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Liliana Tinoco Bäckert

Jornalista e mestre em Comunicação Intercultural pela Universidade da Suíça Italiana, apresenta coluna semanal na Rádio CBN e é autora de livro e textos sobre vida no exterior

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Solidariedade às mulheres que não são fáceis, mas somente pobres

O mito das mulheres fáceis e pobres está na raiz de muitos males

Mamãe Falei (Foto: Reprodução)
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A desprezível frase “são fáceis porque elas são pobres” é o mais abjeto reflexo de um pensamento mundial de exploração de seres vulneráveis em um contexto estrutural de predisposição para o racismo, feminicídio e tráfico de seres humanos. Dita pelo deputado estadual Arthur do Val, em áudios sexistas ao relatar sobre as refugiadas ucranianas, o raciocínio revela o fenômeno da crença em supremacias, seja de uma nacionalidade sobre a outra, da posição de vantagem na pirâmide social e econômica, ou de gênero ou cor de pele.

Isso sem entrar com profundidade aqui no antiquado modelo de atribuir a alguém o rótulo de ser fácil. 

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O pensamento de do Val, que infelizmente não se restringe somente ao Brasil, é adubo para inúmeros tipos de violência contra a mulher. Com base nesse princípio, matam, estupram e traficam mulheres de países mais pobres e desprotegidas para outros onde há capital e interesse em “carne barata”. 

Diante da máscara arriada de do Val, há uma população feminina explorada, violentada, comercializada, traficada e assassinada em países de Primeiro Mundo. O Relatório Global sobre Tráfico de Pessoas aponta que cerca de 50 mil vítimas foram detectadas e denunciadas em 148 países em 2018. Quase metade delas em nível global eram mulheres adultas e 20% meninas.

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A relação da frase do deputado com a situação de uma traficada me foi apresentada pela primeira vez por Wanessa, em 2018, uma carioca que conheci no centro de acolhimento a pessoas vulneráveis do Brasil, o Projeto Resgate, em Zurique. Fugitiva de uma situação de trabalho escravo, na qual era obrigada a se prostituir, Wanessa me relatou que o marido, um empresário suíço, além de se apoderar de seu passaporte, disse que ela não seria sua última opção: “Ele iria para a Índia ou lugar parecido arrumar uma outra, sempre tem mulher pobre e fácil querendo.” 

Perante o aproveitamento da miséria humana, preciso então relatar que nós, brasileiras, também sofremos com essa mesma frase. Sim, porque onde houver pobreza, sonho e ingenuidade, haverá vítima em potencial. E nesse contexto de falta de opção, muitas se apegam ao sonho de um casamento com o príncipe estrangeiro encantado de olhos azuis.

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No livro Amores Internacionais, que lancei em 2020 sobre relações entre brasileiras e homens de 19 nações distintas, entrevistei conterrâneas para retratar o que muda na vida de uma mulher que divide a intimidade com alguém de uma outra cultura. Eu não sabia o que me esperava, além de histórias românticas e ricas em diferenças socioculturais. 

Existe um perfil sórdido de homens de nações de Primeiro Mundo que se aproveitam de seus privilégios para buscar mulheres em países mais desprovidos, como o nosso, justamente porque as acham fáceis, já que são pobres. 

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Há inúmeros casos de tráfico de seres humanos por casamento. Sim, o cidadão vai ao Brasil, escolhe uma vítima, corteja, promete o mundo, conhece a família, se casa com ela, e leva a moça para o seu país. Obviamente nunca a deixa aprender o idioma local, para controlá-la melhor. Há casos de isolamento em casa – cárcere privado – privação de comida, proibição de contato com os entes, violência e, até mesmo apropriação dos documentos e a obrigação de que a mulher se prostitua para pagar suas despesas pessoais. 

A rica Suíça não fica de fora. Apresentada aqui pelo caso de Wanessa, também tem seus homens que buscam nessas sociedades mais vulneráveis suas escravas sexuais. O Centro de apoio às mulheres migrantes e vítimas de tráfico de mulheres (FIZ, na sigla em alemão) cuidou de 108 novos casos de tráfico humano na Suíça só em 2018.

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Por conta do livro, fiz uma série de entrevistas sobre o tema com padecentes e com pessoas que trabalham com o problema. Entrevistei também a austro-holandesa Eva Danzl, que é aconselhadora no FIZ há mais de 25 anos. Como testemunha dos profundos sofrimentos causados por uma das mais maquiavélicas maldades que o ser humano é capaz de cometer, Ewa tem sua teoria em relação ao perverso ato de se casar com uma pessoa e vitimá-la a crimes de escravidão ou obrigá-la a se prostituir.

“Os agressores não são doentes. É maldade somada a um desejo capitalista de lucro acirrado com pouco trabalho. O racismo diminui o outro a uma categoria diferente de ser humano. E o fato dessa pessoa não ter o mesmo status na cadeia social do agressor faz esse personagem se sentir superior, acreditando que tem o direito de agredir, de explorar. Então, esse assunto todo gira em torno da questão da igualdade”.

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Dessa forma, em cada mulher ucraniana ofendida, mora uma brasileira ultrajada por esse tipo de pensamento doentio. Não se engane, da raiz dessas opiniões surgem as maiores barbaridades praticadas aos mais frágeis.

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