CONTINUA APÓS O ANÚNCIO
Eliana Rocha avatar

Eliana Rocha

Militante de direitos humanos, mestre em educação e doutoranda em políticas públicas e formação humanas na Universidade do Estado do Rio de Janeiro/UERJ

4 artigos

blog

Lula é comunista?

Lula seria ele mesmo a garantia de segurança institucional. Nada tirou da classe trabalhadora, nem da classe média, nem mesmo dos ricos

Luiz Inácio Lula da Silva (Foto: Ricardo Stuckert)
CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

✅ Receba as notícias do Brasil 247 e da TV 247 no canal do Brasil 247 e na comunidade 247 no WhatsApp.

Os fantasmas do comunismo à moda do velho macarthismo atacam novamente. Nada mudou na estrutura do pensamento raso da direita e extrema-direita. O medo atávico criado na década de 1950 nos Estados Unidos e tão bem alimentado e disseminado no Brasil da ditadura militar na década seguinte, retorna como um déjà vu na reta final da campanha do Inominável. Os comunistas vão comer as criancinhas; eles vão colocar pessoas estranhas para viver na sua casa; eles não deixarão você ter uma religião. É incrível mas é real, se é que se pode qualificar a subjetividade do medo como algo real. 

Lula, presidente por dois mandatos e atual candidato muito próximo de se eleger pela terceira vez, seria ele mesmo a garantia de segurança institucional e de um respeito solene à ordem constitucional do país. Lula nada tirou da classe trabalhadora, nem da classe média, nem mesmo dos ricos, a realidade factual nos embasa. 

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

Mas não é esse o viés da nossa argumentação que gostaria de trazer e sim alguns depoimentos do próprio ex-presidente Lula, no período em que ele cumpria a pena de prisão que lhe foi imposta pela operação Lava Jato. No período entre abril e novembro de 2019, dediquei-me a acompanhar as vinte e quatro entrevistas que Lula concedeu na sede da Polícia Federal em Curitiba e trabalhei esse material na tese de doutoramento As entrevistas de Lula no cárcere: : a coragem da verdade e a defesa da democracia[1]. Dentre o riquíssimo material, há fragmentos de entrevistas nas quais jornalistas nacionais e internacionais questionam Lula sobre a filosofia política adotada em seus governos. Seguem alguns recortes e breves análises sobre os depoimentos:

Em entrevista a Kennedy Alencar (2019), em 03 de maio de 2019, Lula revela que na juventude teve dificuldade de aceitar a luta sindical e política e que se convenceu do contrário quando o ex-presidente General Ernesto Geisel impôs uma legislação repressiva ao movimento dos trabalhadores e quando se deparou com a composição do Congresso Nacional, a realidade falou mais alto. 

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

Kennedy Alencar: Presidente, eu queria falar do desenvolvimento da sua filosofia política. O sr. teve uma infância pobre e, antes de chegar ao poder, o senhor tinha preocupação com a questão da fome, de os brasileiros fazerem três refeições por dia.

Lula: É importante lembrar o seguinte: eu não gostava de política, até 1978. Eu não gostava de sindicato até 1968, quando eu fui e fiquei sócio do sindicato de São Bernardo do Campo. E o que me fez ficar sócio foi uma agressão que meu irmão Frei Chico sofreu numa discussão, numa assembleia. Aí, eu entrei no sindicato. Eu dizia _olha como eu era ignorante!_ o seguinte: “Eu não gosto de política e não gosto de quem gosta de política”. Isso em 1978. Aí vieram as greves, as coisas foram crescendo. O [Ernesto] Geisel mandou uma proposta de lei proibindo as categorias essenciais de fazerem greve: bancário, posto de gasolina, não podiam fazer greve. Aí, fui a Brasília. Quando eu cheguei a Brasília, descobri que não tinha trabalhador! Eu conversava com os deputados. Entre 513, havia dois trabalhadores: Benedito Marcílio, metalúrgico de Santo André, e Aurélio Peres, metalúrgico de São Paulo. Só dois. Voltei para casa pensando: “Como é possível eu querer que a classe trabalhadora tenha direito, se a grande maioria que está lá não tem a ver com a classe trabalhadora?”

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

“Muitas vezes, companheiros do próprio PT, companheiros ideologicamente mais refinados, achavam que era um governo de conciliação. Eu sempre entendi que um governo de conciliação é quando você pode fazer mais e não quer fazer. Agora, quando você só pode fazer menos e acaba fazendo mais, é quase que o começo de uma revolução – e foi o que fizemos neste país.” (SILVA, 2018, p. 29).

“Enquanto é oposição, você tem espaço para ser principista. Quando você ganha, tem que colocar os teus princípios na mesa para torná-los exequíveis. Aí é que muita gente não quer ganhar.” (SILVA, 2018, p.111).

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

Às vésperas de ser decretada a sua prisão, nas entrevistas para o livro A Verdade Vencerá, o jornalista Juca Kfouri o interpela:

Juca Kfouri – Presidente, eu lhe perguntei sobre prisão e exílio. Mas queria voltar a esse assunto, porque é um dos temas mais urgentes do momento, ao lado da sua candidatura. O senhor está cogitando a hipótese de ser preso?

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

Lula Estou. O que não estou é preparado para a resistência armada, nem tenho mais idade. Como sou um democrata, nem aprender a atirar eu aprendi. Então, isso tá fora. O PT não nasceu para ser um partido revolucionário, nasceu para ser um partido democrático e levar a democracia até as últimas consequências. (SILVA, 2018, p. 100).

Ainda sobre conciliação de classes, o ex-presidente diz aos jornalistas Monica Bergamo e Florestan Fernandes (2019)[2]: “Ninguém nunca mais, ninguém nunca mais, presta atenção, ninguém nunca mais vai ter neste país uma dupla harmônica como Lula e Zé Alencar. O sindicalista e o empresário”. 

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

Juca Kfouri: Presidente me explica uma coisa, há um dado que ninguém nega desde os seus tempos de presidente do sindicato dos metalúrgicos que foi quando nos conhecemos nas greves de 79 em São Bernardo Campo, eu diretor do sindicato dos jornalistas do senhor presidente do sindicato dos metalúrgicos que o senhor sempre foi tido como um conciliador uma pessoa capaz de unir os contrários. O senhor como Presidente da República se dava tão bem com o Bush Presidente dos Estados Unidos quanto com o Chávez, Presidente da Venezuela, ou seja, aqueles que se opunham até dentro do seu partido achavam que era demais que o senhor conciliava demais, que era preciso fazer algumas rupturas que o senhor não fazia. Por que todos se voltaram contra essa figura do conciliador, do cara que nunca foi de querer ir para o pau. 

Lula: Eu sempre fui assim foi assim quando era moleque, quando jogava bola eu fui assim, quando virei dirigente sindical, eu fui assim como Presidente da República por isso é que eu creio conferir de desenvolvimento que envolvia empresários, pastores, sindicalistas, índios, ou seja, para a gente poder estabelecer, sempre que possível, políticas públicas que tivessem uma espécie de aceitação da maioria da sociedade. Eu sempre achei que uma conversa mais sempre dava melhor resultado nunca fui de tomar decisão com 39 graus de febre. Primeiro deixava a febre baixar para tomar a decisão com o Bush, com o Chávez eu era aquele moleque do meio, sabe quando tem a mulher querendo brigar? Eu era a turma do deixa disso, sabe?[3]   

Em entrevista à TVE Bahia o tema da inclusão social pelo consumo, em detrimento da prioridade da politização da sociedade foi assim tratado[4]:

Bob Fernandes: O senhor estava falando de como as pessoas estavam consumindo em seu governo. Existe uma crítica, bastante acentuada e corrente, sobre o privilégio (que foi dado) à questão do consumo e a não-politização (da sociedade). O senhor acha que este modelo que alguns chamam de coalizão e outros chamam de eterna conciliação, ele se esgotou? Que vem desde a Nova República, a coalizão política é uma coisa, mas a conciliação tem amplíssimo interesse, tudo cabe em um ônibus, sem se ter a clareza de cada interesse? Esse modelo se esgotou presidente? E qual é o próximo passo:

Lula: Eu não sei se esse modelo se esgotou, porque o povo brasileiro teve apenas um período muito curto de acesso a alguma coisa. 

Bob Fernandes: Mas dessa forma se consegue modificar?

Lula: É preciso se encontrar outra fórmula. Houve revoluções que não conseguiram encontrar essa fórmula. A necessidade que você tem de distribuir a riqueza produzida, para que todos tenham acesso, nós provamos que é possível.

Em depoimento ao analista internacional Pepe Escobar e aos jornalistas Mauro Lopes e Paulo Moreira Leite, do portal Brasil 247[5]

Lula: Às vezes falam mal de mim porque eu fui muito republicano. Eu sou republicano, eu acredito nas instituições, eu não acredito, Pepe, naquele negócio de que um homem é insubstituível. Quando um homem começa a pensar que é insubstituível, ele está virando um ditador, eu não nasci para isso, eu sou um democrata por convicção, eu acho que o rodízio no poder, o rodízio de pessoas, o rodízio de classes sociais é importante. [ ]Não é normal a gente aceitar a fome como coisa normal. Quem está conversando com um faminto não sabe eu ele está com dor. A fome é assim, uma lombriga maior comendo a menor toda hora. Por que que eu sou assim? Eu poderia estar pregando a luta armada. Mas eu não estou. Eu não acredito nisso. A democracia tem deficiências? Tem, mas a democracia permitiu que chegasse um índio ao poder na Bolívia, e está lá. Permitiu que um cara como o Chávez chegasse à presidência. A democracia – tá certo que com fake news, permitiu que um ogro como Bolsonaro chegasse à presidência. Agora, chegar é uma coisa, governar é outra. Eu tenho a expectativa que esse país dê passos importantes.

A inclusão pelo consumo, sem a contrapartida de um trabalho de conscientização política da classe trabalhadora, foi objeto da entrevista dos jornalistas Mino Carta e Sérgio Lirio (2019), da Carta Capital[6]:

Mino Carta: Mas o PT não chegou exatamente a criar uma consciência da cidadania em muita gente. Não conseguiu.

Lula: Mino, discuto muito isso com os companheiros. Eu não fui eleito para criar consciência ideológica, mas para governar o Brasil. O PT é que deveria ter tirado proveito das coisas boas que fizemos e conscientizar. Comecei a minha vida política como admirador do PCI. Achava o Partido Comunista da Itália a coisa mais perfeita em termos de organização política. Tive o prazer de sentar à mesa ao lado do Enrico Berlinguer. Eu conheci bem o Partido Comunista Italiano e era muito fã. Depois percebi que ele não passava de 30%, 33%, nas eleições.

Mino Carta: Chegou a 36%.

Lula: Eu cheguei à conclusão de que o PCI não queria ganhar as eleições.”

Voltando à conversa com Bob Fernandes, Lula destaca a credibilidade política como condição para o desenvolvimento econômico:

Lula: Agora, economia não tem mágica. Cinquenta por cento dos problemas econômicos do país são resolvidos quando quem está governando tem credibilidade interna e externa. As pessoas que levantam de manhã para trabalhar ou as pessoas que estão lá fora pensando em fazer qualquer coisa pelo Brasil, as pessoas têm que saber se quem está falando por aquele país tem seriedade. Tem credibilidade. Se essa pessoa tiver credibilidade e seriedade, as pessoas passam a acreditar. Por isso é que eu, quando tomei posse em 2003, gastei parte da gordura política que tinha para fazer coisas que o PT não queria que eu fizesse.[7]

A credibilidade na proposta de desenvolvimento econômico tanto para o mercado interno quanto para as relações comerciais externas, a confiança da população no processo democrático, na liderança política e na estabilidade das instituições são predicados do modelo de Estado de Proteção Social. 

Em entrevista na data de 13 de julho de 2019, Lula responde à questão do jornalista Juca Kfouri[8]sobre a Revolução Russa de 1917.

Juca Kfouri: o senhor disse para mim outro dia quando eu vim vê-lo, que se o senhor sair daqui não vai mais falar em distribuição de renda vai falar em distribuição de riqueza

Lula: Isso significa o seguinte, veja você precisa começar a garantir que as pessoas tenham participação na riqueza deste país, ou seja, a uma aposentadoria de qualidade definitiva, educação de qualidade, sabe quando você está dando a um pobre o direito de estudar gratuitamente e de ele virar um cientista, você está dando riqueza para esse cara, quando você dá uma casa com subsídio para ele poder pagar você está dando riqueza. Esta gente tem que participar mais do lucro que ela ajudou a produzir no país. É preciso repensar porque nós estamos regredindo se você imaginar a economia brasileira. Você teve a Revolução Russa em 17, por conta da Revolução Russa, você teve o mundo ocidental se preparando para enfrentar mas com medo, cedendo algum benefício, aí teve a segunda guerra mundial, que dividiu o mundo em dois, a parte ocidental e a parte oriental. A Rússia ficou com um pedaço e os  Estados Unidos com o outro. Olha o que o mundo capitalista fez: tratou de fazer o famoso Estado de bem-estar social, não porque gostava dos trabalhadores, mas porque estava com medo dos trabalhadores terem a mesma vontade que tiveram os trabalhadores na Rússia em 1.917, de fazer uma revolução, então se criou um Estado que distribuiu renda e permitiu que o povo tivesse um padrão de vida, você percebeu que nos últimos dez anos só caiu a renda do povo americano? Caiu a renda do povo europeu? 

Juca Kfouri: Não há mais ameaça? 

Lula: Caiu o muro de Berlim, daí não tem mais ameaça. 

Juca Kfouri: Agora o senhor não acha que a união soviética seja um exemplo?

Lula: Não, não é. O problema dos meus queridos companheiros é o seguinte: a revolução, a minha tese hoje aos 73 anos de idade, é que a revolução russa de 17 ela terminou causando um benefício extraordinário aos trabalhadores do ocidente e não causou na própria Rússia o benefício. O padrão de vida do sueco, do holandês, do finlandês, do dinamarquês do alemão, do francês era muito maior que o do russo, mas por quê? por conta da revolução russa, então foi uma pena foi uma pena que a revolução russa não tenha dado aos trabalhadores russos um padrão de vida que os europeus deram por conta da revolução russa.

Lula inspira-se no governo de Franklin Roosevelt, que em plena depressão da economia americana, após a quebra da bolsa de valores em 1929, adotou um conjunto de medidas de intervenção propostas pelo economista britânico John Keynes (1883-1946). Keynes introduziu uma revisão no modelo capitalista liberal - até então aceito pelos teóricos do capitalismo - ao denunciar que a total liberdade do mercado não é capaz de promover um mínimo de estabilidade para a classe trabalhadora, que fica sujeita a crises de grandes proporções, como demonstrou a grande depressão. A contribuição teórica do pensamento de Keynes para a Economia Política foi a proposição de um Estado intervencionista, gerador de empregos e responsável por investir nas áreas de educação, saúde e proteção social, sem contudo inibir a atuação dos setores privados.

"Li muito sobre o Roosevelt e o New Deal. Fico vendo a quantidade de coisas que falavam do Roosevelt. A quantidade de ofensas, foi chamado de ladrão, de tudo. Até hoje os democratas [americanos] não utilizam o Roosevelt como exemplo para nada. É uma figura que quase não existe nos debates lá. Mas ele foi importante demais.” (SILVA, 2018, p. 48).

Das declarações de Lula, depreende-se que ele tem convicção do modelo de Estado no qual apostou: a social democracia. Lula defende a presença do Estado e o compromisso dos governos com as classes trabalhadoras e populares. Entende que é possível negociar, no âmbito do capitalismo e nos limites da democracia, concessões e melhorias suficientemente sólidas para garantir à população um conjunto de direitos civis, sociais, econômicos e humanos, que se constitua em um estado de bem-estar social, inspirado no modelo keynesiano. A fiança e o fator diferencial que Lula apresenta é a sua história pessoal, sua origem de classe jamais negada e que por isso lhe atribui as credenciais para tensionar os limites das conquistas sociais. “nós demos um padrão de vida para o povo que muitas revoluções armadas não conseguiram – e em apenas oito anos”.

[1]Disponível na biblioteca digital da UERJ : http://www.bdtd.uerj.br/handle/1/18140 [2] Entrevista de Lula aos jornalistas Monica Bergamo, da Folha de SP, e Florestan Fernandes, do El Pais, em 26 de abril de 2019 (ANEXO B).  [3] Entrevista de Lula aos jornalistas Juca Kfouri e José Trajano da TVT, em 13 de junho de 2019 (ANEXO G). [4]Entrevista de Lula a Bob Fernandes, TVE Bahia, em 15 de agosto de 2019 (ANEXO I). [5] Entrevista de Lula a Pepe Escobar, Mauro Lopes e Paulo Moreira Leite, do Brasil 247, em 22 de agosto de 2019 (ANEXO J) [6] Entrevista de Lula a Mino Carta e Sérgio Lirio da Carta Capital, em 04 de setembro de 2019 (ANEXO L). [7]Entrevista de Lula a Bob Fernandes, TVE Bahia, em 15 de agosto de 2019 (ANEXO I). [8] Entrevista de Lula aos jornalistas Juca Kfouri e José Trajano da TVT, em 13 de junho de 2019 (ANEXO G).

iBest: 247 é o melhor canal de política do Brasil no voto popular

Assine o 247, apoie por Pix, inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista:

Carregando os comentários...
CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

Cortes 247

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO
CONTINUA APÓS O ANÚNCIO