CONTINUA APÓS O ANÚNCIO
Adamo Antonioni Insfran avatar

Adamo Antonioni Insfran

Jornalista, professor de Filosofia e mestre em Comunicação

6 artigos

blog

Vale tudo para derrotar Bolsonaro?

Como diria Foucault, a verdade é deste mundo. E ela não pode ser monopolizada pelo bolso-fascismo sujismundo.

André Janones (Foto: Reprodução)
CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

✅ Receba as notícias do Brasil 247 e da TV 247 no canal do Brasil 247 e na comunidade 247 no WhatsApp.

O deputado federal André Janones (Avante-MG) pode ter seu mandato cassado. Ao menos, é essa a tentativa empreendida pelo Partido Progressista (PP) e Partido Liberal (PL). Ambos acusam o deputado, que se tornou fenômeno nas redes sociais, de quebra de decoro parlamentar por divulgar “fake news” contra Jair Bolsonaro (PL).  

A representação, porém, cria um dilema para o parlamento brasileiro, tendo em vista que outros deputados foram obrigados pela Justiça Eleitoral a apagar fake news contra o ex-presidente Lula, como os deputados federais Eduardo Bolsonaro (PL) e Carla Zambelli (PL) e o senador Flávio Bolsonaro (PL). Ou seja, o próprio Tribunal Superior Eleitoral já reconheceu que esse grupo ligado à extrema-direita falta com a verdade, dissemina desinformação e, consequentemente, desequilibra o jogo democrático ao tentar manipular a opinião pública. Mas, segundo o PP e o PL, o problema está apenas em Janones.  

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

Pelo lado do campo progressista ou, ampliando este espectro que se formou no 2º turno, para o chamado campo democrático, há quem critique essa espécie de “olho por olho, dente por dente” adotado por André Janones. “Não se combate mentiras contando mentiras”, vociferam alguns no twitter. “A verdade está morta”, escandalizam outros. 

Em tempos de pós-verdade, em que o apelo às emoções substituiu os fatos, cabe nos questionarmos: Vale tudo para derrotar Bolsonaro? A mentira se combate com a verdade ou produzindo mais mentiras? Mas o que é a verdade, afinal?    

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

A verdade segundo Michel Foucault  

Antes de qualquer coisa é preciso ter em mente que na perspectiva foucaultiana, a verdade, ou melhor, as verdades têm uma história. Inspirado na filosofia nietzschiana, o pós-estruturalista Michel Foucault argumenta que cada sociedade possui seus próprios regimes de verdade. Em outras palavras, cada sociedade estabelece seus mecanismos, instâncias, regras e funcionamentos que diferenciam enunciados verdadeiros dos falsos. Portanto, não há uma verdade aí, desde sempre, dada, imutável que caiu do céu.  

A verdade é produzida por meio das convenções sociais, fatores econômicos e culturais; estes, por sua vez, produzem efeitos regulamentadores de poder. Tais convenções, por mais que pareçam universais e habituais, foram alvos de intensas disputas, confrontos, embates no tempo histórico em que foram forjadas, até que se tornassem “verdades” na sociedade atual.    

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

Na aula de 23 de janeiro de 1974, Foucault realiza uma pequena história geral da verdade. Nesta aula, o filósofo explica que há, basicamente, dois tipos de verdade: uma é a verdade filosófica-científica, que supõe que haja uma verdade por toda parte, em todo lugar e em todo tempo_ onipresente. Para coletar essa verdade oculta, enterrada ou que é difícil de se enxergar a olho nu, é preciso de instrumentos específicos, um caminho rigoroso deve ser seguido: o método científico. Em suma, esta é a verdade-demonstração. O outro tipo de verdade, é uma verdade dispersa, descontínua, que tem seus mensageiros e seus operadores privilegiados e exclusivos. Uma verdade do oráculo de Delfos. Esta, não pode ser apreendida por instrumentos ou algum método específico, ela é captada pelas artimanhas, pelo choque, pelo conflito. Se estabelece nas relações belicosas, não na ordem do conhecimento, e sim, na ordem da caça, das relações de poder. Esta é a verdade-acontecimento. 

Cabe salientar que, embora se tratem de duas verdades aparentemente distintas, a análise de Foucault nunca é dicotômica, binária. As verdades são sempre contingentes, arbitrárias, isto é, não necessárias. Assim, a verdade-demonstração é, em si, um momento ou um aspecto que se sucedeu aleatoriamente da verdade-acontecimento.  

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

Deus, pátria e família: o regime de verdade capturado pelo bolso-fascismo  

Então, se cada sociedade possui seu próprio regime de verdade e se estas verdades são, grosso modo, oriundas de convenções. É impossível negar que o slogan bolsonarista “Deus, pátria e família” se ancora em convenções muito bem consolidadas no tecido social brasileiro. É uma verdade afirmarmos que a sociedade brasileira é culturalmente religiosa de formação judaico-cristã. É uma verdade que todos os nascidos em território nacional ou naturalizados são brasileiros, assumem esta identidade patriótica e seus símbolos como o verde e amarelo. Também é uma verdade que o modelo tradicional de família constitui o núcleo fundamental dos valores morais desta nação. O problema é que “Deus, pátria e família” se inscrevem no regime de verdades-acontecimentos que os bolsonaristas tentam capturar para si, se arvorando como operadores exclusivos de tais verdades. E a verdade é que esta estratégia é adotada pela extrema-direita no mundo todo. Desarticulá-la não é uma tarefa fácil.  

O bolsonarismo, que é essencialmente fascista, coloniza determinadas convenções sociais e as manipula o tempo todo, de forma conveniente. Os políticos extremistas que recorrem à Justiça Eleitoral acusando André Janones de espalhar fake news são os mesmos que têm por hábito atacar juízes e constranger ministros do Supremo, a depender da ocasião. Essa seletividade traz à tona a real estratégia bolso-fascista: transformar o guia deste movimento, Jair Bolsonaro, na instância suprema que decide sobre o que é verdade e o que não é. Segundo levantamento da agência de checagem Aos fatos, Bolsonaro disse, em média, sete informações falsas ou distorcidas por dia desde 2021.  

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

Então, para atingir seus efeitos, a extrema-direita montou uma rede de alianças e apoios com lideranças evangélicas fundamentalistas para aterrorizar fiéis, ameaçar com castigo divino ou punição os evangélicos propensos a votarem em Lula no 2º turno. Estes pastores_ que se consideram como os únicos mediadores entre a verdade e os homens_ utilizam de seu poder de influência para espalhar desinformação nos grupos da Igreja via WhatsApp, uma fake news que tem se popularizado é a de que Lula fecharia as Igrejas caso seja eleito. Outra estratégia do bolso-fascismo é a produção em série de desinformações baseadas em pânicos morais, medo e ansiedade que tem como alvo a família. Em 2018, foi a mamadeira fálica. Em 2022, o banheiro unissex. Segundo o filósofo Jason Stanley: “A propaganda fascista amplia esse medo ao sexualizar a ameaça do outro. Com a política fascista tem, na sua base, a tradicional família patriarcal, ela é naturalmente acompanhada de pânicos sobre os desvios dessa família patriarcal”.  

Essas estratégias, táticas e artimanhas que a extrema-direita tem se utilizado são muito mais numerosas, tênues e sutis, mas algumas delas André Janones têm conseguido compreendê-las, dominá-las, executá-las contra seus criadores e, dessa forma, participar das relações de poder de uma maneira inédita, dando maior equilíbrio nas lutas políticas que se desenrolam nas mídias sociais.   

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

O “acontecimento” Janones e os novos regimes de poder  

Diante da estratégia fascista de produzir uma “verdade” em torno do presidente Bolsonaro como arquétipo de um messias representante de Deus, da família e da pátria, construindo midiaticamente uma atmosfera sacralizante e infalível, o que chamo de “papização da política”, em referência ao dogma católico da infalibilidade do papa, André Janones tem descontruído esta imagem, trazendo este debate para a esfera secular, apontando as contradições discursivas do bolso-fascismo, desarticulando a estratégia e relevando hipocrisias. 

Como no caso de Bolsonaro e a Maçonaria, um vídeo antigo de sua visita numa loja Maçom. A suposição sobre satanismo rapidamente viralizou nas redes sociais porque denunciava o quanto era falso o messias Jair. O estrago foi tão grande que pastores fundamentalistas, como Silas Malafaia, historicamente inimigo declarado dos maçons, tiveram que vir a público para passar um pano na tal visita.  

Janones, que também é evangélico, aproveitou a oportunidade para incendiar ainda mais o assunto, gravou um vídeo em frente ao Templo de Salomão e assim, forçou, talvez pela primeira vez na campanha presidencial de 2022, a equipe do atual presidente a atuar na defensiva, tentando apagar o incêndio. O empreendimento janônico consiste em se utilizar das estratégias bolsonaristas contra eles próprios, apropriando-se das ferramentas de viralização como emoção, senso de urgência e tom alarmista para pautar a extrema-direita, mobilizar a militância progressista e criar ceticismo ou ampliar a rejeição entre indecisos, uma estratégia que a campanha do PT não conseguia executar com tanta eficiência.  

Foucault defende a hipótese de que o poder é guerra. Guerra prolongada por outros meios. Posso presumir dessa hipótese que havia um desequilíbrio de força entre o campo progressista e a extrema-direita nas relações de poder que se estabeleceram nas mídias sociais através de uma espécie de guerra de narrativas, batalha em torno da noção de verdade. O cenário começou a ser modificado com a adesão de Janones nesta luta política. E ainda que ele não tenha ganhado a guerra, nas batalhas em que se saiu vitorioso foram fundamentais para desmistificar o “santo Bolsonaro”. Um santo com os pés de barro. 

Ao final desta eleição faltará pano à extrema-direita para limpar tanta lama que ainda está por vir. Como diria Foucault, a verdade é deste mundo. E ela não pode ser monopolizada pelo bolso-fascismo sujismundo.  

iBest: 247 é o melhor canal de política do Brasil no voto popular

Assine o 247, apoie por Pix, inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista:

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

Cortes 247

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO
CONTINUA APÓS O ANÚNCIO