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Sara York

Sara Wagner York ou Sara Wagner Pimenta Gonçalves Junior é graduada em Letras - Inglês (UNESA), Pedagogia (UERJ) e Vernáculas (UNESA), especialista em Gênero e Sexualidades (IMS/CLAM/UERJ), mestre em educação (UERJ) e doutoranda em Formação de Professoras/es (UERJ), pai, avó, pesquisadora e professora, a travesti da/na Educação.

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Quem amola a faca que mata a diferença no Brasil?

Maria Emília Ururahy (Foto: Reprodução/Twitter/@sarawagneryork)
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Em um dia marcado pela dor e pela perda de uma professora pelas mãos de um aluno de 13 anos, a pergunta que todos nós fizemos foi, como chegamos a tamanho descontrole e desrespeito com sujeitos que permeiam os campos da diferença? Como transformamos pessoas dignas de direito em objetos inferiores? E sujeitos historicamente lidos como dignos de serem piada? 75% das vítimas de exploração sexual no Brasil são meninas negras (Liberta, 2017). 400 mil crianças ou adolescentes foram gestantes (DATASUS, 2019). E para além disso o Brasil é o país que mais mata população LGBTI+ em todo mundo (ILGA, 2023) e ainda temos o levantamento do número de ao menos 01 projeto de lei anti-trans sendo apresentado por dia no Brasil. 

Hoje, 27/03/2023, ocorreu na Sede do Conselho Regional de Corretores de Imóveis do Estado do Rio de Janeiro – CRECI/RJ, no Centro do Rio uma palestra sobre o SERP (Sistema Eletrônico de Registros Públicos), Lei 14.382/22, que entrou em vigor no dia 31/01/2023, oferecendo uma perspectiva de transformação para os serviços cartorários do país, permitindo que atos notariais sejam feitos de forma digital, remota. Faziam parte da mesa, duas tabeliãs, sendo uma delas a Dra. Maria Emília Ururahy, notaria do 3º Ofício de Resende/RJ, cartório que acumula as funções de Notas (lavra escrituras públicas, procurações, reconhece firmas e autentica documentos e etc) e Registro de Imóveis (registra e everba atos nas matrículas dos imóveis) e diretoria da ENOREG RJ – Escola dos Notários e Registradores do Estado do Rio de Janeiro.

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Somente para que possamos introduzir o tema, uma tabeliã é uma agente pública que exerce uma função pública, formada em Direito e que passa por um dos concursos públicos (atípicos) mais difíceis do país, e ao passar, ganhar a administração de um cartório, que pode ser um Cartório de Notas, Cartório de Títulos e Documentos, Cartório de Registro de Imóveis e/ou Cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais e etc. https://twitter.com/i/status/1640550172169064448 

Como administradora de uma dessas instituições, com fulcro no Art. 3º da Lei 8.935/94 ela passa a deter fé pública, ou seja, o que for feito pelo cartório é inquestionável e traz segurança jurídica para o negócio. A fé pública afirma a certeza e a verdade dos atos que a notária e a oficial de registro praticam, destarte, a função social deste profissional é de suma importância para a sociedade brasileira e para prover a equidade na forma de uma das principais operadoras do direito. https://twitter.com/i/status/1640550172169064448 

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Sentimos na sua fala uma falta de habilidade e zelo com um tema tão delicado e amplamente discutido na academia, na mídia e inclusive na profissão dela, sob força do Provimento 73/2018 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que orienta o procedimento de alteração do nome e do gênero das pessoas trans diretamente nos cartórios de registro civil e ainda a própria Legislação em epígrafe na palestra (Lei 14.382/22), que alterou o Art. 56 da Lei de Registros Públicos (Lei 6.015/73), para permitir que qualquer pessoa maior de idade (não só pessoas trans) a qualquer tempo, requeira a mudança do prenome, independentemente de justificativa e de autorização judicial – direito que antes, em regra, só podia ser exercido no prazo de um ano após a maioridade.

Além da fala ter sido desrespeitosa, ela ainda soou como deboche, deixando claro que tal direito, que pessoas trans conquistaram herculeamente, serviria tão somente para que essas pessoas estivessem aptas para conquistar vagas de empregos por “cotas”. Definitivamente, a ilustríssima senhora não sabe o dissabor e os diversos enfrentamentos que uma pessoa trans passa no seu dia a dia para que durante sua palestra diga:

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“(...) às vezes corporativamente a gente tem até indicado a pessoa a mudar (ela exemplifica que poderia mudar de sexo e usa seu próprio nome no masculino) por que têm as cotas (...) e é melhor você se declarar bissexual ou transexual (...) por que você vai ascender mais rapidamente!”

Sabemos que precisamos da disruptiva das estruturas machistas, utilitaristas, transfóbicas, racistas, homofóbicas e sexistas das instituições. Segundo a tabeliã, pessoas trans mudam de gênero ao bel prazer, descartando anos de nossas construções de identidade. Faremos uma denúncia às associações que defendem a população especificada (ABLGBT e Ministério dos Direitos Humanos aos cuidados da Sra. Secretária de Políticas LGBTI +, Symmy Larrat, no aguardo da retratação pública da ilustríssima senhora Maria Emília Ururahy, juntamente com o Colégio Notarial do Brasil – CNB, Associação dos Notários e Registradores do Brasil – ANOREG/BR, Escola dos Notários e Registradores do Estado do Rio de Janeiro – ENOREG/RJ, da Corregedoria Geral de Justiça do Estado do Rio de Janeiro – CGJ/RJ e do Conselho Regional de Corretores de Imóveis do Estado do Rio de Janeiro – CRECI/RJ, para que com isso, demostremos a sociedade carioca como locus respeitoso diante das diferenças, e que, não pode haver tamanho disparate usado como vetor de LGBTIfobia ao público sob impunidade. Apesar de graduada, especialista, mestrada e doutoranda, eu ainda me pergunto, o quanto terei que discutir casos como esse, seja no Programa de Travesti ou nessa coluna, para que algum dia, eu que sou travesti, professora e avó, goze de algum respeito diante da construção de narrativas como estas?

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Posto alguns trechos e lembro que o vídeo foi exibido ao vivo pela plataforma digital YouTube e que até o presente momento, havia mais de 200 visualizações e mesmo diante de minha interpelação no chat, não houve qualquer forma de retratação. 

A pergunta que sigo fazendo diante das confusões entre identidade de gênero e orientação sexual, quando a tabeliã nivela bissexuais e transexuais, não pode ser admitida em 2023, cinco anos após a estruturação cível brasileira. Observe que a palestra feita discorre sobre uma lei de 2023, a ADO que ampara retificação de registros cíveis é de 2018. 

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Precisamos entender o que precede a morte de pessoas LGBTI+, de pessoas negras e pessoas com deficiência ao longo da história e que não basta boa vontade é preciso compromisso com o respeito a todas, todes e todos!

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