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Fernando Horta

Fernando Horta é historiador

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O problema da inteligência brasileira

GSI precisa ser civilizado e a Abin ser garantida a supremacia sobre todo controle de informação no Brasil, incluindo agências militares, escreve Fernando Horta

Presidente Lula e Abin (Foto: Reprodução/Abin | REUTERS/Ueslei Marcelino)
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Por Fernando Horta 

Em julho de 1947, no momento da criação da CIA o secretário de Estado dos EUA, Dean Acheson, em conversa com o presidente Harry Truman se colocava contra a medida. Segundo Acheson, “nem o presidente, nem o Conselho Nacional de Segurança, nem ninguém estaria em condições de saber o que era, o que estaria fazendo e quem controlava” o órgão de inteligência norte-americano. O aviso foi levado em conta por Truman que também não gostava da ideia da criação da CIA e a manteve esquálida durante o restante do seu mandato, investindo na profissionalização do Departamento de Estado dos EUA. Havia, contudo, um ponto em que Truman se segurava para a criação da CIA. Era necessário a unificação dos órgãos de inteligência nos EUA. E era melhor que se unificasse a partir de um organismo ligado diretamente à presidência.

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De fato, cada instituição nos EUA tinha (e ainda tem) seu sistema de segurança. As diversas forças militares, o Departamento de Defesa, o Pentágono e até as fundações Ford, Rockfeller, Carneggie e etc. todas tinham partes devotadas à “inteligência”, e não raro umas atrapalhavam o trabalho das outras. Há inúmeras CPI’s no senado americano para dar conta das trapalhadas dos sistemas de inteligência durante a Guerra Fria. O caso mais engraçado é da Filarmônica de Nova York que em 1959 passou dez semanas excursionando pela Europa e pela URSS para demonstrar a capacidade dos EUA de serem também referência na área cultural. Foram identificados uma proporção de quase dois agentes de inteligência para cada membro da filarmônica durante o “goodwill tour”. De fato, tudo pago pelo contribuinte, os sistemas de inteligência não se comunicavam e a pilha de relatórios de um agente denunciando atividades “suspeitas” de outras pessoas que eram também agentes norte-americanos proporciona, a quem lida com estes documentos, boas risadas.

Piadas à parte, a história dos primeiros anos da CIA nos traz dois pontos importantes que servem ao Brasil de hoje: (1) é preciso um sistema nacional de inteligência CIVIL sem qualquer relação com os militares e (2) esse sistema precisa estar ligado diretamente (e não por intermediação de ninguém) com a presidência. A CIA se tornou gigantesca pela escolha de Dwight Eisenhower (General presidente norte-americano que governou entre 1953-1961) de emprega-la como principal ferramenta de política externa. Convencido pelo McCarthismo da época de que o Departamento de Estado estava cheio de “pinks, reds and lavanders”1, Eisenhower entregou a formação de uma robusta instituição de inteligência (CIA) a Allen Dulles, irmão do seu chefe do Departamento de Estado John Foster Dulles.

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Aqui começava a captura dos sistemas de informação pelos chamados “Dulles Brothers” que redundou em um número brutal de golpes pelo mundo todo. Da Guatemala ao Irã, pode-se dizer que as ações dos irmãos Dulles criaram a Guerra Fria como a conhecemos. Allen Dulles não tinha nenhum receio de expor sua força controlando a agência, e no caso do assassinato do líder congolês Patrice Lumumba, em 1961, Em menos de 13 meses após o fato, Allen Dulles dava entrevista pública nos EUA reconhecendo o que dizia ter sido “um erro”. Ao todo, historiadores contam cerca de 17 golpes de Estado cuja ação de Dulles e da sua CIA foram a causa do processo.

Nem mesmo o senado dos EUA não tinha acesso ao orçamento da CIA. São dezenas de pedidos do senado por informações barrados pela ação da Casa Branca e da própria CIA, alegando “questões de defesa nacional”. O Congresso dos EUA, até a eleição de Kennedy foi um dos maiores opositores das ações da CIA e, apesar de ter falhado em controlar essa instituição (como previa Acheson lá atrás), são as CPI’s do senado que proporcionaram documentos para trazer algumas figuras à luz da história e – até – fazê-los responder por alguns atos. O leitor deve estar se perguntando o que está faltando aqui, especialmente no que se refere ao Brasil?

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Bom, a CIA se organizou essencialmente como uma instituição civil. Seus quadros eram recrutados a partir das melhores universidades elitistas dos EUA (a chamada Ivy League) e treinados com base em protocolos desenvolvidos por Allen Dulles em sua mais profunda paranoia durante a Guerra Fria. Diferentemente do Itamaraty brasileiro, por exemplo, que copia o modelo militar de hierarquia a submissão, a CIA foi pensada para ser muito mais fluida em termos de níveis hierárquicos e funções. À militarização da inteligência, a maior potência do século XX não cedeu absolutamente nada.

O recado era claro

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Se juntarmos os avisos de Acheson, com as ações de Allen Dulles e o lamento final do mandato de Eisenhower (em que ele denuncia o “complexo industrial-militar” americano como responsável pela Guerra Fria) é possível ver o enorme erro do desenho de inteligência do Brasil. Um serviço de inteligência é um mal necessário como ponderaram Acheson e Truman lá em 47, mas um serviço de inteligência controlado por militares é um suicídio assistido da democracia. No caso o Brasil padece deste problema há mais de 50 anos. Embora a ABIN tenha sido criada por lei em 1999 (e entrado em funcionamento em 2022), ela sucedeu ao famigerado SNI (sistema militar de informação) e nunca, efetivamente, conseguiu se livrar do domínio militar. Aliás, durante o governo Bolsonaro, por muito pouco a própria Polícia Federal não ficou sob domínio de um general.

Todos sabem a necessidade de desbolsonarizar as instituições de segurança brasileiras. Eu, pessoalmente, prefiro o termo “desnazificar”. Contudo, isso só será possível a partir de duas ações que precisam ser tomadas de imediato: 1) desmilitarizar os sistemas de inteligência no Brasil (militares não entendem de inteligência, entendem de golpes) e 2) criar um Ministério da Defesa robusto com funcionalidade majoritariamente civil. O GSI precisa ser “civilizado” e a ABIN ser garantida a supremacia sobre o TODO o controle de informação no Brasil, incluindo as agências militares.

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Os EUA têm a maior força militar do mundo, e foi assim por quase todo o século XX. Nunca houve lá um golpe militar (com exceção de duas tentativas malfadadas). Uma das razões é o controle ferrenho que os civis mantém sobre os sistemas de inteligência. CIA e Pentágono, por exemplo, são “inimigos” históricos e o governo norte-americano sempre se coloca como “árbitro” dessas instituições, até no momento de distribuir verba.

Ou aprendemos com eles, ou seguiremos tomando golpes em looping e sempre com medo de algum militar que acorde pela manhã e não goste do cheiro, do tom ou da cor da democracia brasileira.

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1 “rosas, vermelhos e roxos” era a forma como os conservadores golpistas radicais da época designavam os comunistas de fato (reds), os que eram “simpatizantes” (pinks) e os homossexuais (lavanders) que eram considerados “inclinados” ao comunismo.

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