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Luis Cosme Pinto

Luis Cosme Pinto é carioca de Vila Isabel e vive em São Paulo. Tem 61 anos de idade e 35 de jornalismo. As crônicas que assina nascem em botecos e esquinas onde perambula em busca de histórias do dia a dia.

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Produtividade, segunda parte

Na parte final da crônica, vamos conhecer Lívia: a mulher que transformou a vida do entregador Rodrigo

Motoboy (Foto: Pixabay Free)
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- Senta aí que a pizza tá embaçada, grande. Sabe aquele corredor entre as filas dos carros que a gente passa voado?

- Ô! Há um tempo a gente falava “passar chispado”.

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- Chispado é massa. Deixa eu voltar pro corredor. Foi ali que conheci a Livia. Eu vinha com a moto entre os carros. Primeiro vi lá longe o boné branco começando a entrar no corredor e só depois o tênis rosa, a blusa, a calça justa e aquele monte de panfleto na mão. Eu juntei nos freios, controlei e fui pra esquerda.

- E a Lívia?

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- Ela assustou com a freada e correu pro mesmo lado. No ato, eu virei o guidão pra direita e ela deu um passo na mesma direção. Sabe quando dois pedestres ficam...

- Indecisos?

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- Isso, valeu. Pois é, ficam indecisos na calçada, tipo: vai você; não, vai você e aí ninguém vai?

- Isso acontece direto comigo.

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- Só que com a gente rolou ali no meio do trânsito. Aí que eu vi que ela era linda e distribuía pros motoristas aqueles papéis de venda de apartamento.

- Você falou algo pra ela?

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- Eu queria, mas fiquei sem jeito, o farol já ia abrir. Acelerei, furei o cruzamento e quase chorei de raiva.

- Por quê?

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- Porque eu queria fazer que nem a gente vê nas séries. O cara desce, dá uma ideia, fala uma coisa engraçada e conquista a mina.

- Na vida real não é tão fácil.

- Na moral, voltei pra casa lá no Jardim Jaqueline com ela na cabeça. Os olhos, a tatoo no ombro e o corpo... não dava pra esquecer

- Mas pelo jeito vocês se reencontraram.

capa-birinaites-catiripapos-borogodó
Capa do livro Birinaites, Catiripapos e Borogodó, de Luís Cosme Pinto(Photo: Reprodução)

- Sim. Eu voltei várias vezes naquele cruzamento, mas nunca achava a mina. Um dia eu vi os panfletos jogados no chão, como se ela tivesse acabado de sair. Fui seguindo os papeis no asfalto, até desaparecerem. Que tristeza!

- Você continuou a insistir?

- Claro. Perguntei no posto de combustível, ponto de táxi, nada. Até que num domingo de muito sol, era 20 de março, eu vi a gata.

- Tomou coragem?

- Mais ou menos, tava nervoso. Daí pensei, com esse calor vou comprar uma água gelada. Fui até um bar na outra avenida e acelerei pra lá. Me apresentei, ofereci a água e expliquei que quase tinha atropelado ela umas semanas atrás.

- Qual foi a reação?

- Abriu o sorriso mais lindo do mundo e deu um gole na água. Só que ela disse que o supervisor tava na esquina e que não podia parar de entregar os panfletos. Aí eu falei pra ela: você trabalha por produtividade, sabia? Ela arregalou aquelas duas azeitonas e perguntou: “que que é isso?”. Aí eu falei que ia voltar pra explicar. Ela me disse que se liberava às 13h. Começamos a conversar pelo zap durante uns dias. Chamei pra gente tomar uma cerveja. Ela disse que tinha que estudar e não topou.

- E aí?

- Aí que eu fiquei com mais vontade e tive uma ideia.

- Qual?

- Já te conto. Primeiro perguntei pra ela se podia passar lá na esquina no fim de semana. Consegui uma folga com o gerente do aplicativo e fui com fé. Até pedi pra minha mãe fazer uma oração.

- Isso é que é vontade.

- Nem desci da moto e convidei: bora tomar aquela cerveja na praia? “Cê é loco. Olha como eu tô vestida”. Eu disse: “Suave. Tenho uma surpresa pra você que eu comprei lá no Brás. Vê se gosta?” Ela desembrulhou o biquini florido e pela cara, senti que amou. Gostou da minha ideia, grande?

- Maravilhosa. E depois?

- Começou o encontro da minha vida. A Livia subiu na moto e descemos a serra. Ela apertadinha entre meu corpo e o bagageiro, que delícia. Cada curva melhor que a outra. Uma hora depois, mergulhamos na Praia Grande.

- Produtividade, hein?

- Você não viu nada. A gente piscou o olho e já vieram os meninos. O Tarcísio e o Vitor.

- Chegou a pizza.

- Que pena, queria terminar a história. Mas a muçarela tem que chegar ainda derretida.

- Fica com meu zap.

- Tá salvo. Vou te mandar áudio e mais fotos da família.

- Boa viagem.

- Agora são só mais 20 km até o jardim Jaqueline. Fui.

47 passos depois, boto a chave na porta de casa e encontro meu vizinho. Demétrio desce a escada com o celular na mão. Vai buscar o jantar da sexta-feira.

(Leia aqui a primeira parte da crônica)

Meu muito obrigado ao melhor entregador do Brasil, Guilherme Jesus. Ele me ajudou com sua memória incrível e seu talento de contar boas histórias do mundo dos motoboys.

*Luis Cosme Pinto é autor de Birinaites, Catiripapos e Borogodó, da Kotter

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