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André Del Negri

Constitucionalista, professor da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS).

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O espelho do presidente

Volto ao ponto e encerro: desde a redemocratização, não tínhamos tantos erros afrontosos aos princípios mais elementares da Constituição. Todos os dias enterram um pedaço dela. Nesse tempo de “ética do tirano”, o incrível é o grande número de pessoas que vêm fechando os olhos para tudo o que pode soar como crítica ao ocupante da cadeira presidencial

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Shakespeare, em “O Conto de inverno”, peça teatral do início do século XVII, apresentou ao mundo uma nobre mulher que desafia a tirania do rei da Sicília: “herege é quem lança fogo, não quem nele queima”. 

Quando se fala em Lei de Segurança Nacional (Lei n° 7.170/83), a reação de pesquisadores comprometidos com a democracia é geralmente negativa, porque, por um lado, parte do fundamento dessa lei é descompromissada com o sistema da Constituição de 1988, que preconiza os direitos fundamentais (art. 5°); por outro, incomoda a notícia de que, até agora, durante o governo Bolsonaro, houve mais de 45 tentativas de enquadramento na lei, transformando tudo num grande conto do Kafka.

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É claro que essas informações interessam no sentido de soar o alarme para os núcleos de pesquisa das universidades, que se obrigam a ver a questão política com mais cuidado. O que se percebe é a emergência de modificar a legislação vigente porque se encaminha por uma Razão de Estado que, em linhas ainda desajustadas, extrapola o Estado para ambicionar uma estatalidade do interesse particular. 

O problema de fundo, é que a Lei de Segurança Nacional está sendo usada como antídoto às críticas contra os atos do presidente da República. Isso ocorreu, por exemplo, quando o cartunista Renato Aroeira foi questionado por causa de uma charge (ver aqui). Outra ofensiva do governo foi o fato de, também com base na Lei de Segurança Nacional, haver solicitado investigação sobre um artigo de Hélio Schwartsman, colunista da Folha de S. Paulo (aqui). 

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Outro tanto se diga para o inquérito aberto contra o youtuber Felipe Neto (aqui). Além dele, estão incluídos o candidato à prefeitura de São Paulo Guilherme Boulos, a deputada Sâmia Bomfim (Psol-SP) e o deputado Glauber Braga (Psol-RJ). O argumento é que os denunciados praticaram crime contra a Lei de Segurança Nacional por participação no ato “Antifa” (abreviação de antifascista), que ocorreu na Avenida Paulista, em São Paulo (ver aqui).

Na busca por fidelizar com o presidente Bolsonaro, agentes políticos batem os tambores da guerra. Em consequência, a Lei de Segurança Nacional desfila sobre o tapete vermelho da subjetividade de intérpretes, que acabam confundindo liberdade de expressão com crime. Sim, interpretam a Lei de Segurança Nacional tendo apenas a ideologia como musa. 

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Devemos ilustrar essas informações com muita preocupação. Fatos como esses ajudam a entender como, quando e por que, em determinados momentos, o uso incontido da Lei de Segurança Nacional e sua interpretação politizada, disfarçada de jurídica, aponta que estamos enredados num labirinto marcado historicamente, o que confirma que, nessa toada, a democracia está, sim, em perigo. 

Advirta-se que o presidente da República preferiu aparelhar as instituições de Estado com pessoas que pensam igual a ele. Não se pode, porém, deslembrar, que Bolsonaro também criou o maior ministério de militares da história do Brasil. Recortados esses nódulos temáticos, tem-se a penetração crítica para começar a decifrar a caixa de mistério que virou o Estado brasileiro. 

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O problema que interessa ao mundo jurídico-científico seria refletir se a própria Lei de Segurança Nacional não estaria na contramão do paradigma democrático ao dispor em seu art. 26 sobre o ato de caluniar ou difamar o presidente da República. Parece que o mencionado artigo é dos mais nebulosos e ambíguos ao regular o assunto. Veja-se, por exemplo, que já temos o Código Penal, que, por coerência legal, estaria balizado para demarcar a injúria, a difamação ou calúnia.

Estado, hoje, não pode mais ser concebido como se a soberania ainda se encontrasse na pessoa do presidente da República. Evidente que, com as teorias jurídicas do Estado, a soberania nas democracias plenárias foi posicionada como poder popular, afastada dos chefes de Estado. O Estado que se tem que estudar é outro, pois Estado e cidadão já precisariam estar em nível de igualdade institucional pela regência do devido processo

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Ao que se vê, a Lei de Segurança Nacional ainda gravita ao redor (e ao gosto!) de um executivo que não sabe a que veio a Constituição de 1988. Ora, desta forma, com maior radicalização tutelar – somado ao exercício do direito criativo, com personalíssima conveniência –, a Lei de Segurança Nacional está funcionando igualzinha à de 1935, a chamada “lei monstro”. 

Volto ao ponto e encerro: desde a redemocratização, não tínhamos tantos erros afrontosos aos princípios mais elementares da Constituição. Todos os dias enterram um pedaço dela. Nesse tempo de “ética do tirano”, o incrível é o grande número de pessoas que vêm fechando os olhos para tudo o que pode soar como crítica ao ocupante da cadeira presidencial. 

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Estamos voltando pra trás, em vez de andar para frente. É uma embriaguez que não tem nada de agradável. 

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