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Ideias

A provocação de Pelosi sobre Taiwan leva os EUA e o mundo a uma era de desordem e instabilidade

Martin Jacques denuncia a operação ofensiva dos Estados Unidos contra a China, destacando que os EUA estão levando o mundo a uma situação atormentada

(Foto: Carlos Latuff)
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Artigo do Prof. Martin Jacques*, originalmente publicada no Global Times. Tradução e adaptação de Rubens Turkienicz com exclusividade para o Brasil 247

A eleição de Donald Trump como presidente dos EUA em novembro de 2016 marcou o final de mais de quatro décadas de relativa estabilidade nas relações EUA-China. Desde então, as coisas têm ido morro abaixo até o fim, sem sequer uma pausa. Passaram-se cinco anos e tivemos dois presidentes [nos EUA]. Seria um exagero sugerir que as relações estão em queda livre, mas o relacionamento agora está patentemente desequilibrado. A previsibilidade foi substituída pela incerteza. A confiança se evaporou. É impossível prever qual será o estado do relacionamento após as eleições congressionais [da metade do atual mandato presidencial] nos EUA em novembro, ou após as próximas eleições presidenciais em 2024. A enorme incerteza que rodeia a muito debatida visita de Nancy Pelosi a Taiwan nesta semana resumiu a atual natureza muito carregada e intensamente volátil das relações EUA-China. É um fato salutar que nem o presidente Xi Jinping, nem tampouco o presidente Joe Biden sabiam se aquela visita efetivamente viria a acontecer (**).

Esta é uma situação muito perigosa. O relacionamento perdeu toda a sua credibilidade. Se o relacionamento EUA-China previamente era baseado num entendimento bem estabelecido e profundamente mútuo e de respeito pela posição de cada um, agora há muito pouco disso, às vezes parecendo que não existe. As grades de proteção que evitavam que o relacionamento se desviasse rapidamente para fora do caminho, agora não estão no seu lugar – como vimos tão dramaticamente na última semana e pouco. O que torna a situação ainda mais perigosa, na verdade amedrontadora, é o crescente vácuo de poder nos EUA. Até o último minuto, Biden não parecia saber se a sua companheira partidária democrata Pelosi iria à Taiwan (**). Como vimos, os seus auxiliares por duas vezes intervieram para garantir às mídias que deviam reinterpretar a sua sugestão de que os EUA iriam defender Taiwan em caso de ações militares da China.

É impossível prever quem será o presidente dos EUA em 2024. Não é difícil imaginar, por exemplo, a volta de Trump, ou até de alguém pior que ele. Neste ínterim, o processo de polarização e fragmentação dos EUA está sendo impulsionado pelo declínio americano. Acima de tudo, isto é o que é responsável pela crescente demolição da ordem global. Nós entramos na era da desordem e da instabilidade, tanto nos próprios Estados Unidos quanto, obviamente, no mundo todo. Isto representa uma ameaça mortal à paz mundial. Em apenas poucos e curtos anos, a conquista e o conflito substituíram a linguagem da cooperação e da paz. A ideia da guerra está se tornando progressivamente normalizada. Isto significa que existe uma crescente possibilidade de que isto efetivamente ocorra.

Não é um acidente que o ponto de ignição seja Taiwan. Uma das primeiras ações de Trump como presidente foi atender a um telefonema de Tsai Ing-wen [a presidenta de Taiwan] – foi a primeira vez, desde 1979, que um presidente dos EUA falou com um líder regional de Taiwan. Ele inclusive começou a questionar a política de Uma-Única-China, apesar de ter sido dissuadido de seguir adiante com isso por cabeças mais sábias. Uma das grandes conquistas da reaproximação entre Nixon e Mao foi uma série de entendimentos que iriam guiar e sustentar as relações EUA-China pelos 40 anos seguintes sobre a questão de Taiwan. Uma vez que o relacionamento EUA-China começou a se desfazer após 2016, foi inevitável que Taiwan voltaria novamente a ser uma questão sensível.

Nada é mais importante para a China do que o retorno dos territórios perdidos e a reunificação da China. Para a China esta é uma questão existencial. Mesmo assim, a República popular da China tem demonstrado uma grande paciência desde a ocupação ilegal da ilha por Chiang Kai-shek, em 1949. Mao deixou claro à Kissinger que a China seria paciente, desde que a política de Uma-Única-China fosse estritamente respeitada e que o governo de Taiwan não declarasse a sua independência. Segundo Kissinger, Mao disse: “Nós podemos estar sem Taiwan por ora; deixemos que ela venha daqui a 100 anos.”

Durante os últimos cinco anos, os EUA têm usurpado este entendimento ao aumentar a venda de armamentos para Taiwan, aumentando as patrulhas militares na região e dando apoio diplomático à ilha através de visitas de políticos estadunidenses. Uma visita de Pelosi, a presidenta da Câmara Federal de Deputados dos EUA, aumentaria o limite da provocação. Nenhum cidadão estadunidense da sua estatura visitou a ilha desde 1997. Se Pelosi for, o que ou quem será o próximo? Um padrão está tomando forma gradativamente. À medida que o relacionamento entre a China e os EUA se torna cada vez mais imprevisível, Taiwan se torna em muito a fonte mais perigosa de tensão e conflito.

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A visita de Pelosi só servirá para elevar as tensões, aumentar as suspeições e elevar o perigo de um conflito militar. Porém, mesmo que a visita não ocorresse, isto não pararia com o incipiente processo de escalação. Os dois países precisam reafirmar os princípios básicos do seu entendimento mútuo e mantido desde longa data sobre Taiwan. Agora, o perigo de um conflito militar sobre Taiwan é muito maior do que em qualquer outro momento desde os anos de 1970. Tal conflito seria muito mais sério do que seria se tivesse ocorrido previamente, porque agora a China se equaliza com os EUA e é uma adversária militar mais formidável do que então. Este é um conflito que ambos os lados devem procurar evitar a todo custo.

(*) O Prof. Martin Jacques foi até recentemente um membro sênior do Departamento de Política e Estudos Internacionais da Universidade de Cambridge (Inglaterra). Ele é um professor visitante do Instituto de Relações Internacionais Modernas na Universidade Tsinghua (China) e um membro sênior do Instituto da China na Universidade Fudan (China). Ele pode ser contatado no Twitter, no seu perfil @martjacques e através do e-mail opinion@globaltimes.com.cn. Seu website pessoal é: http://www.martinjacques.com/. Seu perfil no Wikipedia é: https://en.wikipedia.org/wiki/Martin_Jacques

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(**) à tempo: este artigo foi escrito e publicado antes da visita de Pelosi a Taiwan.

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