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Rogério Puerta

Engenheiro agrônomo, atuou por doze anos na Amazônia brasileira em projetos socioambientais. Atuou em assentamentos da reforma agrária no Distrito Federal por dez anos e atualmente vive em São Paulo imerso em paixões inadiáveis: música e literatura. Escreveu diversos livros

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Tricordiano: Santos, Flamengo e Grêmio

"Pelé em tratamento paliativo e não aparecendo em fotos. Já se sabia", escreve Rogério Puerta

(Foto: Alexandre Severino)
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Por Rogério Puerta 

Tricordiano, lindíssimo nome, tricordiana alguma irmã de Pelé que tenha também nascido na cidade de Três Corações. Cordial relativo ao coração, emoção. Brasileiro cordial? Nem tanto após se revelarem os sessenta milhões de neofascistas, mas talvez o cordial referido venha mais de uma pessoa de coração grande, portanto muito emotiva, que chora e gargalha, demonstrando bem mais emoção do que razão.

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Cortês já difere, mais relativo à corte, à nobreza, corte sem acento circunflexo, embora pronuncie-se. Também a corte de machos exibindo-se às fêmeas, o clássico pavão macho exuberante. Supuseram o frequentador da corte nobre alguém de bons modos. Há divergências. Diziam as más-línguas, tempos atrás, que o nosso soberano Dom João VI guardava coxinhas de frango nos bolsos. Carlota Joaquina não ficava muito atrás. Que nada, estão certos eles, praticidade. Sentiu fome, manda ver. Abaixo o excesso de etiqueta e pudores. Hedonismo, a busca pelos prazeres da vida.

Há ainda outras palavras com mesma etimologia, relativas ao coração. Cordato, o sensato, também derivação de coração. Cortês difere de corte do verbo cortar, assim escrito, que se pronuncia como se houvesse acento agudo na primeira sílaba. Cor, de coloração, sem acento e que se pronuncia como se houvesse o circunflexo. De cor, pronúncia como se houvesse o acento agudo, de cor, de memória, decorado, algo aprendido pelo coração, por óbvio com uma ajudazinha do cérebro.

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Imediatamente você se lembrou de um frango limpo que comprou no açougue e que veio com três corações. Com dois já tinha achado, mas com três foi uma vez só, achou ótimo. Sabe-se lá, se enganaram separando os miúdos na frenética linha de produção, as carcaças dependuradas passando ligeiras. Coração assado no espeto é bem apreciado por carnívoros contumazes.

Seu colega de profissão disse que em São Paulo torce pro Santos, no Rio pro Flamengo, e no Sul torce pro Grêmio. Pode uma coisa destas? Não seria oportunismo? Que se ache alguém em Manaus que não torça, quase exclusivamente, pro Flamengo ou Vasco. Em Belém menos, lá há os relativamente bem-sucedidos Paysandu e Remo.

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Faz sentido, se você tiver três filhos, dirá que seu coração está em cada um deles, mas talvez o fanatismo futebolístico seja algo exagerado ao se torcer para três times ao mesmo tempo. Sempre há a desculpa: "Mas Flamengo é o meu time preferido". Traição ou oportunismo, ou, muito melhor, abaixo os rigores estilísticos, mais conveniente mesmo, pragmático, se um time de um Estado perder, o outro pode ganhar. Alegria, churrasco de coraçãozinho assado no espeto e cerveja sempre! Trabalhador merece diversão.

Muito se discute o esporte apolítico. Pouco sentido ser apolítico, mesmo que não haja qualquer menção a partido, candidato. Não se pode sequer viver de forma coerente em uma sociedade caso não existam simpatias ou, por outro lado, aversões a uma determinada visão de mundo. O universo multifacetado.

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Alguém que não faça qualquer ideia daquilo que é o contexto social em que vive terá sérios problemas, cedo ou tarde, a vida imporá mínima manifestação, a tomada de algum lado, decisão, mediante uma nítida bifurcação à frente.

Vida nossa repleta de constantes escolhas necessárias a serem feitas, encruzilhadas. Não há volta, ou se toma um lado ou outro para seguir o rumo adiante. Ao invés, opcional, ou se anda para trás, se desmancha o que foi construído, então assim que se viva aos ermos, junto à natureza, em parcial isolamento. Opção posta à mesa de carteado, o livre-arbítrio particular de cada ser humano no planeta Terra.

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A Democracia Corinthiana belíssima, magnífica, quem viu ao vivo Sócrates e Casa Grande tabelando pareados em orquestrados contra-ataques jamais esquecerá tal cena, uma memória fotográfica de algo que provavelmente jamais se igualará. Antes de Sócrates, Reinaldo do Atlético Mineiro já corajosamente louvava os Panteras Negras em comemorações de gols com seu punho cerrado erguido.

Médici em 1970 fez ouvidos moucos e vista grossa às torturas. Ao mesmo tempo, baixavam o cacete com vontade em qualquer coisa que se mexesse e que pudesse vir a ser confundida com o comunismo. A seleção brasileira masculina de futebol voltava do México com um inédito tricampeonato e com a consagração do tricordiano Pelé.

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Coincidência ou não depois na Argentina, não, não foi. O conceito de pão e circo existe junto à Humanidade há milênios, o intuito planejado por governantes de ludibriar seus povos, inebriá-los, torná-los alheios e não entendedores de uma cruel realidade autoritária.

Não foi coincidência. Em 1978, na Argentina, a Copa lá realizada vencida pela seleção anfitriã, louvada tal qual um ente sagrado do Olimpo. Naquela época, enorme quantidade de sangue derramado já coagulado, os militares argentinos estavam ainda com as facas entre os dentes. Belicosidade argentina que culminou com a suicida Guerra das Malvinas, em 1982. Não surpreendente, o povo desmilitarizado foi quem pagou o preço da derrota.

Por óbvio a Argentina campeã da Copa relevou tudo isto a um segundo plano, o fanatismo ao futebol falou mais alto, praticamente o país inteiro se entregou à festança, ninguém se daria a ser estraga-prazeres, azeda-caldo, jamais, loucura seria pensar em política, em desgraças naquele eufórico momento.

Tanto no Brasil quanto na Argentina o êxtase futebolístico foi bem conveniente para encobrir com um manto sujo e espesso as violências políticas cometidas por militares alucinados, paranoicos com o comunismo que nunca chegava.

Pelé poderia tomar partido pouco antes de seu passamento, muitos o fizeram. O Brasil de onda neofascista atual presenciou famosos trocando farpas entre si. Afinal, se declarar em um ambiente de extrema polarização política por óbvio desagradará metade e agradará outro tanto. Pelé poderia se declarar enfaticamente, o atual jogador brasileiro de futebol em atividade, o mais famoso deles, assim o fez.

Você, há bem pouco tempo, acompanhava de perto as lutas de MMA, conhecia os currículos dos lutadores, admirava a garra impressionante das lutadoras. Por infelicidade, quase mediante choro e ranger de dentes, viu-se obrigado a abandonar este grande prazer e emoção. Quem mandou ter a mania de não separar o autor da obra?

Lutador de MMA bolsonarista é quase uma redundância, outro dos pleonasmos, uns 90% são. Hábito seu não separar as coisas, perdeu a graça, o tesão de acompanhar o esporte. Já era.

Pelé poderia exercer o seu pleno direito e tomar partido político. E deveria ser aceito fosse qual fosse sua inclinação, uma opção democrática, bem isto. Dizia-se que no auge da carreira teria chance de eleito se candidato à Presidência do Brasil. Talvez tivesse. Foi ministro de FHC, um neoliberal.

Fez coro à Democracia Corinthiana e apoiou o movimento Diretas Já. Disse, muito tempo depois, que em 1974 estava infeliz com a situação da ditadura militar de então. Setenta e quatro de triste lembrança, o aperto da mordaça promovido por Médici, o descer de cacete com ainda maior estupidez.

Para o bem da História, para o bem da paz e da harmonia, mostrou-se muito bom Pelé não ter declarado voto em Lula ou Bolsonaro. Aí mais um diferencial. Você rechaçou quase todas e todos lutadores de MMA, no futebol rechaçou o ídolo incensado e endeusado Neymar.

Pelé ficou eterno mesmo, ele, a pessoa, o jogador de apelido de origem controversa. Pouco importa, soa bem, é nome bonito, não associável a algo depreciativo decorrente à sua negritude retinta, a qual se orgulhava.

Nascimento um sobrenome contumaz aos negros, que na sádica escravidão se dava a quem não tinha parentes diretos conhecidos. Nasceu preto escravo, ficou nascimento. Outros tantos negros brasileiros com tal sobrenome. Para nunca, jamais, não nos esquecermos de ainda tentar reparar adequadamente e justamente a todo e qualquer negro e negra do Brasil atual.

O tricordiano Pelé deveria mesmo ter no peito uns três corações. Com o câncer não se brinca, é implacável, se alastrou desde o baixo-ventre, seus corações pulsaram o quanto puderam, bem uns três deles, tamanha a largueza de seu sorriso honesto inesquecível.

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