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Carlos Carvalho

Doutor em Linguística Aplicada e professor na Universidade Estadual do Ceará - UECE.

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Viver é uma selvageria

"Uso de fósforo branco é crime de guerra, bombardear ambulâncias é crime de guerra, bombardear campos de refugiados é crime de guerra.Todo o mundo sabe"

(Foto: Reprodução/X)
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Enquanto caminha para a morte, com pedras nos bolsos do pesado casaco, não sabemos quais são os pensamentos ou as dúvidas que afligem Virginia. “A imensidão da água, a placidez do distanciamento de tudo, uma sensação de alivio e paz. Viver é uma selvageria”. E é assim que segue a primeira fala de Virginia, na cena 1, da peça Virginia, um inventário íntimo (2022), de Cláudia Abreu.

Publicada pela editora Nós, com “orelha” de Ana Carolina Mesquita, a peça é curta (refiro-me apenas ao texto escrito), mas é por meio dela conseguimos entrar um pouco na vida de Virginia Woolf (1882 – 1941), uma das escritoras mais importantes do século XX. Em carta para Woolf (p. 5-6), Abreu diz: “Minha querida Virginia, passei os últimos anos dedicada à tarefa de tentar fazer um recorte potente e amoroso de sua vida. Espero que goste”. E ainda: “Imaginei um encontro fictício nosso, quando lhe contaria impressões de minhas leituras, falaria de como sua sensível e aguda percepção da realidade me iluminava, o quanto sua personalidade extraordinariamente singular me inspirava. Li suas biografias, seus diários, suas memórias. E descobri algo que me parecia impossível: sua vida era tão interessante quanto sua literatura. Como sobreviveu, tendo nervos tão frágeis, a tantas tragédias familiares, às depressões, às violações à sua sensibilidade? Ainda hoje me compadeço de suas angustiantes crises nervosas” (p.5). O resultado é um texto, ao mesmo tempo triste, forte, belo e atemporal.

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Li a peça de Cláudia Abreu no mesmo período em que começava o genocídio, ainda em curso, do povo palestino. Enquanto centenas de crianças continuam sendo assassinadas todos os dias, o mundo faz cara de paisagem e meia dúzia de “artistas” (Walter Benjamin se revira na tumba) em um país na periferia do capitalismo sai às ruas em defesa do Estado carniceiro, que chacina em nome sabe-se lá do que. A impressão que se tem é que ninguém mais sente vergonha de ser estúpido. Os idiotas, como dizia Nelson Rodrigues, perderam a modéstia. E vão tomar conta do mundo; não pela capacidade, mas pela quantidade. Eles são muitos. Nossa sorte nessa guerra é que, como dizem os versos de Ednardo: “eles são muitos, mas não podem voar”.

O uso de Fósforo branco é crime de guerra, bombardear ambulâncias é crime de guerra, bombardear hospitais é crime de guerra, bombardear campos de refugiados é crime de guerra. Todo o mundo sabe todo mundo vê. Assim, qual seria o posicionamento dos quase cem países que apoiam o extermínio do povo palestino, se o criminoso de “guerra” (guerra é diferente de genocídio) em questão fosse Rússia, China ou Cuba, por exemplo? Por qual indecente razão, alguns são considerados mais iguais que outros? Os senhores da guerra transformaram o mundo em um local completamente inóspito, uma distopia vivida em tempo real. O totalitarismo bate à nossa porta. Viver é uma selvageria. Como sobreviveremos, se nossos nervos já estão tão frágeis, a tantas tragédias, tanto ódio e tanta insanidade? A vida é apenas essa sombra errante, cheia de som e fúria? Provavelmente. E como diz Cláudia Abreu ao final do seu texto: “tudo está em Shakespeare”.

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