolvimento de determinada sociedade nos quesitos educação, saúde e renda. Ele é o resultado da combinação de três dimensões: uma vida longa saudável, a expectativa de vida ao nascer de uma população; o acesso ao conhecimento por meio da análise dos anos médios de estudo e anos esperados de escolaridade; o PIB per capita (PPC). Segundo esses critérios, os cubanos gozam de uma expectativa de vida acima de 79,1 anos, a média de anos de estudo de um cidadão cubano é de 9,9 anos e o PPC de Cuba equivale a 5.416 dólares. Na Venezuela, a expectativa de vida é de 72,25 anos, a média de anos de estudo é igual a 9,4 anos e o PPC venezuelano alcança 16.054 dólares americanos. Quanto ao Irã, a expectativa de vida é de 75,13, o PPC chega a 5.627 dólares. Não foram conseguidos dados sobre a média de anos de estudo no Irã. 

É preciso ressaltar que todos os três índices abordados acima vêm melhorando nos últimos 20 anos nos três países em questão, apesar de os três estarem submetidos a sanções econômicas impostas por países considerados democracias plenas ou democracias imperfeitas, liderados pelos EUA.

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O IDH seria um índice mais adequado para medirmos o nível de uma democracia na medida em que um IDH alto poderia representar uma maior participação popular no controle do governo? A realidade encontrada no Brasil e nos EUA demonstra que não.

O melhor, talvez, seja considerar que existem vários modelos de democracia e que não cabe valorá-los e afirmar que um é melhor do que o outro. Cabe ao povo de cada país, de maneira autônoma e autogestionária, definir qual o modelo mais adequado para a sua realidade. Para que isso seja possível é necessário que índices como o Democracy Index deixem de existir ou sejam utilizados de maneira bem crítica e parcimoniosa porque servem a interesses muito específicos de investidores e capitalistas de países ricos, para que estes decidam onde vão investir seu capital. 

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Um índice descontextualizado permite análises distorcidas. Se olharmos para o Democracy Index veremos que os índices de democracia mais baixos correspondem a países africanos conflagrados e à Arábia Saudita. Em todos esses países encontramos agentes de democracias plenas ou democracias imperfeitas atuando de maneira a sustentar governos autoritários ou grupos armados que assegurem bons negócios e transferência de renda desses regimes autoritários para as democracias ocidentais. O Democracy Index não utiliza esta variável, influência estrangeira, na sua classificação, na elaboração do seu índice. Isto gera distorções e imperfeições graves, tais como classificar como democracia regimes que não asseguram uma boa qualidade de vida aos cidadãos e classificar como autocracia regimes onde a população goza de boa qualidade de vida.

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