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Economia

PECs de Guedes mudam modelo econômico do Estado e contrariam entendimento do STF

As PEcs apresentadas por Paulo Guedes passam o Estado de uma figura social para liberal, contrariando a Constituição de 1988. Guedes propõe, por exemplo, a redução salarial de servidores, o que o STF já entende como inconstitucional

(Foto: Fellipe Sampaio /SCO/STF (07/11/2019))
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Conjur - As propostas de emenda à Constituição apresentadas na quarta-feira passada (6/11) pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, buscam modificar o papel econômico do Estado atribuído pela Carta de 1988. Em vez do Estado social, criam um Estado liberal, reduzido. Para isso, preveem medidas polêmicas, como a redução temporária de salários de servidores — considerada inconstitucional pela maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal.

A tônica das PECs 186 e 188/2019 são a responsabilidade fiscal e o controle dos gastos públicos. Os textos estabelecem que União, estados e municípios devem conduzir suas políticas fiscais de forma a manter a dívida pública em níveis sustentáveis. E os direitos sociais devem se submeter a essa regra. A PEC 188/2019 adiciona um parágrafo único ao artigo 6º da Constituição: “Será observado, na promoção dos direitos sociais, o direito ao equilíbrio fiscal intergeracional”.

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As PECs também extinguem o plano plurianual e acabam com a exigência de o orçamento da União (e de entidades e empresas controladas por ela) reduzir desigualdades regionais, prevista atualmente no artigo 165, parágrafo 7º, da Constituição.

A obrigação de o poder público investir prioritariamente na expansão da rede de ensino em locais onde houver falta de vagas e escolas é igualmente suprimida pelas PEC 188/2019. A reforma do parágrafo 1º do artigo 213 da Carta ainda condiciona a concessão de bolsas de estudo — atualmente outorgadas a quem demonstrar insuficiência de recursos — à inscrição e seleção, quando houver instituições cadastradas. O argumento de Paulo Guedes é que, em muitos casos, sai mais barato para o governo pagar bolsas para entidades privadas do que construir e manter novas escolas, segundo informou o jornal Folha de S.Paulo.

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Para assegurar a diretriz de controle dos gastos públicos, a PEC 188/2019 cria, por meio da inclusão do artigo 135-A na Constituição, o Conselho Fiscal da República. O órgão será composto pelo presidente da República; pelos presidentes da Câmara dos Deputados, do Senado, do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal de Contas da União; por três governadores e três prefeitos, sendo pelo menos um de cada região do país, a serem escolhidos por regras definidas em lei complementar. O conselho terá a função de garantir a sustentabilidade fiscal. Para isso, deverá monitorar os orçamentos federal, estaduais e municipais, expedir recomendações e fixar diretrizes e apontar irregularidades aos órgãos competentes.

Se os entes descumprirem indicadores da “regra de ouro” (que proíbe o Executivo de se endividar para pagar despesas com pessoal), fica instaurado um regime emergencial, com a adoção automática de diversas medidas para conter o crescimento dos gastos. Entre elas, a paralisação da progressão e promoção funcional de servidores públicos, a suspensão de novos concursos e a proibição de benefícios fiscais. A medida também permite reduzir a jornada e o salário de servidores em até 25%.

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De acordo com especialistas ouvidos pela ConJur, o pacote econômico de Paulo Guedes mina o Estado social estabelecido pela Constituição de 1988. O professor de Direito Financeiro da USP Fernando Facury Scaff afirma que as PECs 186 e 188/2019 transferem o foco da administração pública do financiamento de programas sociais para o pagamento da dívida.

“As PECs mexem fortemente na estrutura existente hoje. Temos uma Constituição cuja tônica é de intervenção, que financia programas sociais. Tudo bem que a eficácia dela não é tão boa, mas as propostas do governo desmantelam completamente o modelo constitucional.”

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As propostas do governo extinguem o modelo de Estado pensado pela Assembleia Constituinte, aponta o jurista Lenio Streck. “O Brasil, sem nunca ter sido um Estado social, dará um salto em direção ao Estado mínimo”. Porém, ressalta o professor da Unisinos e da Unesa, o Congresso não pode promover essa mudança.

“O modelo de Estado social está nos artigos 3, 6 e 7 e no capitulo da Ordem Econômica. Estado social — essa foi a opção do constituinte. Por isso a Constituição é compromissória e dirigente. Há motivos históricos que justificam esse tipo de opção do constituinte e que ainda não desapareceram. Ao contrário. Os exemplos de outros países, Chile especialmente, mostram que o atalho para um Estado neoliberal ou ultraliberal representa um grave perigo. Enquanto o modelo de Estado social não for estabelecido, não é possível abandoná-lo. O Congresso não tem esse direito. Pode fazer pequenas alterações, mas não mudar o próprio modelo de Estado.”

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Na visão de Lenio, não é possível estabelecer previamente um estado de emergência que ainda não aconteceu. Ele também lamenta que o governo Jair Bolsonaro (PSL) não tenha buscado aumentar a arrecadação por meio de medidas como instituir o imposto sobre grandes fortunas e obrigar bancos a pagar tributos da mesma forma que o cidadão. O jurista prevê que, se aprovadas, as PECs serão contestadas no Supremo Tribunal Federal.

Salários de servidores

Não há consenso entre especialistas sobre a constitucionalidade da redução de salário e jornada de servidores. No entanto, a maioria dos ministros do STF entende que a medida viola a Carta de 1988.

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O artigo 7º, VI, da Constituição estabelece que são direitos dos trabalhadores a “irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo”. Os subsídios de servidores também não podem ser diminuídos, conforme o artigo 37, XV, da Carta Magna. As PECs reformam esse dispositivo para abrir a exceção de reduzir temporariamente os salários de servidores no caso dos planos de emergência.

Ao prever um estado de emergência por problemas fiscais que autorize a redução de salários, as PECs permitem que o Executivo descumpra leis, afetando o princípio da separação dos poderes, analisa Pedro Estevam Serrano, professor de Direito Constitucional da PUC-SP.

“O estado de emergência se caracteriza por algo imprevisto e imprevisível. Quando se estabelece uma lei estipulando despesa pública, é porque essa despesa é previsível. Portanto, não se trata de uma conduta imprevista ou imprevisível. Está-se querendo possibilitar ao Executivo o descumprimento da vontade legal. A função administrativa é escrava da lei, segundo Celso Antônio Bandeira de Mello. Portanto, permitir que o ato administrativo desobedeça à lei por conta de estabelecer um ato de emergência que não cumpre os requisitos de emergência — ser imprevisto e imprevisível — parece inconstitucional, pois vulnera o princípio da independência dos poderes.”

Contudo, Serrano elogia a descentralização de receitas para estados e municípios, também prevista no pacote econômico. Em sua opinião, a medida pode aumentar a eficiência dos gastos públicos.

Em artigo, o procurador federal Ricardo Marques de Almeida argumenta que a redução de salário e jornada é inconstitucional para servidores que não têm carga de trabalho fixa, como agentes policiais, delegados de Polícia Federal, advogados públicos, magistrados e integrantes do Ministério Público.

Embora essas carreiras tenham carga horária ideal fixada em lei, não têm jornada de trabalho fixa e, muitas vezes, tais funcionários públicos não são remunerados pelo serviço extra, ressalta Almeida. Assim, as PECs violam o artigo 1º do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e o artigo 7º, “a”, do Protocolo de San Salvador, que impõem ao Brasil, como obrigação internacional, salário equitativo e igual por trabalho igual, sem nenhuma distinção.

Para o procurador, seria possível reduzir o trabalho extraordinário dessas carreiras. Sem essas funções, seria possível acabar com a gratificação decorrente delas. “Mas, é impossível reduzir a carga horária ordinária das carreiras que exercem uma função à Justiça, reduzindo 25% do salário, pois isso implicaria enriquecimento ilícito do Estado, uma vez que, pela natureza das atribuições dessas carreiras, o trabalho se manteria normalmente”, analisa Almeida.

Fernando Scaff avalia ser possível sustentar que a redução de salários é inconstitucional, pois viola direito adquirido. Como essa garantia é uma cláusula pétrea, estabelecida no artigo 5º, XXXVI, da Constituição, não é possível alterá-la. Por outro, o professor entende ser plausível o contra-argumento de que o funcionário público recebe um certo valor por um determinado número de horas de trabalho. Dessa maneira, não haveria problema se a diminuição dos vencimentos fosse acompanhada de uma jornada menor, mantendo a proporção salário/hora.

Já Ana Paula de Barcellos, professora de Direito Constitucional da Uerj, alega que, se o artigo 7º, VI, da Constituição, permite a redução de salários por meio de convenção ou acordo coletivo, emenda constitucional pode estabelecer outras hipóteses de diminuição dos vencimentos.

Ela lembra que, desde a EC 19/1998, a Constituição permite a exoneração de ocupantes de cargos de confiança e servidores não estáveis em caso de crise fiscal. “A redução temporária de jornada e salário parece uma opção muito menos drástica [do que a exoneração] e, portanto, mais proporcional”, diz Ana Paula.

Redução inconstitucional

Em agosto, o Plenário do STF formou maioria para declarar inconstitucional artigo 23 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LC 101/2000), que prevê a redução da jornada e salários de servidores para que os órgãos se adequem aos limites financeiros da norma. O julgamento foi suspenso devido à ausência do ministro Celso de Mello.

O dispositivo está suspenso desde 2002, por liminar do STF. O relator, ministro Alexandre de Moraes, votou para derrubar a liminar e declarar a constitucionalidade do artigo 23, parágrafos 1º e 2º, da Lei de Responsabilidade Fiscal.

Moraes disse que a Constituição, no artigo 169, prevê medida mais drástica que a LRF, que é a perda de cargo de servidor estável em caso de não cumprimento dos limites fiscais. Ele apontou que a LRF traz uma opção intermediária.

"Será que o servidor público prefere ser demitido a manter seu cargo, manter sua carreira? A discussão não se dá entre ter essa flexibilização e continuar como está, é entre ter a flexibilização temporária ou ser demitido." Os ministros Dias Toffoli, presidente da corte, Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso acompanharam o relator.

O ministro Luiz Edson Fachin inaugurou a divergência, declarando inconstitucional o parágrafo 2º do artigo 23 da LRF, que prevê a possibilidade de reduzir jornada e salário de servidores quando a despesa estourar o teto fiscal. Em sua visão, não há como reduzir o salário de servidores públicos, e a Constituição "não merece ser flexibilizada, por mais pesadas que sejam as neves dos tempos”.

A ministra Rosa Weber acompanhou o entendimento firmado por Fachin, declarando a medida inconstitucional. Para ela, "a alternativa criada pela LRF de redução de jornadas e salários não atende ao texto constitucional". Os ministros Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio e Luiz Fux também seguiram a divergência.

A ministra Cármen Lúcia deu um voto intermediário. A ministra disse que se pode reduzir a carga horária de servidores públicos, mas não se pode reduzir o salário.

Separação de Poderes

A PEC 188/2019 também restringe decisões judiciais sobre pagamentos a servidores e estabelece que ordens que gerem despesas só serão cumpridas quando houver previsão orçamentária.

Especialistas ouvidos pela ConJur afirmam que a proposta é inconstitucional, pois engessa o Judiciário, violando o princípio da separação dos Poderes. Além disso, a medida é inócua, pois não é possível controlar como magistrados vão proferir suas decisões.

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