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Claudia Schiedeck

Foi a primeira reitora do IFRS (2008-2016), coordenou a Câmara de Relações Internacionais do CONIF, possui doutorado em Educação e pesquisa a internacionalização da educação

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Sobre a barbárie e os desafios da educação: o dia seguinte

O que eu não estava preparada é para as cenas de absoluta destruição, crimes e vandalismo em Brasília ocorridas nesse domingo

(Foto: Marcelo Camargo / Agência Brasil)
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Claudia Schiedeck Soares de Souza

Há alguns dias vinha me preparando para escrever sobre o futuro educacional do novo governo Lula, sob a gestão do Ministro da Educação Camilo Santana. O que eu não estava preparada é para as cenas de absoluta destruição, crimes e vandalismo em Brasília ocorridas nesse domingo. 

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Confesso que fica quase impossível colocar em palavras tudo o que se viu ontem na capital brasileira. Assim como foi muito difícil encontrar palavras para descrever o pesadelo que vivenciamos em todas as áreas de políticas públicas sob o desgoverno Bolsonaro. Nada nunca pareceu ser adequado ou suficiente para descrever a constante ameaça, desmantelamento e aniquilação.  

Desde a eleição de Trump nos Estados Unidos (estive em Washington em janeiro de 2016 e pude ouvir alguns dos debates das primárias na TV), tenho dito que palavras constroem justificativas e narrativas. Embora o que vi lá justificava minha preocupação com o futuro brasileiro, muitos disseram que não havia diferenças entre os presidenciáveis estado-unidenses. Como havia essa diferença! Palavras se insinuam na mente das pessoas, dando sustentação para as mais absurdas teorias e atos. Minha formação na área da linguística me permite dizer isso. As palavras criam símbolos, criam força e são abusadas até tomarem formas completamente distintas do seu sentido original. Eduardo Galeano já dizia que ‘a culpa do crime nunca é da faca’ (Galeano, 1990)*. 

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Me sinto hoje mais destroçada do que ao longo desses últimos quatro anos. Vejo as cenas das obras de arte sendo vilipendiadas, para a arquitetura interna sendo destruída, para o patrimônio sendo estuprado por aquela horda de bárbaros e parece que eles conseguiram o que queriam: atacar os símbolos que nos são mais caros depois de tantos anos de ditadura militar. É da estratégia bélica: arrase, estupre, mate, dilapide, destrua tudo o que encontrar pela frente. E meu corpo e minha alma doem profundamente.  

E tudo isso está profundamente vinculado ao desafio educacional que teremos pela frente. Depois de ontem, não é mais possível tolerarmos, como professores, qualquer ato verbal ou físico de preconceito ou antidemocrático em sala de aula. Não será mais possível não compreendermos que o problema educacional do Brasil não é de conteúdo, de carga horária ou de currículo apenas. Mas é também (e talvez muito mais) de compreensão política, de aprofundamento analítico sobre as desigualdades brasileiras, de discussão política em sala de aula, com alunos, com a comunidade escolar, com a sociedade. Não falo de ideologia, falo sobre o que precisa ser mais óbvio: humanidade, solidariedade, empatia, respeito ao diferente e ao contraditório. E, sinceramente, o Ministério da Educação tem uma responsabilidade enorme na definição desse caminho, já que não temos nenhum tempo a perder. Criação de grupos que possam discutir a formação de professores, reformatação dos currículos da educação básica, reinclusão de sociologia e filosofia no Ensino Médio, formação de redes de professores que possam articular essa nova visão para a nossa tão combalida educação. Esse caminho precisa ser definitivo para que nenhuma nova aventura seja tentada. Não precisamos de militarização das nossas escolas, precisamos de consciência cívica. Não precisamos de livros e apostilas que impedem nossos professores de colocar a mão na massa. Precisamos que eles pensem, que eles leiam, que eles reflitam sobre ações como as que ocorreram ontem. Não precisamos de silêncio. Precisamos de vozes, muitas vozes, eu diria. 

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Serão anos de muita luta que não se esgotarão em um mandato apenas. Arenas sociais onde precisaremos disputar cada espaço. Nunca foi tão importante garantir que nossas crianças possam pensar sobre o que ocorreu ontem e não apenas olhar para esse dia como uma foto na parede, que não diga absolutamente nada. O dia 08 de janeiro de 2023, graças a atuação forte do governo Lula, não trouxe mártires, o que é um alento. Milagres acontecem, mas podem não se repetir. Temos que criar as condições objetivas para que a selvageria generalizada que ocorreu em Brasília nunca mais se repita. E isso começa pela educação, pelas nossas escolas, pelos nossos docentes, que possuem um papel fundamental nesse processo. 

Democracia para sempre. Respeito é um direito e um dever de todos. Sem anistia para ninguém. Que comecem as punições exemplares para que possamos ter paz para pensar o futuro da nossa educação. 

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Lembre-se: denuncie qualquer pessoa que possa ter participado daquela barbárie, quer seja financiando, participando ou mesmo incentivando essas cenas que estarão marcadas para sempre na democracia brasileira: denuncia@mj.gov.br.

 * GALEANO, Eduardo. A descoberta da América (que ainda não houve). 2ed. Trad. Eric Nepomuceno. Porto Alegre: Editora da Universidade/UFRGS, 1990. p.7 - 45. Série Síntese Universitária.

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