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Washington Araújo

Jornalista, escritor, professor da UnB, tem 17 livros sobre mídia e direitos humanos. Autor do blog de jornalismo e cultura Cidadaodomundo.org

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TV estagnada, Pantanal estagnado e o gado... zanzando por aí

Esperava-se mais, muito mais, da nova produção de Pantanal. Uma espera em vão

(Foto: Reprodução)
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-- Frustrante. Decepcionante. Não mostrou a que veio.

Esperava-se mais, muito mais, da nova produção de Pantanal. Uma espera em vão. Como a espera de Godot, do Beckett, o que se viu no primeiro capítulo da nova produção global deixou a desejar. E não me venham com essa estória de que não podemos comparar com a obra prima original, aquela do Benedito Ruy Barbosa que estreou na Manchete em 1990 e que permanece até hoje como paradigma de televisão-beleza, televisão-estética, televisão-verdade. E também televisão-encantamento.

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Mas se não fizermos a necessária e indispensável comparação com a produção original de 32 anos atrás, qual a maneira certa de aferir se a Globo pesou na mão, carregou na dose, e principalmente, se a Globo mesmo tanto tempo passado, com tantas novas tecnologias brotadas no oceano do audiovisual e a seu dispor saberia como fazer algo à altura do original?

Posso  estar muito equivocado, mas ver tanto gado zanzando pra lá e pra cá, gado sem serventia alguma, gado-figurante em lentas imagens a beira de serem taxadas de tediosas.  Até o boi Marruá da Globo  – êta boizinho mixuruca, se era para deixar o telespectador amedrontado, deixou-o bem à vontade e sorridente ao  lembrar  da cara do Chris Rock após ser atingido com um tapa que jamais imaginaria receber na grande noite da Sétima Arte, desferido por destemperado do Will Smith!

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Mas, que tal começarmos do início? A abertura do remake perdia de 7 x 1 para a abertura da Manchete. Foi como se, mesmo pós-tumulo, Adolpho Bloch aplicasse um de direita no Roberto Marinho e depois resolvesse expor a motivação:

--- Vocês têm capital, tecnologia, infraestrutura, influência midiática e seguem amparados em formidáveis  ações de marketing noveleiro, mas convenhamos, falta-lhes a manha  a perícia, e a criatividade daqueles destituídos de tais atributos...

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A abertura atual traz consigo um cheiro de coisa requentada ,intragável e parece soar algo, digamos, fake. Enquanto a Manchete fazia a abertura com alucinantes imagens de bichos que de tão vívidos e cheios de vigor, parecia estar saltando das telas direto (e non stop) para nossas salas de tevê, e que dizer da beleza exuberante da atriz Nani Venâncio no auge de seus 21 anos de idade se entrelaçando com onças e rios? Sim, vigor foi a marca do Pantanal antigo e agora, tínhamos imagens crepusculares bem ao estilo daqueles cartões postais pré-Internet da Edições Paulinas nos anos em que estreou a novela da emissora bem entronizada na Rua do Russel carioca. E todos sabem que a abertura de uma novela vale já quase 1;/3 do valor do ingresso para se assistir um bom espetáculo televisivo. Terá a Globo se esgotado em si mesma? Fará a Globo do seu principal produto-novela o mesmo que fez com seu secundário produto-jornalismo? E o que ela fez? Tornou jornalistas não mais que leitores de teleprompters, amordaçou a livre opinião, optou pela pântano estagnado do pensamento único, neoliberal, reacionário tantas vezes.

A escalação do elenco deixou a desejar. A maior parte do atores parecem ter amnesia da pele e não memória da pele. Explico. Os atores estão mais para frequentadores três a quatro vezes por semana de academias da zona sul carioca que para vaqueiros e peões ainda muito encontrados nos cafundós do Brasil profundo. Falta-lhes o physique du rôle”,  em francês , significando a aparência física  (physique) adequada   para o papel (du rôle)  desempenhado  por um (a) ator (atriz), numa peça. Trocando em miúdos, quando falta a um elenco esse tal physique du rôle, é como se faltasse logo tudo. Um exemplo mais didático: um ator franzino, magro e varapau não tem o “physique du rôle” adequado para representar Tim Maia; o  mesmo ocorre com um artista musculoso , gordo e de baixa estatura para personificar Woody Allen.

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E isso falta aos vaqueiros e peões, ao habitat rural recriado pelas lentes da Globo para o Pantanal que deseja chamar de seu. Eles são quase sempre franzinos e não tem calças de cowboys folgadonas que dê jeito. Juliana Paes, sempre linda com o passar dos anos, parecia transfigurada em outra mulher, muito mais idosa, rosto lambuzado de cinzas aqui e alie aquele mega-hair despropositado. Alguém imaginaria Maria Marruá saindo de um salão de beleza do Leblon? É de lascar. A Globo precisa trabalhar muito para fazer algo natural e simples, algo que passe verossimilhança. E fazer o simples é sempre mais complicado e difícil que fazer o seu contrário. A praia da Globo são as metrópoles urbanas, mas, quando não pesa a mão, vez ou outra, nos hipnotiza seu belo folhetim de 1999 – Terra Nostra.

E se Maria Marruá ressuscitasse certamente diria a Ju Paes: “Sai desse corpo, que ele não te pertence!” No entanto, a atriz tem tudo para dar certo, mas do jeito que nos foi apresentada no primeiro capítulo desse 28 de março, a atriz não passa de um desperdício. E poderia deitar falação sobre outros personagens, como a Juma de nossos dias jovens, como o Zé Leôncio criança, adolescente jovem. O desafio de integrar à paisagem pantaneira o elenco é imenso, isso sabemos bem, afinal meu mestrado de Cinema na UnB tem servido para alguma coisa... Sei não, esse remake tem tudo ainda para ser bom, é só acostumar os olhos a uma fotografia de menor qualidade estética, mas uma coisa parece já ser certa -- o pantanal que vi ontem é tech, cheio de botox e mais uns capítulos talvez seja pop. Porque agro, rural, não é, e tudo, está longe de ser, assim como longe estão do plano piloto de Brasília os Champs-Elysées parisiense, a Jam Path Road, no centro de Délhi, na Índia.  

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Todo remake é um salto no escuro. Algumas vezes se cai no vácuo, outras se cai no aturdimento desesperançado. É inglório competir com as imagens dos personagens que trazemos anos a fio na memória do sentimento, do coração. São imagens idealizadas e por isso é um exercício doloroso. Daí a gritaria do Marcos Palmeira, que trabalhou no original da Manchete e trabalha agora na versão da Globo: “Não devemos fazer comparações entre uma e outra!” Ora, vá se catar, Marcos!, fico rindo com meus botões!

Voltarei a esse assunto. E tratarei de Juma, do Velho do Rio e de outros mais.

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Por enquanto o descuido é todo da Globo que parece nem mesmo sabe onde está pisando.  

Mas comigo, e com a imensa legião de admiradores da Pantanal da TV Manchete, sabemos que todo cuidado é pouco quando se pisa no pantanal.

Porque o pantanal é sagrado. Tanto na ficção quanto na vida real.

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