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Sara York

Sara Wagner York ou Sara Wagner Pimenta Gonçalves Junior é graduada em Letras - Inglês (UNESA), Pedagogia (UERJ) e Vernáculas (UNESA), especialista em Gênero e Sexualidades (IMS/CLAM/UERJ), mestre em educação (UERJ) e doutoranda em Formação de Professoras/es (UERJ), pai, avó, pesquisadora e professora, a travesti da/na Educação.

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Doutor, Doutor!

Eder van Pelt e Sara York (Foto: Arquivo pessoal)
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Em um momento tenso na Educação Brasileira, um professor e ativista LGBTI+ responsável por vários trabalhos de sucesso junto à comunidade (LGBTI+) carioca, vinculado à Universidade Federal Fluminense, abre novos ciclos com a finalização de mais um doutorado. Dessa vez, na Espanha. Pelo que tenho lido, a Espanha ainda tem se mostrado mais a frente, atos homossexuais são legais desde 1979; o reconhecimento de relacionamento entre pessoas do mesmo sexo é legal desde 1998; o casamento entre pessoas do mesmo sexo é legal desde 2005 e a adoção por casais homossexuais também é legal no país. A Espanha permite que pessoas LGBTI+ assumidas sirvam às forças armadas e bane todos os tipos de discriminação sexual. Existe uma Lei de Identidade de Gênero no país desde 2007. O que não significa que a heteronormatividade esteja superada. Ao contrário, diante de jovens abertamente inclusivos, há registros de grupos ultraconservadores e que politicamente encontram certo apoio. Basta lembrar de Ignacio Arsuaga idealizador da Hazte Oir (Se Faça Ouvir) uma associação que segundo ele defendia “valores da família natural”, ou seja conforme a vontade de um deus (binário, cisgênero, capaz, útil, endosexo e sempre alinhado com os desejos mais profundos de seus seguidores, não importando o quão nocivo seja). Ignácio Arsuaga ganhou a cena brasileira a partir de 2013 quando chega por aqui amparado por grupos ultraconservadores católicos brasileiros que viviam dispersos pela internet e se encontraram em sua missão suprema, descredibilizar a mulher, e para isso nada mais eficaz que decidir por elas sobre seus corpos. Suas falas vão da proibição do aborto sob qualquer circunstância, inclusive em casos de estupro ou de fetos com anencefalia às máximas fantasmagóricas da ideologia de gênero. Um mix de RedPil, BlueBotton e Meninão-do-Autoflagelo. O primeiro que precisa do corpo feminino apenas para sua performance masculinista para e com seus pares, o segundo é o “el toro” aquele masculinista clássico cujo desdém pelo outro desaparece apenas diante do holofote das câmeras e da internet e o terceiro, um mix dos dois primeiros, mas que nunca transou e virou padre. Desde então prega sobre o pecado alheio para expurgar suas mazelas. O clube é tão destro (me recuso a escrever sinistro nesse contexto) que une Padre Paulo Ricardo e Allan dos Santos na mesma capela! Enfim... Léguas distante de um governo anti-intelecto como Viktor Urban e/ou Jair Bolsonaro, Pedro Sánchez, do Partido Socialista Operário Espanhol, é o atual Presidente de Governo da Espanha desde 02 de junho de 2018 e pelo visto tem feito o trabalho. Para entender ao menos parte das discussões mais densas na academia brasileira e hispânica, convidei Eder van Pelt (Eder Fernandes Monica), professor adjunto da Faculdade de Direito da UFF/RJ para contar sobre sua segunda titulação. 

Em nossa conversa no Programa de Travesti, Eder já trazia pontos de suas discussões sobre e com os corpos LGBTI+. 

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“Quero levar a luta dos "novos sujeitos de direitos", os sujeitos do Sul Global, as mulheres, os negros, as pessoas LGBTI+, as pessoas com deficiência, os grupos étnicos subalternizados etc. também para o contexto da aplicabilidade dos direitos humanos em ambientes digitais.” (Eder van Pelt, 2023)

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Agradeço de antemão a disponibilidade para troca nessa conversa que dialoga com os efeitos da contemporaneidade. Apresentarei algumas perguntas que relacionam os trabalhos que temos produzido na TV Brasil247 e que relacionam tanto os assuntos de meu interesse quanto sua mais recente conquista. 

Eder van Pelt: Obrigado pela entrevista, Sara. É uma honra ser entrevistado por você e ter essa conversa publicada na 247.

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Você já esteve no Programa de Travesti algumas vezes e sempre trazendo informações preciosas que vou deixar inclusive anexo a esta conversa realizada em sua casa na semana posterior a sua segunda titulação doutoral e primeira internacional. Você acaba de se tornar um doutor pela Universidade de Valência na Espanha e eu pergunta se podemos primeiro trazer um breve resumo e segundo, qual motivo para uma segunda imersão tão profunda em tempo em tantas crises no campo da intelectualidade?

EVP: Sou doutor há dez anos por um programa de estudos interdisciplinares em Ciências Jurídicas e Sociais. Por isso, meu primeiro título doutoral é interdisciplinar: por ele, sou doutor em Ciências Jurídicas e Sociais. Os programas de pós-graduação interdisciplinares têm sido uma tendência nas últimas décadas, especialmente em campos que são profundamente interdisciplinares, como o Direito. O Direito nada mais é do que uma Ciência Social Aplicada. Ou seja, é um instrumento das Ciências Humanas que se baseia em pesquisas e debates gerais da grande área de Humanidades e que desenvolve fórmulas de resolução dos conflitos sociais identificados. Por isso, costumo dizer às pessoas às quais leciono que, primeiramente, precisamos ser cientistas sociais para, aí então, sermos juristas. Busquei esse doutorado interdisciplinar justamente porque as minhas pesquisas são também interdisciplinares: não me restrinjo apenas ao fenômeno jurídico estrito; busco saberes diversificados com o intuito de desenvolver um olhar mais complexo sobre os fenômenos sociais em geral. Por esse motivo, considero-me um teórico do Direito, alguém que pensa o Direito a partir de seus fundamentos ou de suas bases epistemológicas; e não um jurista prático (aquele que irá atuar diretamente na resolução dos conflitos sociais). Sobre a minha aventura em meu segundo doutoramento, tenho dois motivos para explicar suas motivações. Em primeiro lugar, especialmente por já estar em um nível acadêmico mais avançado, comecei a receber convites para atividades internacionais. Entretanto, faltava-me uma experiência mais concreta em universidades internacionais. Assim, escolhi a Espanha, um país já conhecido por mim e no qual eu já tinha contatos e possibilidades amplas de desenvolver minhas pesquisas. Em meados de 2018, quando já se anunciava a grande possibilidade de um governo Bolsonaro, resolvi dar esse salto e, em uma mesma circunstância, realizar, em 2019, um estágio de pós-doutoramento na Universidade Complutense de Madri e, paralelamente, iniciar um novo doutorado pela Universidade de Valência. Com isso, teria a oportunidade de viver melhor o contexto universitário espanhol. Em segundo lugar, a temática que escolhi, as relações entre as novas tecnologias digitais e o direito, está sendo profundamente discutida pela União Europeia, um dos grandes centros de produção de saberes sobre os rumos do que hoje chamamos de Direito Digital. Assim, escolhi realizar uma pesquisa comparativa entre o contexto brasileiro (América Latina) e o espanhol (União Europeia) na constituição de princípios jurídicos para a proteção dos sujeitos em ambientes digitais. Esse segundo doutorado foi na área de Direito Internacional e foi orientado por uma professora da própria Universidade de Valência, da área de Direito Internacional e por um professor da Universidade Complutense de Madrid, especialista em Relações Internacionais e História Global e que tem trabalhado com Direito Digital na União Europeia e na Organização das Nações Unidas.

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Apesar de ser do campo do Direito, você não é está vinculado a OAB. A Ordem dos Advogados do Brasil, existe um motivo específico pra que é uma carreira consolidada no campo acadêmico e na produção de conhecimento não tenha vínculo institucional trabalhista com a instituição de fortalecimento da classe?

EVP: Essa pergunta traz um "erro" muito comum na percepção que as pessoas em geral possuem da graduação em Direito. No Brasil, os cursos de graduação são de bacharelado em Direito. A carreira de advogado é uma das carreiras possíveis de serem seguidas por bacharéis em Direito, mas não é a única. Podemos ser juízes, promotores, procuradores, defensores públicos, delegados, atuarmos com assessoria jurídica etc. A formação em Direito nos dá um leque muito amplo de profissões a seguir. E, uma delas, é a carreira acadêmica. Sou professor universitário na área jurídica. Essa é a minha profissão. Além disso, tenho um vínculo de dedicação exclusiva com uma universidade federal, o que me impede de exercer qualquer outra atividade, como a advocacia. Portanto, a Ordem dos Advogados do Brasil é um órgão de classe para lidar com os assuntos corporativos de advogados e não com os assuntos de todos aqueles que se formam em Direito (e não existe vínculo trabalhista com a OAB; mas um vínculo associativo). Em meu caso, o meu órgão de classe é aquele vinculado ao magistério universitário. Em resumo, o motivo é meramente uma escolha pessoal de me dedicar exclusivamente ao magistério (é possível cumular a atividade de magistério com outras carreiras; todavia, o vínculo com a universidade não poderá ser o de dedicação exclusiva). Sou professor e, "por acaso", escolhi lecionar e pesquisar questões relacionadas com o Direito.

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Qual a diferença entre a sua primeira tese, seu primeiro trabalho e esse trabalho no sentido de maturidade acadêmica e também dos temas em si?

EVP: Existem diferenças de conteúdo, obviamente. São temas diferentes. Entretanto, a principal diferença é que hoje sou uma pessoa muito mais madura em minhas investigações. Isso é algo que me favorece, mas que traz também outras responsabilidades com a tese a ser entregue. Já sou professor de mestrado e doutorado há 9 anos. E oriento trabalhos de doutoramento há 7 anos. Ou seja, o nível de exigência sobre a minha segunda tese é outro. De qualquer forma, essa volta à posição de doutorando fez-me perceber com outros olhos o processo de doutoramento. Ajudou-me a ressignificar o meu papel como orientador de teses de doutorado e a revisitar a minha primeira tese e entender melhor a minha trajetória pessoal. Mesmo com essas grandes exigências sobre o conteúdo a entregar, eu estava muito mais seguro no processo de escrita. Em verdade, encarei esse segundo doutorado como uma oportunidade de iniciar uma outra área de pesquisa, o Direito Digital, e de escrever um livro, a versão publicável da tese defendida.

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Em seu primeiro trabalho você utiliza a mesma metodologia,  você pode dizer que existe uma sistematização para o direito e sua aplicabilidade no campo da sociologia nesse segundo momento está trabalhando com conceitos complexos como governamentalidade, um conceito denso de Michael Foucault. O que seu trabalho apresenta de novo sobre governamentalidade, século XXI e o sujeito de direito na Era do Digital? 

EVP: Em ambas as teses eu usei uma metodologia interdisciplinar de análise e crítica. Por isso, nos dois casos eu interseccionei Sociologia e Direito a partir de um determinado fenômeno. Na primeira tese, trabalhei com o conceito sociológico de Democracia e o jurídico de Direitos Fundamentais e tentei investigar os modos como esses dois conceitos provocavam tensões no Supremo Tribunal Federal: por um lado, respeitar a vontade das maiorias da sociedade; por outro, afirmar os direitos das minorias sociais. No segundo doutorado, partindo do conceito sociológico de Sociedade da Informação, investiguei os modos como os sujeitos estão sendo "governados" por um Direito Digital de caráter internacional. As dinâmicas na Internet, por exemplo, mostram-nos que somos sujeitos que estamos para além dos limites do Estado nacional. Habitamos um território global, o da rede mundial de computadores, e somos governados tanto pelos Estados nacionais habituais, quanto - e, talvez, principalmente- pelos grandes conglomerados empresariais de tecnologias digitais (as Big Techs). A teoria moderna sobre o sujeito e o Estado consegue dar conta dessa novidade que é a vida dos sujeitos em um ambiente digital sem fronteiras delimitadas e com novas forças de poder no comando? Foi por isso que me vali de um dos principais conceitos de Michel Foucault quando analisa a formação do sujeito moderno: a governamentalidade. É um conceito que sintetiza os modos como os sujeitos são "produzidos" pelas principais instituições da modernidade. Queria saber como somos produzidos, atualmente, pelas novas tecnologias digitais. Mas, para além disso, como seria possível pensarmos mecanismos que oferecessem oportunidades de práticas de liberdade em entornos digitais. Isto é, a possibilidade de exercermos controle sobre o nosso "sujeito digital". E o recorte dessa análise foi pelo Direito: como os direitos específicos de proteção dos indivíduos estão sendo aplicados no ambiente digital a ponto de percebermos ali um sujeito jurídico novo: o sujeito de Direito Digital. Somos sujeitos do Direito nacional, ou seja, estamos sujeitos a essa normatividade que chamamos de Direito brasileiro. Somos formados enquanto pessoas por esse direito que nos concede a possibilidade de exercício de liberdades, autoriza-nos a ter um nome, a nos identificarmos segundo uma específica identidade de gênero, a termos nossa privacidade preservada etc. A minha questão é saber como esses elementos jurídicos estão nos constituindo em ambientes digitais e, além disso, como poderíamos ser os "governadores" do nosso eu digital com a ajuda do Direito.

Então te pergunto, como podemos ser os "governadores" do nosso eu digital com a ajuda do Direito? E qual sua percepção sobre a curta distância que já cultivamos das frentes ultraconservadoras e do bolsonarismo?

EVP: O ser humano nasce, ocupa um corpo físico e cria uma percepção de si mesmo através da consciência e das relações com o mundo exterior. De modo geral, existimos para nós e para os outros. Na cultura moderna e ocidental, nossos relacionamentos produzem um senso de individualidade e socialização, e percepções das dicotomias entre natureza e cultura, físico e não-físico, material e imaterial, natural e sobrenatural. Essas percepções são influenciadas pela cultura e linguagem que lhes dão significado e demonstram a compreensão limitada e contextual de quem somos. O conceito de ser sujeito refere-se a ser produzido pelos sentidos de interpretação e reconhecimento em um determinado contexto, ou seja, estar sujeito a uma ordem de interpretação do mundo que nos dá sentido como seres tanto para nós quanto para os outros. Para os fins da tese que desenvolvi, adotei o entendimento de que há duas formas de compreender os processos de constituição de si: os processos de sujeição e os processos de subjetivação. Os processos de sujeição são as dinâmicas de caracterização dos sujeitos a partir de parâmetros externos; enquanto os processos de subjetivação se baseiam na autodeterminação ou autogestão realizada pelos próprios sujeitos. Em síntese, é um modo de compreender como somos constituídos pelo que se impõe desde fora sobre nós (pela sociedade, cultura, instituições, Direito etc.) e como podemos nos constituir de forma autogestionária. Isso implica a busca de processos institucionalizados para a realização de práticas de liberdade em sentido geral, ou seja, processos que promovam ações para nos libertarmos das relações de poder que habitamos ou para encontrar espaços de ação que nos permitam atuar em nosso próprio nome. A tese busca formulações jurídicas mais apropriadas para o processo de constituição da nossa forma jurídica decorrente do Direito Digital. Essa forma jurídica é apenas um artifício, uma forma artificial pela qual o Direito nos reconhece como pessoas. Em outras palavras, busco trabalhar, a partir da era digital, com o modo como o Direito nos reconhece como sujeitos digitais e a maneira como ele nos concede direitos para a nossa proteção em ambientes digitais. Por isso, me perguntei quais seriam as normas jurídicas que poderiam facilitar os processos de constituição dos sujeitos em ambientes digitais que não se limitem à uma produção do nosso eu digital segundo as necessidades do mercado ou da estrutura de vigilância que o Estado desenvolve sobre nós. Quis entender quais seriam as normas que fomentariam a autogestão do nosso eu digital e que permitiriam aos sujeitos constituírem seus próprios sentidos de liberdade no entorno digital. Por isso, resolvi experimentar a ideia de adaptar a Declaração Universal dos Direitos Humanos, criada em 1946, para a esfera digital. Nós, do Sul Global, não podemos deixar essa tarefa apenas para os especialistas do Norte
Global. Nesse sentido, problematizei qual seria essa Declaração de princípios de Direitos Humanos para o sujeito digital e como ela seria sensível para os contextos de mundo fora do eixo euro-estadunidense e com os sujeitos vulnerabilizados já afirmados pelos mais recentes desenvolvimentos jurídicos (as chamadas minorias sociais). Para responder à questão de como podemos ser os “governadores” do nosso eu digital, precisamos inicialmente de diretrizes internacionais para a proteção do sujeito e promoção da sua liberdade digital. Agora, em um segundo momento, precisamos discutir a partir de nossa própria realidade social as nossas necessidades como sujeitos materiais e digitais localizados na América Latina e no Brasil. Essa é uma tarefa coletiva e não depende exclusivamente de formulações acadêmicas. Estamos diante da luta por afirmação de direitos básicos digitais adequados à realidade brasileira. Por fim, entendo que há uma mudança significativa em relação à gestão da Internet feita pelo governo Bolsonaro. A falta de discussão e de regulamentação dos ambientes digitais, especialmente das redes sociais, favorecia o modo de ação bolsonarista (que já é de conhecimento de todas as pessoas). O que temos agora é um grande esforço de fazer com que as nossas instituições políticas se mobilizem para fomentar uma esfera pública que debata as implicações da digitalização para a sociedade brasileira. Isso terá implicações significativas no enfrentamento das posições ultraconservadoras, já que, atualmente, temos poucos mecanismos para enfrentar os abusos na liberdade de expressão e na forma de fazer política em ambientes digitais. 

“O global não é em si e por si contraposto ao local. Ao contrário, aquilo que geralmente se entende por local está geralmente no contexto do global. (...) Globalização envolve a conexão de localidades.” Roland Robertson (2000)

Esse sujeito do direito digital glocal, se articula com conceito de Robertson sobre global+local e suas várias interfaces como temos pensado as lutas políticas, de aliança e rumos para nosso país e nosso tempo?

EVP: Essa é uma dicotomia específica da modernidade: o regional/local e o internacional; o global e o nacional. O sujeito governado pelo Estado moderno encontrará em si essa tensão entre ser um cidadão do seu país e um cidadão do mundo. Tentei repensar esses conceitos modernos em uma perspectiva de uma sociedade globalizada pela (e com) as tecnologias digitais. Não me vali do pressuposto de que estamos vivendo uma possível pós-modernidade, pois acredito que ainda estamos dentro de um projeto de modernidade que hoje é questionado a partir do Sul Global. Esse questionamento tem gerado outros modos de significar a modernidade, ao mesmo tempo em que é atravessado por essas dinâmicas globais que nos exigem a atualização dos conceitos. Quando busco o Direito Internacional, a minha preocupação é que o Direito Digital se utilize dos mecanismos do Direito Internacional para constituir princípios gerais para um ambiente digital que é, necessariamente, global. É uma rede mundial de computadores comandada por países do Norte Global, no caso do Brasil. Não há como o Direito brasileiro resolver as questões apenas com os seus mecanismos nacionais. Precisamos entrar na disputa das possibilidades do Direito Digital Internacional, sob pena de produzirmos mecanismos obsoletos para a era digital. Assim, especificamente sobre a sua pergunta em relação à tensão entre o local e o global, eu diria que a tese tenta inserir nas dinâmicas de produção de princípios ou diretrizes globais para o Direito Digital as particularidades do nosso contexto, exigindo que esses princípios globais não sejam preenchidos apenas pelos valores e finalidades do Norte Global. Evito cair em uma postura mais extrema, a de entender que postulados de universalização são sempre coordenados pelas instituições, empresas e governos mais poderosos e, por isso, precisamos partir sempre do local ou regional. Não acredito que essa fórmula específica de um contexto de mundo analógico (não digital) irá funcionar com a era digital. Isso que você chama de "muitas políticas de aliança" é algo que pode ser entendido como uma luta universalizada. Ou seja, é uma busca por alianças com outros sujeitos que se sentem violados ou reduzidos em seus direitos em ambientes digitais. Esses sujeitos podem ser outros nacionais de países do Sul Global, ou as tradicionais minorias sociais que agora estão sofrendo opressões e exclusões em ambientes digitais. Quero levar a luta dos "novos sujeitos de direitos", os sujeitos do Sul Global, as mulheres, os negros, as pessoas LGBTI+, as pessoas com deficiência, os grupos étnicos subalternizados etc. também para o contexto da aplicabilidade dos direitos humanos em ambientes digitais. Isso tem ligação com as minhas pesquisas sobre gênero e sexualidade que desenvolvo desde 2014 aqui no Brasil. Trabalho com grupos vulnerabilizados e quero levar a discussão sobre as opressões, exclusões e dominações sobre os sujeitos para o Direito Digital. Neste último aspecto, creio que o recado maior que esse novo doutorado pode trazer é o de que a luta por justiça social é uma constante. E essa constante, no caso de um pesquisador e acadêmico como eu, é realizada pela nossa eterna atualização e busca por novos desafios. A esperança de um novo mundo é um sentimento que nos impulsiona; mas as ações que pensam e tentam realizar esse novo mundo são o que faz o novo acontecer.

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